quarta-feira, 31 de maio de 2017

Barracada

Ponta Delgada é palco para a maior festa religiosa dos Açores: o Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Esta imensa manifestação de religiosidade popular renova-se a cada ano que passa, protagonizada por milhares de fiéis e peregrinos que se deslocam ao Convento da Esperança, junto ao Campo de São Francisco.
A sua popularidade está mais enraizada entre nós, e na comunidade açoriana emigrada, mas congrega cada vez mais devotos que, por agora, se desloca em maior número ao arquipélago.
A taxa de ocupação das unidades hoteleiras é sempre elevada durante os dias da festa e, este ano, terá ficado próximo dos 100%. A somar a este valor, temos de contabilizar toda a nova oferta associada ao Alojamento Local (AL), cuja repercussão vai muito para além dos números oficiais.
A romaria a Ponta Delgada é intensa e não está circunscrita ao lado poente da cidade. A sua realização afecta toda a dinâmica da população que aqui habita e trabalha, nomeadamente, na gestão do trânsito e na salubridade do espaço público.
Contudo, este não parece ser o entendimento de quem gere os destinos do município. Esta não é uma situação nova, repete-se ano após ano, pelo que importa repensar, de forma responsável, toda a componente profana associada a esta grande festa.
O aparente desleixo na gestão do espaço público, de uma cidade como Ponta Delgada, não é compaginável com a imagem de sustentabilidade ambiental e de respeito pelo património que apregoamos (de)ter.
Perante alguns comportamentos e cenários menos aprazíveis, fingimos que não é nada connosco. Mas é. Basta ouvir os comentários e o olhar incrédulo de quem nos visita. Será esta a “diferenciação” de que se fala?
Vamos a exemplos. Não existe nenhum plano que regule o enorme fluxo de veículos ao centro histórico, com todos os constrangimentos que daí advêm: em que a falta de estacionamento alternativo conduz, inevitavelmente, ao parqueamento selvagem, sem respeito por quem tem problemas de mobilidade ou tenha um carrinho de bebé; a informação das alterações do trânsito automóvel não pode estar circunscrita a um edital (publicado numa página interior de um jornal que ninguém tem acesso), tem de existir uma acção pró-activa e pedagógica; e falta uma correcta sinalização e acompanhamento permanente na gestão do trânsito.
O caos parece ser o denominador comum. A proliferação de lixo e a localização/organização da zona de restauração continuam a ser as chagas desta festa.
Se queremos turismo de qualidade, temos de inovar (e renovar) um conjunto de conceitos, transformando as chamadas “barraquinhas” num festival gastronómico, por exemplo, organizado num espaço condigno.
Absolutamente tenebroso, é o espaço onde estão localizadas as actividades lúdicas, local para onde confluem, sobretudo, famílias.
A somar a tudo isto temos os inefáveis sanitários, em maior número, é certo, mas colocados, indiscriminadamente, em plena via pública, uns, inclusive, em frente ao forte de São Brás. Indescritível.
Nunca compreendi a razão pela qual não foram previstas infraestruturas de apoio, a esta grande festa e ao acolhimento de peregrinos, a quando das obras de requalificação do Campo de São Francisco. Uma situação que podia (e devia) ser solucionada em definitivo.
A somar a tudo isto temos, ainda, o triste espectáculo da venda ambulante no passeio da avenida marginal e das festas autorizadas, em pleno centro da cidade, até às seis da manhã.
Tenho consciência das dificuldades inerentes à articulação das várias entidades envolvidas na organização das festas do Senhor Santo Cristo. Mas a responsabilidade maior, desta tarefa, cabe ao município. Aqui não vale encolher os ombros, apontar o dedo à falta de civismo da população ou, simplesmente, “play dead”. Isto será sempre o mais fácil.
Por estes dias, o cosmopolitismo do município de Ponta Delgada rima com Barracada.

