quarta-feira, 24 de abril de 2019

Solidão (e distância)

Esta é uma época em que a razoabilidade passou a ser sinónimo de fraqueza, na qual o tempo convoca ao imediatismo, reproduz antagonismos e cuja vontade não é compaginável com a incerteza.

Para o filósofo Roberto Macini “parece claro que a nossa sociedade é constituída por uma humanidade que não se vê a si mesma, que não tem uma autoconsciência”, passando a agir reactivamente a partir de “solicitações do imediato e movida por paixões como o medo, a angústia, o prazer e a raiva” (José Tolentino de Mendonça, 29/03/19).

Atravessamos um período de profunda mutação (social e económica), no qual as transformações operadas acontecem a uma velocidade muito superior à nossa capacidade de adaptação.

Esta aparente incapacidade atingiu “as estruturas tradicionais como a família, a escola, a comunidade” ou “o sistema de proteção social”, os quais têm sido alvo de um “processo de erosão” e estão, neste momento, mais vulneráveis. A reacção das pessoas não se tem feito esperar e temos assistido, de forma transversal, ao “crescimento de movimentos de impotência, humilhação e raiva” (José Tolentino de Mendonça, 29/03/19).

Perdemos, simplesmente, a confiança nas pessoas, e nas instituições, ou passamos a ter uma visão mais crítica sobre quem conduz o destino das nossas vidas? Ou porque, expectavelmente, nos tornamos mais cínicos e cépticos a partir deste devir individualista (contemporâneo)?

Uma leitura menos informada do círculo noticioso promove um sentimento de descrença e “o enfraquecimento do poder simbólico das instituições” (ou a acelerada capacidade de comunicação) permite que “o medo se difunda instantaneamente e por toda a parte”.

A política de casos tomou conta da agenda, as questões que implicam, verdadeiramente, com o nosso futuro colectivo são, quase sempre, tratadas com menos atenção, na medida em que geram audiências menores (= menos vendas, menos receita).

As eleições europeias estão à porta mas parecem pouco importar, naquelas que são, muito provavelmente, uma das mais importantes das últimas décadas. O desafio do presente (futuro) é demasiado esmagador para ser negligenciado (ou reduzido à visita do candidato que vem aos Açores e cujo partido, aparentemente, o ignora).

Não nos podemos abster de participar nesta discussão: face ao “sonho europeu” que ameaça esboroar-se; à enorme importância para as regiões ultraperiféricas dos fundos estruturais; e o perigo que representa o crescimento dos movimentos populistas (nacionalistas) que apresentam como solução final (para os problemas desta Europa) o expurgo de tudo (e todos) os que não se encaixam na ideologia (e no género).

Se nada for alterado, a clivagem crescente entre europeus (ricos e pobres) irá agudizar-se e tenderá a ser um imperativo, cuja resolução passará, inexoravelmente, por uma melhor redistribuição da riqueza produzida.

O meu apelo vai no sentido de incutirmos a normalização do bom senso (não confundir com senso comum) na gestão da coisa pública (regional, nacional e europeia), abrindo espaço à convergência e à construção de um desígnio comum.

Não nos iludamos na solidão (e distância) da ilha, importa repensarmos o nosso papel no mundo.

* Publicado na edição de 22/04/19 do Açoriano Oriental
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