terça-feira, 24 de junho de 2025

Bem-comum

RX, Ponta Delgada, fevereiro 2024

Nos anos mais recentes, arrendar uma habitação condigna e a preços justos, em Ponta Delgada, passou a ser missão (quase) impossível.

Este não é um cenário exclusivo dos Açores, mimetizamos uma trajectória global, mas nesta região ultraperiférica, em que os salários são tendencialmente mais baixos e a economia local está, em larga medida, cativa da actividade turística, esta é uma condição disruptiva na vida de muitas pessoas, cuja resolução não se afigura simples, nem passível de ser solucionada num curto espaço de tempo.

A crescente dinâmica imobiliária impulsionada pela procura externa e pelo turismo, estão a provocar uma enorme pressão nos preços do mercado residencial, o qual tem sido parcialmente responsável pelo aumento de um complexo conjunto de implicações sociais, das quais destacaria o elevado número de pessoas a dormir nas ruas (140 em Ponta Delgada e Ribeira Grande) e um (in)evitável alargamento das desigualdades sociais.

Com isto não estou a querer dizer que podemos viver sem turismo, mas devíamos pugnar por ter um maior equilíbrio e uma maior diversificação da nossa economia, na medida em que experienciamos (historicamente) o que implica investir (irreflectidamente) num único sector (a título de exemplo, no Construir 2030/Pequenos Negócios a maioria dos projectos são AL).

O investimento externo é fulcral para o nosso desenvolvimento presente (e futuro), mas tem sido canalizado, na sua esmagadora maioria, em particular, no concelho de Ponta Delgada, para o sector imobiliário sem que haja um “sobressalto cívico” das autoridades competentes. A procura por uma segunda residência (ou de investimento em alojamento turístico) por cidadãos estrangeiros, tem contribuído para o aumento exponencial dos preços de aquisição (e do arrendamento), os quais não estão ao alcance da maioria da população residente.  

Permitam-me um parêntesis. Obviamente, não ignoramos que a reabilitação urbana não seria possível sem o incremento do turismo, nem teria surtido o efeito de contágio gerado na economia regional, seja na construção civil, na criação de novas empresas e postos de trabalho (directos e indirectos). Mas, paradoxalmente, esta reconfiguração tem contribuído para a exclusão (habitacional) de muitas pessoas, cuja (re)conversão de habitações em unidades de alojamento local, levou à escassez (e inexistência) da disponibilização do arrendamento de longa duração, contribuindo para a deslocalização de parte da população para a periferia urbana, ou para os concelhos limítrofes, situação agravada com o desadequado sistema de transportes públicos que (já não) serve a cidade (e a ilha).

Importaria aqui salientar as diferenças entre aquilo que se entende por desenvolvimento turístico sustentável e o turismo predatório. O primeiro envolve a comunidade, respeita o território e contribui para o seu equilíbrio; o segundo explora os recursos, distorce os preços e transforma a cidade (ou região) num parque temático, bonito por fora, mas vazio por dentro, no qual os habitantes são meros adereços. Ninguém quer ou assume que isto possa vir a acontecer. Mas se nada for feito, todos os passos (dados e em perspectiva) caminham neste sentido.

Perante isto, é necessário e fundamental repensar a política de habitação a nível local (e regional), seguindo as recomendações da Comissão Europeia ao nosso país, que passam pelo controlo de rendas; limites mais estreitos ao alojamento local nas zonas pressionadas; recurso aos imóveis desocupados, públicos ou privados, para aumentar a oferta de habitação; e alargamento da política conhecida por "housing first".

O futuro de Ponta Delgada dependerá da nossa capacidade de gerar equilíbrios capazes de enfrentar estes desafios, nomeadamente, a gentrificação do(s) centro(s) histórico(s), invalidando esta tendência como uma possibilidade futura, ou como uma realidade em expansão, assumindo um compromisso efectivo em prol da população e do bem-comum.

[+] publicado na edição de 24 Junho 2025 do Açoriano Oriental 

[++] imagem Reporter X

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Valorização

Após anos de “chumbo” (e “encostados à parede”), os governos (da república) liderados pelo Partido Socialista (PS), entre 2015 e 2023, deram à Cultura a centralidade que ela merece, um assento à mesa do conselho de ministros e a implementação de uma estratégia de reforço orçamental (gradual e continuado).

A Direção-Geral das Artes (DGARTES), um dos principais organismos do Ministério da Cultura (MC), teve (e tem tido) um papel fundamental na implementação de políticas públicas que visam responder às naturais expectativas de profissionais e das estruturas do sector das artes em todo o território nacional.

