Um conjunto significativo de municípios portugueses - Aveiro, Braga, Caldas da Rainha, Cascais, Coimbra, Évora, Guarda, Faro, Leiria, Oeiras, Viana do Castelo e Viseu - está (manifestamente) empenhado na corrida à organização da Capital Europeia da Cultura (em 2027, daqui a nove anos).
A maior parte destas cidades já consolidou uma equipa para preparar o seu projecto de candidatura, cujo desfecho será conhecido, após um intenso e criterioso processo de avaliação, até 2023.
Para melhor compreendermos as razões deste ímpeto nacional, reproduzo os objectivos específicos desta acção (Decisão nº 445/2014/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014): “Reforçar o alcance, a diversidade e a dimensão europeia da oferta cultural nas cidades, nomeadamente através da cooperação transnacional; Alargar o acesso e a participação na cultura; Reforçar a capacidade do setor cultural e as suas ligações a outros setores; Melhorar o perfil internacional das cidades através da cultura.”
Esta será a quarta vez que Portugal acolhe esta organização, depois de Lisboa (1994), Porto (2001) e Guimarães (2012). Apesar de todos os percalços (lusos) decorridos nas edições passadas, ninguém ignora os benefícios que advieram para a vida destas cidades.
Recupero este tema, na medida em que assisti (maio de 2015), incrédulo, reconheço, ao anúncio de intenção da cidade de Ponta Delgada concorrer a (esta) Capital Europeia da Cultura.
Passados três anos, pouco ou nada se sabe sobre este acto de fé. Desconhecemos a continuidade do processo, se apenas foi uma mera peça burocrática e ficou na gaveta, ou se, inclusivamente, nunca houve vontade, nem intenção em concretizar esta “meta” delineada no Plano Estratégico de Desenvolvimento de Ponta Delgada - 2014/2020.
Em fevereiro de 2016, no resgaste desta cronologia, a autarquia anunciou a instalação da Comissão Municipal de Cultura (chegou a existir?), sendo que convidou para presidir a este órgão o professor Carlos Cordeiro. Infelizmente, já falecido. E, desde esta data, nunca mais se ouviu falar sobre este assunto.
Este anúncio levou a que os agentes culturais da cidade (e da ilha) tivessem ficado expectantes quanto ao desenlace deste desígnio. Perante as evidências, a desacreditação é total.
Não podemos balizar a estratégia cultural para o município (e até para a região) em eventos (leia-se ‘inventos’) temporários. O evento passou a ser a força motriz da programação cultural.
Tudo carece de um carácter festivo para justificar a sua existência. A efemeridade tudo importa. A regularidade e a sedimentação de hábitos (de público e de acessibilidade) dá mais trabalho e tem menos visibilidade, se comparada com a profusão de partilhas, likes e notícias avulso.
Andamos inebriados com a possibilidade de algo acontecer mesmo que não saibamos, em concreto, ao que vamos.
A decisão da autarquia de Ponta Delgada em consubstanciar este objectivo foi realista, teremos capacidade de realização (e conteúdo artístico) para dar corpo e dimensão a um projeto com esta exigência?
Existiu ponderação ou até mesmo uma auscultação às restantes entidades públicas e regionais antes de sublinhar este “enorme esforço coletivo”?
Importa melhor conhecer o território onde habitamos para depois almejarmos ser mais do que aquilo que somos.
O tempo encarregou-se de nos dar a resposta.
* Publicado na edição de 19/11/18 do Açoriano Oriental
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