quinta-feira, 17 de maio de 2018

#aculpaedogoverno

Ano após ano, a tradição renova-se e a imundice marca lugar.

Todos os anos alimento esta crónica com a minha estupefacção perante a maré selvática que atropela o espaço público em dia de festa.

Este ano não foi excepção, ficando a prova que é necessário, por todas as razões e mais algumas, rever a componente profana associada às Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres.

Os Açores são reconhecidos internacionalmente pelas suas práticas ambientais e, de momento, estão a tentar implementar um ambicioso plano associado à sustentabilidade, consubstanciado através de uma candidatura à certificação de destino de turismo sustentável, sendo o primeiro arquipélago do mundo a almejar (de)ter este selo do Conselho Global de Turismo Sustentável (Global Sustainable Tourism Council - GSTC), organismo que integra várias entidades das Nações Unidas.

Como foi possível testemunhar, e vivenciar, este desígnio não é compaginável com a organização do espaço público do local da festa e da zona (da cidade) limítrofe às festividades, no que concerne à limpeza, à disposição dos espaços de restauração, de venda ambulante, de trânsito e de estacionamento.

O município terá consciência que não é possível dar tolerância de ponto a determinados serviços municipais em dias como estes (ou a atribuí-los tem de, forçosamente, garantir alternativas)? Não é possível aumentar e melhor a ordem pública e a salubridade da cidade? Será normal que (tudo) isto aconteça de forma recorrente e negligente?

Quando se concentra um número (inusitado) de vendedores ambulantes é normal que os resíduos, daí resultantes, sejam em grande número, os recipientes já foram menos, agora são mais, mas continuam a ser insuficientes para a procura.

Perante a mundanidade das ocorrências, deixo aqui algumas questões.

A dimensão das evidências será capaz de perturbar a passividade do município?

Caberá à Irmandade do Senhor Santo Cristo dos Milagres a gestão do espaço público ou será responsabilidade do município acautelar e zelar pelo destino a dar à festa, naquela que é a maior expressão religiosa do Arquipélago?

(Ou) será que esse galardão passou a estar consignado às Grandes Festas do Espírito Santo (com autonomia autárquica)?

A insalubridade de Ponta Delgada constituirá o tão propalado “motor de desenvolvimento dos Açores”, naquela que é divulgada como “a porta de entrada do turismo”? E será este o “novo pilar de desenvolvimento do concelho, da ilha de São Miguel e do arquipélago”?

Esta minha preocupação não tem apenas que ver com o crescimento da actividade turística, nem com os peregrinos que nos visitam, é uma preocupação que me assiste, sobretudo, como residente, e habitante desta cidade, numa situação insustentável, aparentemente, insolúvel e incómoda.

A sua resolução deve passar por uma ampla discussão (pública) e de reflexão por quem tem a incumbência de gerir a vida na cidade.

Não vale a pena ignorar o problema, nem culpabilizar a falta de civismo de uns quantos.

Já estivemos mais longe de afirmar que #aculpaedogoverno.

* Publicado na edição de 14/05/18 do Açoriano Oriental
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