Contudo, pela primeira vez, em oito anos de concursos, a Declaração Anual 2025 da DGARTES, na qual são publicitados os concursos a abrir, contrariou a tendência de crescimento das dotações alocadas a cada modalidade de apoio.

O valor do programa de Apoio a Projetos (concursos para Artes Visuais, Criação e Edição, Internacionalização, Música e Ópera, Programação e Procedimento Simplificado) foi o mesmo de 2024 (ainda aprovado pelo PS), outros programas de apoio foram revistos em baixa (Apoio Complementar Europa Criativa) e os concursos - Arte e Coesão Territorial (destinado aos territórios de baixa densidade cultural) e o Arte pela Democracia (uma parceria entre a DGARTES e a Estrutura de Missão para as Comemorações do 50.º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974), foram, simplesmente, obliterados.

Estamos longe da promessa de aumentar em 50% o orçamento do Ministério da Cultura (MC), e estes 11 meses de (des)governação, demonstraram o seu contrário, nos quais (não) fomos surpreendidos pelo rol de decisões persecutórias, medidas inócuas e opções erráticas. Exemplo(s) flagrantes da falta de estratégia e do profundo desconhecimento da diversidade (e complexidade) das estruturas tuteladas (pelo MC) e do tecido artístico português.

As enormes assimetrias territoriais implicam a necessidade imperiosa de continuar a investir em políticas de coesão territorial, daí os incentivos à Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) e à RedePortuguesa de Arte Contemporânea (RPAC), instrumentos fundamentais para prosseguir a missão de fomentar (e descentralizar) o acesso às artes, mas cujo novo ciclo de concursos à programação não acompanha a inflação, nem a dinâmica crescente. O que na prática é mais uma evidência do retrocesso anunciado.

A campanha eleitoral termina na próxima sexta-feira e, infelizmente, a Cultura é sistematicamente ignorada no roteiro eleitoral. No entanto, honra seja feita à esquerda, em particular, ao Partido Socialista, que tem chamado à atenção para a importância dos apoios nacionais na sedimentação da actividade artística nos Açores e como isto tem contribuído (ou poderá estimular) à fixação, profissionalização e valorização de recursos humanos especializados.

Para melhor atendermos à dimensão alcançada, o montante anual de apoios da DGARTES injectado no arquipélago é (hoje) superior a 1.5 milhões de euros. E esta possibilidade só foi tornada possível com um governo do Partido Socialista, o qual, desde 2018, viabilizou o acesso aos artistas e instituições regionais às linhas de financiamento nacional (e é, actualmente, o garante de parte substantiva da criação artística na região, do funcionamento de várias estruturas e da segurança laboral dos seus profissionais).

Perante o “fosso ético” para o qual o primeiro-ministro arrastou o governo e o país, a 18 maio, a nossa opção de futuro recai, inexoravelmente, por um caminho que não se constitua como uma desvalorização, um entrave ou, até mesmo, uma estagnação (por tudo aquilo que tem sido arduamente conquistado).  

[+] publicado na edição de 13 maio 2025 do Açoriano Oriental e online no Diário da Lagoa

[++] imagem Cães do Mar

terça-feira, 29 de abril de 2025

Movimento(s), por uma política integrada regional para o livro e leitura

O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor celebra-se a 23 abril, foi comemorado, em São Miguel, com várias iniciativas, das quais destacaria a inauguração da exposição “Fumo do Meu Cachimbo” de Dias de Melo, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, e a “Festa do Livro” na livraria (e editora) Letras Lavadas.

Simbolicamente, o MOVA - Movimento Cívico pela Cultura dosAçores deu, também, a conhecer a sua proposta para a criação de uma Política Integrada Regional para o Livro e Leitura, a qual recomenda a implementação e adopção de um amplo conjunto de acções, entendidas como essenciais para “a redução de desigualdades sociais” e “para construir uma sociedade mais educada, justa e inclusiva.”

O comunicado do MOVA é mais uma tomada de posição pública (coerente), assumindo a dianteira da representação do sector cultural e criativo dos Açores, junto dos poderes instituídos, neste particular, no recentrar da importância do livro junto do papel que representa (e pode significar) no desenvolvimento económico e social deste território.

Os problemas estão amplamente diagnosticados e carecem somente de uma estratégia que permita uma ágil actuação no terreno, coadjuvada pelos recursos necessários, e consentânea com a missão das instituições associativas, privadas e públicas (que lutam todos os dias por uma gritante falta de meios).

