terça-feira, 15 de maio de 2018

Autenticidade

Um dos pontos de paragem (obrigatórios) no roteiro turístico (contemporâneo) são os mercados citadinos, local de confluências várias, onde o viajante procura a autenticidade do local, através da participação num ritual realizado pelos residentes e como forma de enriquecer a sua experiência turística.

Para quem viaja regularmente, esta questão não é uma novidade, é apenas a constatação de um fenómeno em expansão.

O turismo democratizou-se e, por essa via, tenderá a massificar-se, quer queiramos, quer não. É algo que não podemos controlar, mesmo que não seja este o propósito com que nos alinhamos à partida.

A abertura do espaço aéreo (europeu) explica, em larga medida, o fenómeno turístico em destinos que nunca tiveram a oportunidade de crescer em número e em resultados.

Os Açores são (apenas) mais um exemplo de regiões, e cidades de pequena e média dimensão, que tiveram, de um dia para o outro, de se adaptar às novas contingências.

Considero que um desafio para viajantes e destinos passa hoje, inexoravelmente, por contrariar, dentro daquilo que é possível, a experiência massificada e indiferenciada, em que acabamos por ver, e degustar, as mesmas coisas, seja em que latitude for, na qual a ‘memorabilia’ acaba por ser idêntica para deixar de ser autêntica.

Pode parecer exagero mas devemos colocar as coisas em perspectiva, colocando de parte o número de camas, os proveitos da hotelaria, o número de passageiros desembarcados (por mar e pelo ar), focando as nossas atenções nos conteúdos (e serviços) que temos para oferecer.

A qualificação da oferta (da experiência turística Açores) não se pode distanciar da realidade e do quotidiano dos residentes, não podemos querer transformar estas ilhas num parque de diversões em formato radical, em que a natureza é servida como uma experiência limite, apenas, pelo facto, da sua mera contemplação ter passado a ser considerada: boring.

Como já aqui escrevi, e como referido numa das muitas palestras a que tenho assistido sobre este tema, uma das nossas vantagens é não ser identificados como um destino turístico, na medida em que em todos os destinos (consolidados) o pacote turístico já está formatado e customizado ao perfil do visitante.

Esta actividade é importante para a consolidação da retoma económica do arquipélago mas não deve ser a única (há que ultrapassar a ideia de ciclos económicos assentes na monocultura), sobretudo devido à fragilidade e riscos que a prossecução deste sector acarreta, em que qualquer oscilação, positiva ou negativa, representa, quase sempre, um impacto significativo para a cadeia de valor.

Voltando ao início deste artigo e aos mercados citadinos, como “espaços âncora” (adjectivação vazia de significado mas utilizada até à exaustão) de visitação, quem visita o Mercado da Graça, em Ponta Delgada, é confrontado com um espaço descaracterizado, sem alma e arquitectonicamente desastroso. Quem ainda se lembra do antigo Mercado?

Não sou saudosista mas urge requalificar aquele espaço dotando-o, e posicionando-o, para o que afirmarmos (de)ter em termos turísticos, na sustentabilidade dos produtos que produzimos e não na importação de frutas e legumes (indistintos e de origens diversas e pouco amigas da ideia daquilo que é sustentável) ao turista que vem à procura de autenticidade e que, muito provavelmente, a tem, em melhor qualidade, no seu destino de origem.

Importa não defraudar as expectativas de quem nos visita, sendo que não há promoção que compense a repercussão negativa de uma má experiência turística.

* Publicado na edição de 16/04/18 do Açoriano Oriental
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