segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Oportunidade

Os Açores continuam a bater recordes de passageiros (nos aeroportos), turistas e estadias.

Os investimentos (privados) multiplicam-se e animam a economia, sendo certo que, muitos deles, representam uma fuga em frente, agindo ao sabor do rebanho. Os melhores prevalecerão.

A resposta aos novos desafios não pode significar mais do mesmo, ou a mera replicação de modelos (desajustados) à nossa identidade e geografia. Do mesmo modo, que não é possível responder qualitativamente às exigências do consumidor contemporâneo através das nossas referências pessoais.

Não podemos descurar este ponto. Temos de saber ler o outro, estudar o perfil de quem nos visita e perceber o que procura.

E, sobretudo, não cair na tentação de ficcionar o destino Açores, promovendo uma coisa que ele não é.

Partilho um exemplo, destes dias, para aqui demonstrar o que quero dizer. Um empresário, detentor de um alojamento de turismo rural, foi acometido pelo desabafo de um casal de turistas nórdicos que considerava que a ilha (em que estavam) apresentava uma paisagem muito humanizada, contrária às imagens promocionais a que tinham tido acesso. Procuravam um território menos habitado, e menos construído, para fugir à azáfama de um grande centro. Perante este facto, decorrido numa das maiores ilhas do arquipélago, acabaram por rumar ao grupo central, na esperança de encontrar o arquipélago intocado que lhes tinha sido vendido.

Nada como algo totalmente inesperado para fazer alterar (e reponderar) as nossas convicções (absolutas). Este episódio é apenas mais um, dos muitos que todos temos e partilhamos entre amigos.

A ideia de desenvolvimento que preconizamos será compaginável com o destino turístico que afirmamos ter (e queremos ser)?

Parece-me que o conflito de interesses é, neste capítulo, uma evidência. Ignorá-lo, poderá determinar um conjunto de consequências imprevisíveis no desenvolvimento que preconizamos.

Neste sentido, o investimento reprodutivo deu, hoje, lugar a um novo jargão em torno da ideia de sustentabilidade.

No essencial, e conceptualmente, estamos todos de acordo quanto à necessidade de aplicar nos Açores, um espaço geográfico circunscrito, um conjunto de boas práticas quanto à gestão do território, dos recursos e dos resíduos.

Contudo, a sua aplicação prática revela-se bem mais difícil de operacionalizar, esbarrando num conjunto indeterminado de regulamentação, de inoperância e de falta de liderança (nos projectos).

Apesar da nossa exiguidade territorial (e populacional), a plêiade de entidades que gerem o nosso pacato modo de vida fazem-nos colidir, invariavelmente, com uma muralha burocrática (dita simplificada) em rede.

Agimos digitalmente (ainda) através do ditame do papel timbrado, passando da fotocópia ao PDF. O expediente parece fluir mas o carácter é, extremamente, ilusório.

No devir da hiperbolização mediática, em que o gosto/(des)gosto - e a partilha viral ditam a abertura do noticiário e do telejornal, parece existir menos tempo para a reflexão ponderada e a sensatez dos actos de gestão (e de governação).

Após o tempo eleitoral, parece tudo continuar como dantes. A inconsequência não exige responsabilidade e a impunidade reina ao sabor da indiferença generalizada (com a oportuna ajuda da imprensa apaniguada).

O momento actual representa uma oportunidade para a sustentabilidade (social e económica) dos Açores, um lugar “identitário, relacional e histórico”, não façamos deste local um “não-lugar” (Marc Augé, 2012).

* Publicado na edição de 20/11/17 do Açoriano Oriental
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