terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

(sem) Rede








O livro e a leitura são instrumentos fundamentais para conseguirmos derrubar barreiras invisíveis, demasiado presentes nesta realidade, onde o conhecimento, a cultura e a educação serão, expectavelmente, as melhores armas para ultrapassar muitas das insuficiências da nossa sociedade.

Demasiadas vezes, comparamo-nos com outras latitudes (nomeadamente, escandinavas), sem equacionar esta variável como fundamental para os objectivos e desafios com que somos confrontamos.

No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para a internacionalização, modernização e transição digital do livro e dos autores, a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) desenvolveu o projecto BiblioLED, uma biblioteca pública digital que permite aceder gratuitamente, através de uma plataforma, a livros digitais e audiolivros em todo o país.

A semanas do serviço ficar disponível aos seus utilizadores, ficamos a saber que, apenas, três bibliotecas municipais dos Açores (Madalena, São Roque e Praia da Vitória) constam na Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP, criada em 1987).

A utilização do formato digital não substitui o acesso presencial (e o objecto físico), mas face às vicissitudes e condicionalismos inerentes à nossa geografia, parece-me que esta iniciativa deve(ria) ser acolhida pelos restantes municípios (regionais) que, ainda, não fazem parte da RNBP, até como forma de tornar mais próximo, junto dos utentes mais novos, um formato que lhes é, ou poderá ser, mais familiar, funcionando ambas as modalidades de forma complementar.

Podemos e devemos aproveitar todos os mecanismos ao nosso dispor para alargar as competências de toda a população. O investimento na cultura, neste caso, da leitura e do livro, não pode ser avaliado como um dispêndio sem retorno (imediato e concreto) ou na comparação com outros investimentos (tidos como prioritários para a população).

Enquanto não encararmos como básico e fundamental, a criação e a fruição cultural, não podemos esperar resultados, nem melhorias nos rankings (de desenvolvimento), diferentes daqueles em que hoje nos encontramos.

Recordo que na sua primeira visita aos Açores e a São Jorge, no final do ano passado, a Ministra da Cultura, assumiu o compromisso de dotar o município da Calheta com uma biblioteca municipal. Este não é, ao contrário do que foi publicamente anunciado, um momento de regozijo, este episódio constituiu-se como (mais) um embaraço para (um)a Autonomia (de mão estendida).

Para além do mais, convinha que tivesse sido explicado à governante que, nesta escala, importa criar sinergias e rentabilizar recursos. Ao querer ali instalar uma biblioteca municipal, porque não realizar uma parceria com a Direção Regional da Cultura e potenciar as excelentes instalações do Museu Francisco Lacerda?

Os baixos níveis de literacia da população açoriana não deixam ninguém indiferente, pelo menos, não deviam.

Desconheço os dados regionais, reconheço que a falha pode ser minha, pois não os encontrei (online). Mas se, neste sector, não há dados, como podemos planificar e decidir?

A percepção (para usar uma designação em voga na leitura destes dias) é que o problema não se resolve com a atribuição de um cheque-livro. Esta é uma medida simbólica, a qual foi, naturalmente, bem recebida pelas poucas livrarias que resistem na região, e que desesperam por políticas concretas. Tal como em outras áreas, estas acções implicam um tempo de implementação e investimento, continuado e articulado, nomeadamente, entre a Cultura e a Educação, envolvendo (ou alterando) o famigerado Plano Regional de Leitura.

Num momento em que a inteligência artificial (IA) parece ser a receita para todas as conveniências, parece-me que estamos em falta com a instalação de um software (social) que nos ajude a computar a outra velocidade, na exacta medida em que “escolher as palavras é como escolher roupa para vestir” (Mariano Sigman).


[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem RNBP