Do público ao privado, a nossa acção quotidiana é determinada pela necessidade de partilhar o simulacro de uma existência sofismada.
A polissemia das palavras e das representações em actos oficiais, tornados públicos em conferências de impressa, inaugurações e outras cerimónias afins, alimentam as redações e a timeline contínua, sem que haja um grande embaraço perante o perfil anémico dos conteúdos.
Os Açores não são excepção.
O debate sobre a coisa pública não pode, nem se deve esgotar na esfera política.
Algo que acontece vezes sem conta (e de forma recorrente).
A oposição parlamentar reclama pelo peso do sector público na economia regional, sendo que depois apresentam iniciativas que visam, apenas, o reforço (= aumento dos gastos) dos apoios públicos (que tanto criticam).
Os representantes dos empresários reclamam o mesmo, menos estado, menos governo e, paradoxalmente, mais apoios para o desempenho de uma missão que antes era pública.
Ignoramos que parte significativa da prestação de um serviço público não é compaginável com o determinismo da lógica empresarial ou pela implementação (cega) de um modelo de gestão.
Se assim fosse, já teríamos encerrado uma parte significativa destas ilhas e de uma parte substancial dos serviços públicos associados aos transportes, saúde, educação e cultura.
Ao contrário do populismo vigente, persecutório da coisa pública, os constrangimentos passados (e presentes) impuseram a racionalidade na gestão do sector público.
Os que defendem um estado melhor (= menos), a transparência das contas públicas e o combate à corrupção acabam, inevitavelmente, por defender o seu contrário quando confrontados com a lógica imposta.
Esquizofrenia? Ainda não é uma palavra proibida no léxico político mas é uma das que melhor define o actual estado de coisas.
Na actualidade arquipelágica, ficamos a saber que a “smart citie” é aquela que tem uma aplicação para pagar parquímetros e para seguir o percurso percorrido pelo minibus mas que, simultaneamente, é incapaz de tratar (eficazmente) os seus resíduos urbanos e deter uma estratégia concertada relativamente à fluidez do trânsito automóvel (no centro histórico, e não só).
E que o estatuto dos deputados sofreu uma actualização forçada, mesmo antes de uma revisão no regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na medida em que uma greve de fome passou a ser considerada ‘trabalho político’.
Os dias parecem não convocar à sobriedade.
Mário Vargas Llosa (A Civilização do Espetáculo, Quetzal 2012) reflecte sobre o presente: “Hoje em dia, em todas as sondagens que se fazem sobre a política, uma maioria significativa de cidadãos opina que se trata de uma atividade medíocre e suja, que repele os mais honestos e capazes e recruta sobretudo nulidades e espertalhões que veem nela uma maneira rápida de enriquecer.” E não só.
Independentemente de concordarmos mais ou menos com estas afirmações, as generalizações são perigosas e alguns aspectos menos positivos da vida política têm sido muitas vezes “ampliados de uma maneira exagerada e irresponsável por um jornalismo sensacionalista”.
O bom senso rareia, este é o tempo da “sociedade do espectáculo”.
* Publicado na edição de 26/02/18 do Açoriano Oriental
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