Considero esta recomendação muito pertinente, em múltiplas dimensões, até porque vivemos num momento paradoxal, onde assistimos à proliferação de pequenas editoras, cada vez mais especializadas e de nicho, e ao crescimento do consumo do livro por parte de um público mais juvenil (segundo o estudo da Nielsen/GFK para a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) sobre os hábitos de compra e de leitura dos portugueses).

Curiosamente, o programa cheque-livro no valor de 20 euros, pelos jovens nascidos em 2005 e 2006, num universo estimado de 220 mil potenciais beneficiários, foi prolongado até 15 de Julho porque a sua utilização ficou abaixo das expectativas. Segundo os dados partilhados pela Direcção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), até 21 abril, véspera do fim do prazo, tinham sido emitidos 44.959 cheques-livro, tendo sido utilizados 34.442, o que na prática significa que mais de 185 mil destes cheques ficaram por utilizar. Existem várias razões apontadas, como o valor da medida ou os procedimentos administrativos para a sua emissão.

Desconheço os dados da medida regional, ou mesmo a adesão dos jovens leitores açorianos à iniciativa nacional, mas seria útil uma disponibilização para a sua melhor análise.

Termino com a leitura crítica de Mário Vargas Llosa, falecido recentemente, na qual explicita (na sua obra “A Civilização doEspetáculo”) que “o escritor pode prestar um serviço aos seus contemporâneos e salvar o seu ofício da deliquescência em que às vezes parece estar a cair. Se se tratar apenas de entreter, de fazer o ser humano passar um bocado agradável, mergulhado na irrealidade, desligado da sordidez quotidiana, do inferno doméstico ou da angústia económica, numa relaxada indolência espiritual, as ficções da literatura não podem competir com as que fornecem os ecrãs, grandes ou pequenos. As ilusões forjadas com a palavra exigem uma participação ativa do leitor, um esforço de imaginação e, às vezes, tratando-se de literatura moderna, complicadas operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do cinema e da televisão dispensam os espectadores. E estes, em parte por causa disso, tornam-se a cada dia mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que seja intelectualmente exigente.

Os desafios do presente, convocam-nos a todos (sociedade civil), pelo que não podemos remeter as responsabilidades (apenas) para quem decide, os quais devem ser impelidos, isso sim, a melhor governar.

[+] publicado na edição de 29 abril 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem Quetzal

terça-feira, 15 de abril de 2025

Caudal








No último dia da edição, deste ano, do TREMOR, participei no Caudal, uma mesa-redonda em registo informal, a partir da exposição Ponto de Partida, presente no Centro Cultural da Caloura, para uma troca de testemunhos em torno de um conjunto vasto de questões, sobre o passado, presente e futuro (cultural) dos Açores.

O calor e o sol da tarde convidavam a outros prazeres, mas a moderação conduzida pela Maria Emanuel Albergaria, coordenadora intermunicipal do Plano Nacional das Artes, conseguiu agregar a atenção de um punhado de festivaleiros.

Nestes encontros, a conversa tende (não raras vezes) para uma catarse colectiva, invariavelmente, sobre as dificuldades existentes (leia-se financiamento), mas a troca de experiências dos vários intervenientes (NinaMedeiros, Sofia Botelho e Victor Almeida, de gerações distintas) e o diálogo com os participantes fez fluir a partilha.

Muitos dos temas elencados (acessibilidades, diversidade programática, educação e ensino), estão há muito diagnosticados, persistem no espaço e no tempo, com a inerente actualização dos desafios que hoje existem, num mundo cada vez mais global, em que a exigência dos públicos e de um conjunto amplo de agentes, cada vez mais profissional, pressiona as instituições públicas para uma resposta que, na maioria das vezes, não conseguem dar. Aqui, chegamos ao paradoxo em que nos encontramos.

O apoio nacional às entidades regionais consignado pela DGARTES – Direção-Geral das Artes, desde 2018, veio repor uma injustiça com décadas. A possibilidade de apoio (reforçado) à comunidade artística local tem feito consolidar, desde essa data, um conjunto de estruturas e de profissionais, e com isso a sustentação de uma programação regular e a participação em rede com uma plêiade de parceiros nacionais e internacionais.

O TREMOR é disso um exemplo referencial.

