terça-feira, 14 de agosto de 2018

A ilha (não) é nossa

O incremento da actividade turística tem provocado alguns constrangimentos no nosso modo de vida e tem conduzido a alguns aspectos menos positivos na vida dos insulares.

À semelhança do que acontece com outros destinos turísticos, existem, inevitavelmente, dores de crescimento face à crescente intensificação do número de visitantes, do aumento dos empreendimentos e investimentos de apoio ao alojamento e à animação turística.

Perante o congestionamento no acesso a determinados pontos de atracção turística, multiplicam-se as reacções negativas face ao aumento do fluxo turístico.

Ninguém ignora o efeito multiplicador da actividade turística na economia regional, os proveitos do turismo são muito bem-vindos mas para alguns (intervenientes) podíamos, quiçá, dispensar a presença dos turistas.

Passamos anos a reclamar por mais e melhores turistas, agora que eles aí estão, achamos que são demasiados?

Apesar de andarmos sempre a reivindicar a promoção do destino, foram poucos os que acreditaram no resultado desse investimento e na liberalização do espaço aéreo dos Açores.

A maior parte não estava preparada para o aumento exponencial do turismo, nem para as exigências daí decorrentes.

Nas últimas semanas têm surgido algumas notícias que dão conta da relativa insatisfação, por parte da população residente, face ao aumento dos preços (e ao anúncio de outros) no acesso a alguns pontos turísticos de maior afluência, como a Poça da Beija, nas Furnas, a Caldeira Velha, na Ribeira Grande, ou na Ferraria.

Passados três anos não me parece razoável continuarmos à espera dos meses mais intensos para realizamos obras de manutenção, sem adaptar horários de funcionamento e a evitar implementar medidas de regulação no acesso a espaços ambientais sensíveis, nomeadamente, no acesso automóvel, por exemplo, às margens da lagoa das Sete Cidades.

A justificação para a introdução desta regulação não pode, apenas, advir do facto de agora existirem mais turistas e (milhares de) carros em circulação pela ilha, são medidas em prol da nossa (proclamada) qualidade de vida e no melhor usufruto destes locais, naquilo que consideramos ser o equilíbrio entre desenvolvimento e o ambiente: o nosso maior activo.

Não podemos negligenciar a pressão exercida nestes locais, a qual é agora (muito) maior daquela que já tinham, pelo que sem a necessária implementação de regras que possam minimizar o número de acessos será difícil garantirmos a melhor experiência (turística).

E como de resto acontece, um pouco por todo o mundo, os locais de visitação devem ser pagos e uma parte destas receitas deve ser investida na sua manutenção, conservação e monotorização.

Com isto não estou a excluir os locais, devem ser gerados acessos diferenciados para residentes e visitantes, os quais devem reflectir a pressão das épocas de maior procura, por aquelas onde a procura é menos intensa.

A afirmação dos Açores como destino turístico passa, inexoravelmente, pela forma como acolhemos aqueles que nos visitam, sem que nos tornemos, num local asséptico, indiferenciado e individualista.

Parece-me ingénuo e irresponsável assumir que poderíamos ter mais turismo sem que existisse alguma perturbação na vida da ilha, sendo que, como aqui já escrevi, o verdadeiro desenvolvimento económico só terá significado se todas as acções promocionais reverterem, efectivamente, para uma melhoria sustentada da população residente, em termos sociais, culturais e ambientais.

Parafraseando Jack Self (in Revista Electra, junho 2018), “a relação entre o que é da ordem da esfera pública e o que é da ordem da privacidade alterou-se completamente no nosso tempo, à imagem do que se passa na relação entre o indivíduo e a sociedade.”

A ilha não é nossa, nem nunca o foi.


* Publicado na edição de 13/08/18 do Açoriano Oriental
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