Este não é um cenário exclusivo dos Açores, mimetizamos uma
trajectória global, mas nesta região ultraperiférica, em que os salários são
tendencialmente mais baixos e a economia local está, em larga medida, cativa da
actividade turística, esta é uma condição disruptiva na vida de muitas pessoas,
cuja resolução não se afigura simples, nem passível de ser solucionada num
curto espaço de tempo.
A crescente dinâmica imobiliária impulsionada pela procura
externa e pelo turismo, estão a provocar uma enorme pressão nos preços do
mercado residencial, o qual tem sido parcialmente responsável pelo aumento de
um complexo conjunto de implicações sociais, das quais destacaria o elevado
número de pessoas a dormir nas ruas (140 em Ponta Delgada e Ribeira Grande) e um
(in)evitável alargamento das desigualdades sociais.
Com isto não estou a querer dizer que podemos viver sem
turismo, mas devíamos pugnar por ter um maior equilíbrio e uma maior
diversificação da nossa economia, na medida em que experienciamos (historicamente)
o que implica investir (irreflectidamente) num único sector (a título de
exemplo, no Construir 2030/Pequenos Negócios a maioria dos projectos são AL).
O investimento externo é fulcral para o nosso
desenvolvimento presente (e futuro), mas tem sido canalizado, na sua esmagadora
maioria, em particular, no concelho de Ponta Delgada, para o sector imobiliário
sem que haja um “sobressalto cívico” das autoridades competentes. A procura por
uma segunda residência (ou de investimento em alojamento turístico) por
cidadãos estrangeiros, tem contribuído para o aumento exponencial dos preços de
aquisição (e do arrendamento), os quais não estão ao alcance da maioria da
população residente.
Permitam-me um parêntesis. Obviamente, não ignoramos que a
reabilitação urbana não seria possível sem o incremento do turismo, nem teria
surtido o efeito de contágio gerado na economia regional, seja na construção
civil, na criação de novas empresas e postos de trabalho (directos e indirectos).
Mas, paradoxalmente, esta reconfiguração tem contribuído para a exclusão (habitacional)
de muitas pessoas, cuja (re)conversão de habitações em unidades de alojamento
local, levou à escassez (e inexistência) da disponibilização do arrendamento de
longa duração, contribuindo para a deslocalização de parte da população para a periferia
urbana, ou para os concelhos limítrofes, situação agravada com o desadequado
sistema de transportes públicos que (já não) serve a cidade (e a ilha).
Importaria aqui salientar as diferenças entre aquilo que se entende por desenvolvimento turístico “sustentável” e o turismo “predatório”. O primeiro envolve a comunidade, respeita o
território e contribui para o seu equilíbrio; o segundo explora os recursos, distorce os preços e transforma
a cidade (ou região) num parque temático,
bonito por fora, mas vazio por dentro, no qual os habitantes são meros adereços. Ninguém quer ou assume
que isto possa vir a acontecer. Mas se nada for feito, todos os passos (dados e
em perspectiva) caminham neste sentido.
Perante isto, é necessário e fundamental repensar a política
de habitação a nível local (e regional), seguindo as recomendações da Comissão Europeia ao nosso país, que passam pelo controlo de rendas; limites mais
estreitos ao alojamento local nas zonas pressionadas; recurso aos imóveis
desocupados, públicos ou privados, para aumentar a oferta de habitação; e
alargamento da política conhecida por "housing first".
O futuro de Ponta Delgada dependerá da nossa capacidade de gerar equilíbrios
capazes de enfrentar estes desafios, nomeadamente, a gentrificação do(s) centro(s)
histórico(s), invalidando esta tendência como uma possibilidade futura, ou como
uma realidade em expansão, assumindo um compromisso efectivo em prol da
população e do bem-comum.
[+] publicado na edição de 24 Junho 2025 do Açoriano Oriental
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