Por estes dias, a ultraperiferia passa a ser um centro na difusão, na escala certa, de novos nomes da cena alternativa internacional, assim como, de importantes projetos comunitários locais, e de novos artistas regionais que aqui têm a atenção de um público maioritariamente internacional (este ano vieram de 29 países) e da imprensa especializada.

Do outro lado temos as instituições públicas (onde incluo, inclusive, a DRaC - Direção Regional da Cultura), importantes parceiros destas entidades locais, convocadas para agir reciprocamente, mas com muitas limitações na sua missão, sobretudo, devido a questões de funcionamento (orçamento e manutenção) que devoram e limitam a atenção para aquilo em que deviam estar concentradas em fazer, o apoio intransigente e incondicional ao desenvolvimento da actividade cultural (e artística) regional (e a sua intermediação em rede, dentro e fora da região).

A pertinência é absoluta, num momento da história em que fervilha a discussão em torno dos paradigmas das políticas culturais, nomeadamente, aqueles em que entrecruzam os conceitos de “democratização da cultura” e “democracia cultural”. No primeiro, pretende-se o “alargamento da cultura ‘legitima’ ao maior número possível de pessoas” com a pretensão de reduzir as “desigualdades de acesso à cultura erudita”; o segundo, “reivindica um conceito mais alargado de cultura, dando primazia à cultura de base comunitária, sensível à diversidade cultural (…) sem desprimor pelas práticas artísticas amadoras” (Práticas Culturais dos Portugueses, ICS/FCG).

Estes são dados incontornáveis para a intensificação de políticas culturais (regionais) que implicam, forçosamente, o acesso ao conhecimento sobre hábitos, práticas e gostos culturais que não abundam no país e que no arquipélago são residuais (ou inexistentes).

Neste momento, importaria não abdicar ou reduzir a torrente do “caudal” que brota das ilhas, com risco de o mesmo jorrar para lado nenhum e perder todo o seu fulgor e vitalidade (crescentes).

[+] publicado na edição de 15 abril 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem RTP/A

quarta-feira, 19 de março de 2025

Quanto menos o ignorarmos (melhor será)










Março é sinónimo de BTL, a Bolsa de Turismo de Lisboa que agora se passou a chamar Better Tourism Lisbon, ponto de paragem obrigatória para todas as regiões turísticas do país que ali intentam reinventar-se, apresentando o seu produto e o melhor que têm para oferecer.

Este ano, a estratégia turística apresentada pelos Açores aponta para um: “Turismo Todo o Ano em Todas as Ilhas”. Uma ambição de sempre, bem-intencionada, mas cuja implementação nas ilhas mais pequenas carece de múltiplos factores (difíceis de medir e controlar), em particular, a predisposição dos residentes para a prestação de serviços, a escala ou os transportes. Sabendo de antemão que a actividade turística não será experienciada por todos, da mesma forma e com a mesma intensidade (e rentabilidade).

Os Açores são um território desfragmentado geograficamente, muito sensível, ambientalmente, e muito frágil economicamente.

A exuberância das nossas paisagens, não garante a excelência ambiental, e a nossa prática quotidiana contradiz, muito do que afirmamos deter como destino turístico sustentável. Quanto menos o ignorarmos, melhor será.

O inquérito à satisfação do turista que visitou os Açores durante a época baixa 2023/2024 (novembro de 2023 a março de 2024), implementado pelo Observatório do Turismo dos Açores (OTA), revelou que, segundo noticiou o Açoriano Oriental, um em quatro turistas (24,6%) admitiu ter conhecimento da certificação internacional de destino sustentável da Região. E que, apenas, 2% dos turistas inquiridos (370 inquéritos, em 3 ilhas do arquipélago, para um universo total de aproximadamente 171 mil hóspedes), admitiram ter viajado para o destino com base neste reconhecimento.

Independentemente da positividade dos resultados (76,9% dos turistas terão ficado satisfeitos ou muito satisfeitos, e 85,9% demonstraram que o destino correspondeu às suas expectativas), muitos destes dados devem ser alvo de ampla reflexão (desconheço se o são), particularmente, os que enquadram o perfil de quem nos visita, cujo conhecimento, experiência e habilitações não são negligenciáveis.

O transporte público terrestre, a restauração ou a programação cultural (e a animação turística, sectores diferentes, mas complementares) são aspectos que os turistas apontam como os mais frágeis e que carecem de melhoria. Escusado será dizer que, apesar da evolução ocorrida nos últimos anos, estes sectores têm sido sinalizados (recorrentemente) na monitorização às insuficiências dos serviços prestados aos turistas.

