terça-feira, 11 de julho de 2017

Exiguidade(s)

O presente ano prova que as autarquias pouco, ou nada, aprenderam com a crise.
Na maior parte do tempo, o calendário e o investimento associado à cultura é apenas uma questão simbólica, feita de boa(s) vontade(s), diplomas de reconhecimento municipal, discursos, medalhas e placas comemorativas. Mas, em concreto, pouco investimento e nenhuma estratégia ou planeamento.
A justificação para esta precariedade, é de que existem, sempre, áreas prioritárias (!). A cultura é, habitualmente, referência obrigatória em discursos e acções evocativas.
Nestes dias de crise, ou de menor intensidade crítica, que na prática significam menor disponibilidade orçamental, a política cultural autárquica extingue-se na atribuição de valores monetários (simbólicos) a entidades culturais e ao discurso de circunstância.
Contudo, em ano eleitoral parece existir, quase sempre, outra disponibilidade no fundo do baú, para acudir as festas concelhias que marcam, indubitavelmente, o cartaz estival do arquipélago.
Outrora, estas festividades assentavam noutros pressupostos. Agora, passaram a designar-se, pomposamente, festivais, sem que ninguém questione o porquê desta mutação.
Nestes actos, a identidade cultural e a perpetuação da tradição passaram a ter na animação turística, e na oportunidade de negócio, a justificação para a sua realização.
Por estes dias, o turismo justifica, sem grande discernimento, quase toda a nossa acção pública e privada.
Esta semana, numa iniciativa da Confederação do Turismo Português, ouvi da boca de um profissional da PWC (PricewaterhouseCoopers), em relação à evolução (recente) do turismo dos Açores, que “depois do sol vem a chuva”. O director deste jornal escreveu, no seu editorial da semana passada, que o Plano Estratégico Turístico de Ponta Delgada, apresentado em final de mandato, “limita-se, em boa medida, a propor o óbvio”. Estas declarações acabam, no final, por ser a prova de como na teoria concebemos uma coisa e, na prática, acabamos a fazer outra.
Isto não é, apenas, apanágio de Ponta Delgada. Aqui terá, porventura, outra escala, relativamente à maior cidade dos Açores, e a este estafado slogan, cheio de pretensão e vazio de conteúdo.
O calendário de eventos do próximo fim-de-semana, na ilha de São Miguel, confirma que não existe qualquer tipo de planificação, no agendamento deste tipo de eventos nos Açores, numa região onde os turistas apontam como insuficiente, ou inexistente, a animação turística que lhes é proposta (convinha reflectir seriamente sobre o que isto significa).
Existem largos períodos do ano onde não acontece rigorosamente nada, para depois se realizar um conjunto infindável de iniciativas, dirigidas maioritariamente aos residentes, mas divulgadas como cartaz turístico (para aqueles que nos visitam).
Convém não ignorar outro factor, os residentes passaram a viajar com maior frequência, na procura, por exemplo, dos Festivais com f maiúsculo. Um movimento que não deve ser olhado de forma despiciente.
Quem nos procura não vem atrás de animação nocturna, ruído e lixo, procura a tranquilidade, segurança e a preservação ambiental que já não encontra noutras paragens. Aquilo que, na essência, afirmamos (de)ter mas que nos custa concretizar na sua real plenitude.
Para vos dar conta desta aparente esquizofrenia, deixo-vos aqui os eventos mais significativos do próximo fim-de-semana (14, 15 e 16 de julho): Música no Colégio (Ponta Delgada), Festival Walk & Talk (com sede em Ponta Delgada mas com reflexo em vários pontos da ilha de São Miguel), Festival Ilhas de Bruma (Ponta Delgada, Praia do Pópulo), Festa do Baleeiro - São Vicente Ferreira, Feira Quinhentista (Ribeira Grande), Festas do Nordeste e ainda, com a participação de muitos micaelenses, o Santa Maria Blues.
Se se tratassem de iniciativas sem recurso a fundos públicos, não tinha nada a opor. Como não são, a reflexão impõe-se. É tempo de repensar e redefinir os apoios públicos associados à chamada animação turística (e não cultural, convém não confundir uma coisa com a outra).
A excelência e a exuberância ambiental do destino Açores não pode ser fruto do acaso, nem pode ser compaginável com a promoção da mediocridade, nem da falta de articulação programática.
A exiguidade dos recursos (disponíveis) assim o exige.

* Publicado na edição de 10/07/17 do AO
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