* Publicado na edição de 29/05/17 do AO
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terça-feira, 9 de maio de 2017

Na periferia (da Periférica)

Participei na Periférica, um seminário promovido pelo Walk & Talk, enquadrado no Programa de Conhecimento do Festival, que visou discutir a “Programação Cultural” o seu “âmbito, escala e relevância”.
Esta iniciativa antecede a realização do festival (que se realiza no mês de Julho) e é uma chamada de atenção para a necessidade, premente, entre nós, de uma reflexão crítica em torno da criação artística contemporânea.
O seminário contou com a participação de oradores locais, nacionais e internacionais, cada qual com uma perspectiva pessoal mas com muitos pontos em comum, demasiados até, quando se olha para as geografias envolvidas.
Parece-me relevante que o Walk & Talk procure marcar uma presença no calendário para além do tempo de realização do Festival, propriamente dito, e desta forma, procure disseminar a discussão, a reflexão com quem aqui trabalha todo o ano, através do paralelo com exemplos de latitudes distantes da nossa, cuja proximidade encontramos nos objectivos e na missão em que procuram trabalhar.
A partilha de experiências e de conhecimento são importantes para o desenvolvimento de novas competências e serve como elemento comparativo, numa análise crítica ao trabalho de cada um. Muitas vezes serve apenas para comprovar que as práticas vigentes são semelhantes em quase todos os locais, alterando-se, como é óbvio, mediante questões de “âmbito, escala e relevância”.
Este exemplo evidencia, a par de outras iniciativas que se têm desenvolvido no nosso meio cultural, a importância de não perdermos o contacto com a realidade que nos rodeia, sendo que é para ela que, numa primeira instância, o nosso trabalho se confronta, para depois ganhar outra relevância quando confrontada, num plano posterior, noutro âmbito.
Para que tal aconteça, importa, acima de tudo, ter presente e conhecer, com rigor, as condições de trabalho dos artistas/criadores regionais a uma escala que é nossa.
Considero erróneo, e desajustado, fixar pontos de comparação com realidades que distam, em quase tudo, da nossa. Não quero dizer que não devamos olhar para os bons exemplos que daí advêm. Aliás, o que me parece fundamental, é saber aplicar, à escada e ao contexto da(s) ilha(s), modelos de criação, fruição e de gestão que sirvam de referência ao desenvolvimento do tecido criativo regional.
Neste sentido, é importante investir em iniciativas que façam a ponte entre quem aqui trabalha e que, no âmbito de uma residência artística, um workshop, uma formação técnica, ou simples conferência, partilhe conhecimento com quem está mais longe dos centros, onde este tipo de experiências é mais regular, está disseminada de forma mais abrangente, e não se encontra reduzido a uma cadência pontual e para um público circunscrito, como é o nosso caso.
Deste modo, é necessário amplificar os círculos, deste conhecimento, a um público cada vez mais alargado, e não apenas afunilar este capital para um público que já o detém. Não pretendo excluir ninguém, parece-me importante, no que à relevância diz respeito, que consigamos contaminar, pela acção cultural que desenvolvemos, um cada vez maior número de participantes, em particular, aqueles que ainda não são consumidores regulares de produtos culturais.
Para tal, importa apostar num trabalho de mediação de públicos, trabalhando em estreita parceria com as escolas e outras entidades formativas, na medida em que “uma comunidade emancipada é uma comunidade de contadores e tradutores” (Jacques Rancière, 2010).
A periferia que aqui se vive é tanto geográfica, como cultural. Iniciativas como esta visam tornar este caminho mais acessível, sendo que ele não óbvio para uma imensa maioria.
No final, a programação cultural tem de encontrar a escala adequada sem dispensar de “sentir o espírito do tempo” (António Pinto Ribeiro, 2009), sem pretender ser aquilo que não é (ou o que somos) mas apontando, sempre, pistas de futuro (progresso).
A Periferia está, na maioria dos casos, no meio de nós.

* Publicado na edição de 08/05/17 do AO
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segunda-feira, 1 de maio de 2017

Álvaro Dâmaso já não é candidato à Câmara de Ponta Delgada

Álvaro Dâmaso era o candidato (independente) do PSD à CMPDL? Ou o líder do PSD passou a ser o porta-voz de uma candidatura que não passou de um anúncio?