Neste capítulo, Alice Sousa Lima (Presidente da Associação Regional de Empresas de Animação Turística), em entrevista a este jornal, refere que existem vários desafios, a começar pela fiscalização às empresas ilegais, referindo, inclusive, que existe um “mercado paralelo enorme” e que estas empresas “dão mau nome à Região.” Complementarmente, noutra entrevista, Pedro Rodrigues, outro empresário da animação turística, assinala outra evidência a ter em conta: “há muita gente a fazer a mesma coisa, e é preciso haver um pouco mais de imaginação para oferecer experiências diferentes”.

A promoção turística é uma ferramenta fundamental para o crescimento da notoriedade do destino Açores. Contudo, os anos passam e não se vislumbram melhorias significativas na articulação interdepartamental, persistindo a ausência de estratégia e posicionamento, que nos fará caminhar (paulatinamente) para a “excelência” e para o “combate à sazonalidade”. A este respeito, por exemplo, onde podemos consultar a estratégia regional para a captação de congressos e eventos (na época baixa)?

Não basta vender se não qualificarmos os serviços que prestamos, não diversificamos os pontos de visitação, nem conservarmos, ou requalificarmos os que temos.

A pior promoção do destino, será, como já sabemos, uma má experiência turística.

[+] publicado na edição de 18 março 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem AMRAA

quarta-feira, 5 de março de 2025

Ainda estou aqui














De que vale afirmar que um acto é legal se tresanda a falta de ética? Este é, ou tem sido, o cerne da questão (familiar) que envolve o actual primeiro-ministro, Luis Montenegro.

Em política a memória é, recorrentemente, curta. E o que parece, na maioria das vezes, é.

Ao recordar as múltiplas intervenções do anterior líder da oposição, ficamos na dúvida se estamos a falar da mesma pessoa ou se agora, agarrado ao poder, o teste do algodão passou a ser outro, no qual nos furtamos de prestar declarações, vociferamos repetidamente contra a imprensa e os jornalistas (que têm sido tremendamente benevolentes perante um governo tão fraco), passamos a vida a exigir aos outros algo que não conseguimos cumprir, que transparente mais transparente não há e (de peito aberto) abraçamos (e dramatizamos) uma nova crise como forma de sobrevivência (política), arrastando a vida pública para um (novo) pântano.

No meio desta turbulência, assistimos ao silêncio ensurdecedor da Presidência da República e ficamos a saber (pelo Observador) que Marcelo Rebelo de Sousa “não atendeu a chamada do primeiro-ministro, pois estava com outros afazeres”.

A lucidez (semanal) de António Barreto, remete-nos para a “ética republicana”, na qual “ausência de medo de perda de honra é o sentimento de impunidade. A ideia de que a justiça nunca chega ou, quando chega, é tarde e mal. (…)  A promiscuidade entre política, Administração e Justiça é tão profunda que a complacência tem esse efeito, o de “normalizar” o que não o deveria ser.

A declaração deste sábado, foi a prova da desfaçatez em que está enredado o primeiro-ministro, tanto na forma como tenta limpar a sua imagem pública à custa daqueles que lhe são mais próximos, quer na anódina tentativa de apelar à emoção, num momento que devia convocar à sobriedade, prudência e lisura, perante a natureza dos factos.

Tal como sublinhado, lapidarmente, por Pedro Adão e Silva, é “difícil encontrar uma explicação plausível para alguém pensar que o exercício de funções de primeiro-ministro era compatível com a continuidade de atividade de uma empresa (…) com clientes que existem apenas por pertenceram a uma teia de cumplicidades políticas tecida por Montenegro”. Para concluir que é “chocante tamanha dose de imprudência.”

Ao contrário do que pensa o governo minoritário de Luis Montenegro, a questão da legitimidade governamental não termina com o chumbo da monção de censura apresentada, extemporaneamente, pelo PCP, uma vez que, tal como defende Francisco Assis, o governo quer transformar este acto “numa moção de confiança”. E que perante isto, “exige-se um esclarecimento absoluto da situação: ou o Governo é sério e apresenta uma moção de confiança ou, caso contrário, o PS deve apresentar uma moção de censura."

Uma leitura mais depurada deste caso, levanta muitas outras dúvidas, até pela história recente, tanto que o constitucionalista Reis Novais afirma que o “Ministério Público deve colocar uma ação para destituição de Montenegro”, pois aparenta “existir, no mínimo, violação de obrigação de exclusividade pelo PM, e que este deveria ser, em última análise, demitido pelo PR ou destituído pelos tribunais”.

