sexta-feira, 23 de julho de 2021

Debate (público)

Na passada semana, a RTP-Açores promoveu um debate (em jeito de conversa) sobre o impacto da pandemia no sector cultural do arquipélago.

O tempo foi (e será sempre) curto para falar de todas as questões que preocupam quem trabalha neste sector. No ecrã, este espaço parece (ainda) menor. Tal como na geografia das ilhas, a Cultura agrega múltiplos agentes, com áreas de actuação muito distintas, sendo que, inclusive, dentro de cada uma delas, a realidade da actividade e da dinâmica cultural é, também ela, singular.

Importa frisar que estamos a falar de contextos muito específicos, nem sempre compreendidos no todo nacional, e que a distância (interna) torna mais evidente as assimetrias que, inevitavelmente, se manifestam na relação que estabelecemos entre instituições (e artistas).

Apesar da fragilidade porque passa o sector (situação que não é nova, mas que se adensou em dias de pandemia), existem sinais que apontam caminhos de futuro e que importa ler, sobretudo, quando passou a ser fundamental consolidar recursos humanos (técnicos e criativos) com morada permanente na região.

O combate à intermitência e à precariedade, também, se faz por aqui. Não podemos ter (apenas) estruturas (instituições) com estatuto profissional e ignorar os artistas como profissionais de plenos direitos.

Apesar de toda a incerteza provocada pela pandemia, existiram, igualmente, algumas conquistas, a começar, por exemplo, pelo Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura e pela implementação da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP). Estes não são modelos fechados, mas são um princípio.

A pandemia não atingiu todos por igual e muitos músicos (técnicos e empresas), sobretudo estes, ficaram, de um dia para o outro, sem qualquer tipo de rendimento.

Existem apoios, mas a fragilidade da informalidade, que afecta muitos agentes, deste sector, tornou, em muitos casos, inacessível a sua eficácia.

Para além das questões de ordem económica e social, imperativas num momento com este, existem questões que se colocam ao nível da dinâmica da actividade cultural e que põem em risco uma retoma de práticas descontinuadas por esta paragem abrupta e que, neste momento, já soma um ano e meio.

Esta questão é ainda mais pertinente num contexto em que ultimámos uma candidatura de Ponta Delgada, e dos Açores, a Capital Europeia da Cultura em 2027.

Para podermos garantir o amanhã, importa agir com eficácia no contexto presente.

A suspensão da actividade artística coloca em risco um conjunto alargado de agentes, desde filarmónicas, a grupos corais ou a escolas de dança, pelo simples facto das regras sanitárias (que são respeitadas) tornarem impraticável a sua prática.

Nos últimos meses, foi encetado um diálogo (com as autoridades regionais de saúde) no sentido de tornar possível o regresso das actividade culturais (uma aspiração legítima e em conformidade com a evolução da situação sanitária).

Na passada quinta-feira foi, finalmente, alcançado o desfecho pretendido, porquanto, a partir deste sábado, será possível a realização de “eventos públicos, culturais ou desportivos (…) com público” e “em qualquer nível de risco, apenas com limitação de lotação”.

O debate público, em torno, destas e de outras matérias de relevante interesse cultural, não pode, nem deve ficar circunscrito a uma agenda periférica, mas é condição fundamental da nossa existência enquanto comunidade autónoma (que se quer cívica e socialmente participativa). 

+ Publicado na edição de 10/07/21 do Açoriano Oriental 
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terça-feira, 6 de julho de 2021

O tempo que foge não é habitável

O país desconfinou na incerteza do dia seguinte. Não por confiança mas, sobretudo, por (imperiosa) necessidade. 

Ao fim de dois meses, os casos voltaram a subir e a pressão económica (essencialmente turística) fez disparar os internamentos, sendo que (agora) a gravidade e a letalidade são (hipoteticamente) menores (e terão como alvo preferencial grupos etários mais jovens). 

O número (diário) de vítimas associadas à Covid-19 passou a ser uma banalidade, remetida a nota de rodapé do boletim noticioso (à hora de jantar). 

O (alto) risco mantém-se. Mas do pânico inicial (vivenciado em abril e maio do tempo que celebramos ter terminado), passamos à saturação colectiva e ao egoísmo narcisista (à porta fechada). 

Ao contrário do que possamos desejar, a imunidade de grupo não (nos) garante a ausência de casos e o contágio. 

Contudo, há quem considere que a vacina é a (sua) bolha de salvação (e cura eterna), contrastando com aqueles que a recusam por medo (de um destino pior do que aquele que lhes é prometido), alimentando um rol (absurdamente credível) de teorias da conspiração (facilmente propagável no scrolling da timeline).  

O facto é que “uma única dose da vacina não confere um grau de protecção tão elevado e que, por isso, é necessário que as pessoas mantenham todos os cuidados, já mesmo depois de serem inoculadas” (Público,23/06/21).

Um dado que convém (sempre) relembrar, reiterando a importância de aceder a informação (credível).

No arquipélago, o processo de vacinação tem permitido um relaxamento das medidas sanitárias, em particular, nas ilhas onde foi possível ter a colaboração da task-force (para o plano de vacinação contra a COVID-19 em Portugal).

Por ser a maior ilha, com mais população, São Miguel tem assistido a um incremento do processo de vacinação, sem que, no entanto, estes dados tenham (ainda) influência na diminuição no número de casos (positivos) que a continuam a martirizar.

O comprometimento de agir em conformidade (com as regras impostas) é algo que cabe, a cada um de nós, cumprir, na individualização de um acto colectivo (que todos atinge por igual).

O apelo à responsabilidade individual impõe-se mas temos de aprender a viver com uma realidade (nova) que não desaparecerá por decreto.

Para tal, temos de equacionar a retoma progressiva, dentro da razoabilidade possível, de todos os quadrantes da nossa vida colectiva.

Neste sentido, importa encarar com seriedade a reabertura do sector cultural, tal como anunciado na passada quinta-feira pela Secretária Regional da Saúde, impondo medidas que, atendendo à evolução da pandemia, possam permitir o regresso ao(s) palco(s).

Mais do que uma excepcionalidade, é solicitado que seja aplicado o mesmo critério que tem permitido que outros sectores económicos possam funcionar (mesmo que o nível de risco concelhio seja elevado).

Por uma questão de equidade e coerência, parece-nos fundamental a assumpção deste compromisso.

Simbolicamente, seria o reconhecimento que “o tempo que foge não é habitável” (Byung-Chul Han, 2019).

+ Publicado na edição de 26/06/21 do Açoriano Oriental 
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