segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Ponta Delgada Capital Europeia da Cultura 20!!

Um conjunto significativo de municípios portugueses - Aveiro, Braga, Caldas da Rainha, Cascais, Coimbra, Évora, Guarda, Faro, Leiria, Oeiras, Viana do Castelo e Viseu - está (manifestamente) empenhado na corrida à organização da Capital Europeia da Cultura (em 2027, daqui a nove anos).

A maior parte destas cidades já consolidou uma equipa para preparar o seu projecto de candidatura, cujo desfecho será conhecido, após um intenso e criterioso processo de avaliação, até 2023.

Para melhor compreendermos as razões deste ímpeto nacional, reproduzo os objectivos específicos desta acção (Decisão nº 445/2014/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014): “Reforçar o alcance, a diversidade e a dimensão europeia da oferta cultural nas cidades, nomeadamente através da cooperação transnacional; Alargar o acesso e a participação na cultura; Reforçar a capacidade do setor cultural e as suas ligações a outros setores; Melhorar o perfil internacional das cidades através da cultura.”

Esta será a quarta vez que Portugal acolhe esta organização, depois de Lisboa (1994), Porto (2001) e Guimarães (2012). Apesar de todos os percalços (lusos) decorridos nas edições passadas, ninguém ignora os benefícios que advieram para a vida destas cidades.

Recupero este tema, na medida em que assisti (maio de 2015), incrédulo, reconheço, ao anúncio de intenção da cidade de Ponta Delgada concorrer a (esta) Capital Europeia da Cultura.

Passados três anos, pouco ou nada se sabe sobre este acto de fé. Desconhecemos a continuidade do processo, se apenas foi uma mera peça burocrática e ficou na gaveta, ou se, inclusivamente, nunca houve vontade, nem intenção em concretizar esta “meta” delineada no Plano Estratégico de Desenvolvimento de Ponta Delgada - 2014/2020.

Em fevereiro de 2016, no resgaste desta cronologia, a autarquia anunciou a instalação da Comissão Municipal de Cultura (chegou a existir?), sendo que convidou para presidir a este órgão o professor Carlos Cordeiro. Infelizmente, já falecido. E, desde esta data, nunca mais se ouviu falar sobre este assunto.

Este anúncio levou a que os agentes culturais da cidade (e da ilha) tivessem ficado expectantes quanto ao desenlace deste desígnio. Perante as evidências, a desacreditação é total.

Não podemos balizar a estratégia cultural para o município (e até para a região) em eventos (leia-se ‘inventos’) temporários. O evento passou a ser a força motriz da programação cultural.

Tudo carece de um carácter festivo para justificar a sua existência. A efemeridade tudo importa. A regularidade e a sedimentação de hábitos (de público e de acessibilidade) dá mais trabalho e tem menos visibilidade, se comparada com a profusão de partilhas, likes e notícias avulso.

Andamos inebriados com a possibilidade de algo acontecer mesmo que não saibamos, em concreto, ao que vamos.

A decisão da autarquia de Ponta Delgada em consubstanciar este objectivo foi realista, teremos capacidade de realização (e conteúdo artístico) para dar corpo e dimensão a um projeto com esta exigência?

Existiu ponderação ou até mesmo uma auscultação às restantes entidades públicas e regionais antes de sublinhar este “enorme esforço coletivo”?

Importa melhor conhecer o território onde habitamos para depois almejarmos ser mais do que aquilo que somos.

O tempo encarregou-se de nos dar a resposta.

* Publicado na edição de 19/11/18 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Energia (uma mudança de paradigma)

As alterações climáticas estão no topo da agenda, não apenas pelo número crescente de fenómenos climáticos extremos mas, também, por aqueles que negam a existência do problema.

O modelo de desenvolvimento contemporâneo, assente no crescimento infinito da produção industrial e do consumo, é, como sabemos, insustentável.

O planeta já não produz, nem tem os recursos naturais disponíveis, para garantir as condições básicas para um conjunto significativo da população mundial.

Assistimos a uma clivagem cada vez maior entre ricos e pobres, com um aumento vertiginoso das tensões sociais, cujas repercussões têm, em muitos casos, um desfecho previsível (e violento).

Nos Açores, ano após ano, os efeitos das alterações climáticas fazem-se sentir com mais intensidade. Nesta medida, necessitamos aperfeiçoar o consumo e a produção da energia, reduzindo, substancialmente, a nossa dependência energética com o exterior.

Este é um dado incontornável, e deve ser assumido de forma transversal, consubstanciando a estratégia elencada pelo arquipélago, conducente à sua sustentabilidade ambiental e ao inerente equilíbrio com a actividade económica.

Seguindo este princípio, foi apresentado um documento com vista à discussão pública da Estratégia Açoriana para a Energia 2030.

Este documento reflecte um quadro conceptual, no qual a energia apresenta-se “como vetor essencial do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores e como fator de inovação social.”

Os sobrecustos energéticos numa região arquipelágica, como a nossa, são significativos, consumindo recursos (fundamentais) que podiam ser canalizados para outros sectores.

