O livro e a leitura são instrumentos fundamentais para conseguirmos derrubar barreiras invisíveis, demasiado presentes nesta realidade, onde o conhecimento, a cultura e a educação serão, expectavelmente, as melhores armas para ultrapassar muitas das insuficiências da nossa sociedade.
Demasiadas vezes, comparamo-nos com outras latitudes
(nomeadamente, escandinavas), sem equacionar esta variável como fundamental
para os objectivos e desafios com que somos confrontamos.
No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para
a internacionalização, modernização e transição digital do livro e dos autores,
a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) desenvolveu o
projecto BiblioLED, uma biblioteca pública digital que permite aceder
gratuitamente, através de uma plataforma, a livros digitais e audiolivros em
todo o país.
A semanas do serviço ficar disponível aos seus utilizadores,
ficamos a saber que, apenas, três bibliotecas municipais dos Açores (Madalena,
São Roque e Praia da Vitória) constam na Rede Nacional de Bibliotecas Públicas
(RNBP, criada em 1987).
A utilização do formato digital não substitui o acesso
presencial (e o objecto físico), mas face às vicissitudes e condicionalismos
inerentes à nossa geografia, parece-me que esta iniciativa deve(ria) ser
acolhida pelos restantes municípios (regionais) que, ainda, não fazem parte da
RNBP, até como forma de tornar mais próximo, junto dos utentes mais novos, um
formato que lhes é, ou poderá ser, mais familiar, funcionando ambas as
modalidades de forma complementar.
Podemos e devemos aproveitar todos os mecanismos ao nosso
dispor para alargar as competências de toda a população. O investimento na
cultura, neste caso, da leitura e do livro, não pode ser avaliado como um
dispêndio sem retorno (imediato e concreto) ou na comparação com outros
investimentos (tidos como prioritários para a população).
Enquanto não encararmos como básico e fundamental, a criação
e a fruição cultural, não podemos esperar resultados, nem melhorias nos
rankings (de desenvolvimento), diferentes daqueles em que hoje nos encontramos.
Recordo que na sua primeira visita aos Açores e a São Jorge,
no final do ano passado, a Ministra da Cultura, assumiu o compromisso de dotar
o município da Calheta com uma biblioteca municipal. Este não é, ao contrário
do que foi publicamente anunciado, um momento de regozijo, este episódio
constituiu-se como (mais) um embaraço para (um)a Autonomia (de mão estendida).
Para além do mais, convinha que tivesse sido explicado à
governante que, nesta escala, importa criar sinergias e rentabilizar recursos.
Ao querer ali instalar uma biblioteca municipal, porque não realizar uma
parceria com a Direção Regional da Cultura e potenciar as excelentes
instalações do Museu Francisco Lacerda?
Os baixos níveis de literacia da população açoriana não
deixam ninguém indiferente, pelo menos, não deviam.
Desconheço os dados regionais, reconheço que a falha pode
ser minha, pois não os encontrei (online). Mas se, neste sector, não há dados, como
podemos planificar e decidir?
A percepção (para usar uma designação em voga na leitura
destes dias) é que o problema não se resolve com a atribuição de um
cheque-livro. Esta é uma medida simbólica, a qual foi, naturalmente, bem
recebida pelas poucas livrarias que resistem na região, e que desesperam por
políticas concretas. Tal como em outras áreas, estas acções implicam um tempo
de implementação e investimento, continuado e articulado, nomeadamente, entre a
Cultura e a Educação, envolvendo (ou alterando) o famigerado Plano Regional de Leitura.
Num momento em que a inteligência artificial (IA) parece ser
a receita para todas as conveniências, parece-me que estamos em falta com a
instalação de um software (social) que nos ajude a computar a outra velocidade,
na exacta medida em que “escolher as palavras é como escolher roupa para
vestir” (Mariano Sigman).
[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental
[++] imagem RNBP
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