A incredulidade em torno deste assunto cresce à medida que são revelados novos dados, e o Primeiro-Ministro apenas pode queixar-se de si próprio e do novelo em que se deixou enredar.

O cenário político nacional é incerto, e o país não precisa(va) de mais crispações, tal como as nuvens que pairam no cenário internacional, onde o caminho para a paz (e o fim da guerra na Ucrânia) entraram numa perigosa deriva de proporções apocalípticas que não auguram nada de bom.

Assim como o título do filme de Walter Salles, vencedor do Óscar para Melhor Filme Internacional, Luís Montenegro vai, infelizmente, continuar a dizer “Ainda Estou Aqui” (ou a andar por aí…).

[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem VolksVargas

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

(sem) Rede








O livro e a leitura são instrumentos fundamentais para conseguirmos derrubar barreiras invisíveis, demasiado presentes nesta realidade, onde o conhecimento, a cultura e a educação serão, expectavelmente, as melhores armas para ultrapassar muitas das insuficiências da nossa sociedade.

Demasiadas vezes, comparamo-nos com outras latitudes (nomeadamente, escandinavas), sem equacionar esta variável como fundamental para os objectivos e desafios com que somos confrontamos.

No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para a internacionalização, modernização e transição digital do livro e dos autores, a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) desenvolveu o projecto BiblioLED, uma biblioteca pública digital que permite aceder gratuitamente, através de uma plataforma, a livros digitais e audiolivros em todo o país.

A semanas do serviço ficar disponível aos seus utilizadores, ficamos a saber que, apenas, três bibliotecas municipais dos Açores (Madalena, São Roque e Praia da Vitória) constam na Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP, criada em 1987).

A utilização do formato digital não substitui o acesso presencial (e o objecto físico), mas face às vicissitudes e condicionalismos inerentes à nossa geografia, parece-me que esta iniciativa deve(ria) ser acolhida pelos restantes municípios (regionais) que, ainda, não fazem parte da RNBP, até como forma de tornar mais próximo, junto dos utentes mais novos, um formato que lhes é, ou poderá ser, mais familiar, funcionando ambas as modalidades de forma complementar.

Podemos e devemos aproveitar todos os mecanismos ao nosso dispor para alargar as competências de toda a população. O investimento na cultura, neste caso, da leitura e do livro, não pode ser avaliado como um dispêndio sem retorno (imediato e concreto) ou na comparação com outros investimentos (tidos como prioritários para a população).

Enquanto não encararmos como básico e fundamental, a criação e a fruição cultural, não podemos esperar resultados, nem melhorias nos rankings (de desenvolvimento), diferentes daqueles em que hoje nos encontramos.

Recordo que na sua primeira visita aos Açores e a São Jorge, no final do ano passado, a Ministra da Cultura, assumiu o compromisso de dotar o município da Calheta com uma biblioteca municipal. Este não é, ao contrário do que foi publicamente anunciado, um momento de regozijo, este episódio constituiu-se como (mais) um embaraço para (um)a Autonomia (de mão estendida).

Para além do mais, convinha que tivesse sido explicado à governante que, nesta escala, importa criar sinergias e rentabilizar recursos. Ao querer ali instalar uma biblioteca municipal, porque não realizar uma parceria com a Direção Regional da Cultura e potenciar as excelentes instalações do Museu Francisco Lacerda?

Os baixos níveis de literacia da população açoriana não deixam ninguém indiferente, pelo menos, não deviam.

Desconheço os dados regionais, reconheço que a falha pode ser minha, pois não os encontrei (online). Mas se, neste sector, não há dados, como podemos planificar e decidir?

A percepção (para usar uma designação em voga na leitura destes dias) é que o problema não se resolve com a atribuição de um cheque-livro. Esta é uma medida simbólica, a qual foi, naturalmente, bem recebida pelas poucas livrarias que resistem na região, e que desesperam por políticas concretas. Tal como em outras áreas, estas acções implicam um tempo de implementação e investimento, continuado e articulado, nomeadamente, entre a Cultura e a Educação, envolvendo (ou alterando) o famigerado Plano Regional de Leitura.

Num momento em que a inteligência artificial (IA) parece ser a receita para todas as conveniências, parece-me que estamos em falta com a instalação de um software (social) que nos ajude a computar a outra velocidade, na exacta medida em que “escolher as palavras é como escolher roupa para vestir” (Mariano Sigman).

[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem RNBP