O caminho para a “descarbonização da economia” passará, forçosamente, por uma crescente racionalização, pela redução e eficiência do consumo, alicerçada nos recursos energéticos naturais (sol, vento, água e geotermia).

De igual modo, pretende-se que esta transição para a economia de baixo carbono possa constituir “uma oportunidade para o crescimento económico”, nomeadamente, pelo surgimento de novas empresas “na área das chamadas tecnologias limpas.”

No entanto, e por estes dias, o parlamento regional discute uma petição sobre a carga fiscal e a formulação do valor máximo de venda ao público do preço dos combustíveis nos Açores.

O que é curioso é que não se questione como é isto possível, de que modo é que o preço dos combustíveis no arquipélago é o mais baixo do país?

Este valor é mais baixo porque alguém, naturalmente, paga o diferencial, sendo que o preço não difere de ilha para ilha. No garante da coesão e da solidariedade regional, e para ninguém seja prejudicado face ao local onde habita, o preço praticado é idêntico para as nove ilhas. Uma posição inquestionável, parece-me.

Contudo, mais do que baixar o preço dos combustíveis devemos caminhar no sentido de reduzir o seu consumo e efectuarmos, na medida das nossas possibilidades, uma mudança de paradigma rumo à nossa autonomia energética. É isto que este documento, agora apresentado, pretende alcançar.

A título de exemplo, deixo-vos aqui esta questão: sabem quanto custa (fazer chegar) uma botija de gás ao Corvo?

Mais do que fazer (e saber) as contas, importa traçar uma linha de futuro e ter consciência de que temos, todos, neste processo, um papel a desempenhar.

* Publicado na edição de 05/11/18 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Essencial/Acessório

Os açorianos têm um enorme orgulho na sua terra e no que é ‘nosso’ mas à primeira oportunidade são exímios (e implacáveis) em denegrir os seus conterrâneos (e o Destino).

O ressentimento é uma imagem de marca dos meios pequenos, nos quais as quezílias são motivo para alimentar a discórdia, a inveja e o(s) ódio(s).

Por estes dias, o populismo grassa. O diz que disse, as meias verdades e os comentários numa ‘timeline’ feita de oportunismos, passaram a ser a notícia do dia seguinte.

A distância que (supostamente) nos deve unir passou a ser o (principal) motivo para o (res)surgimento de uma proliferação de reivindicações, algumas a despropósito, outras porque sim, com intuído de alimentar a agenda politizada e a avidez noticiosa, feita de imediatismo, falta de rigor e, não raras vezes, ética.

Esta frase parece, e é, um cliché mas não me canso de a dizer: o mundo mudou (radicalmente) e não será pelo facto de estarmos distantes, de quase tudo, que acontecimentos longínquos não terão um (forte) impacto local.

Importa reter esta ideia. Isto porque, em múltiplas circunstâncias, ao acompanhar o posicionamento de determinados decisores e líderes de opinião, fico com a impressão que permanecem presos a uma região assente em pressupostos desenquadrados, num tempo marcado por uma economia transnacional, existindo, inevitavelmente, um desfasamento no entendimento entre o que realmente se passa e aquilo que ambicionam para o arquipélago.

Não podemos ignorar que uma parte significativa das decisões que implicam (directamente) com a nossa vida em comunidade são tomadas noutros centros de decisão (que não na Horta ou em Lisboa).

Os Açores constituem hoje, como um ontem, um mar de oportunidades. Mas não podemos ficar sentados à espera que algo aconteça ou que o governo assuma (por inteiro) a liderança da iniciativa.

Temos de congregar um conjunto de vontades no devir do investimento colectivo. Para tal, é imperioso sair da nossa bolha (outro cliché, eu sei).

Neste estado de aparente esquizofrenia, no qual, por um lado, o governo é acusado de (ter) um peso muito grande na economia regional, por outro, quando anuncia a redução da sua participação no sector público empresarial, surgem vozes a (re)clamar a necessidade de continuidade dessa presença.

A mesma participação pública que antes era acusada de ser omnipresente, incompetente e despesista, passa, a posteriori, a fundamental e necessária.

Neste ponto, gostaria de frisar que existem decisões (nas empresas públicas) que não são compagináveis com o racional económico. Tal não significa que estas não devam (nem possam) ser bem geridas. A prossecução de algumas acções implica (tão somente) a solidariedade insular que consubstancia o cerne daquilo que define a (nossa) Autonomia.

Posições como as que, esta semana, se fizeram ouvir, nomeadamente, sobre o facto de associarmos a SATA à promoção dos Açores, em que tal poderá “prejudicar o turismo na Região”, são, na sua essência, lamentáveis e um bom (mau) exemplo do quão disfuncional, e paradoxal, significa governar um arquipélago como este.

Isto na (exacta) medida em que, para além dos naturais desafios que se nos colocam, há que (sempre) contar com inúmeras entropias e interesses particulares que, em muitos casos, se sobrepõem ao bem comum.

Daí que, e acima do ruído (das redes), convém destrinçar (no defesa do interesse público) aquilo que é essencial do que é acessório.

* Publicado na edição de 22/10/18 do Açoriano Oriental
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