quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Como pode e deve o dinheiro que Portugal vai receber da União Europeia ser aplicado?





















Os fundos europeus ao dispor de Portugal para a década 2020/2030, e para os Açores, em particular, assumem, neste período, um carácter vital e uma urgência (acrescida), por forma a enfrentar a imperiosa recuperação económica gerada pela crise pandémica.

A economia global implica uma competição de igual para igual, não vamos lá com lamento (e idiossincrasia) mas com conhecimento, pelo que urge incrementar o investimento na melhoria do acesso, qualidade e modernização da educação (e formação profissional).

A cultura (em estreita articulação com a educação) deve substituir o hardware pelo software através de um processo de mediação para o conhecimento e fruição artística, com o intuito de gerar uma cidadania mais esclarecida, mais crítica e, nesta medida, mais participativa (democraticamente).

A Universidade dos Açores assume, neste propósito, um papel determinante. Contudo, tem de (saber) sair dos muros da academia para participar (activamente) no desenvolvimento da sua região, em áreas onde se pode distinguir (positivamente) das suas congéneres, principalmente, pela situação (privilegiada) que ocupa na economia do mar, ambiente e alterações climáticas.

Apesar de estarmos no centro de tudo (e em simultâneo, no meio de nada), devemos capitalizar os benefícios ambientais endógenos para afirmar os Açores como um exemplo (global) de boas práticas na gestão do território e da sustentabilidade energética.

A pegada ecológica dos produtos que produzimos (agrícolas e industriais) terá um peso cada vez maior na consciência social dos consumidores, pelo que urge alterar práticas, transformando o quantitativo em qualitativo (através da atribuição de uma personalidade exclusiva à nossa produção de pequena escala).

Os transportes (passageiros e mercadorias) são vitais para a nossa economia mas devemos pugnar por inverter a nossa balança comercial, exportando saber (ciência, digital e intelectual) e produtos de valor acrescentado (raros e exóticos).

É fundamental agregar investidores e marcas compagináveis com o destino turístico que afirmamos ser, nunca através de parcerias de baixo custo que nos vendem como um produto indiferenciado.

Esta é uma oportunidade que implica o futuro de várias gerações, pelo que será fundamental, a bem de todos, responsabilidade (e critério) no uso deste dinheiro.

* Publicado na edição de 17/08/20 do Açoriano Oriental

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A natureza (desigual) do que está em jogo

Num tempo em que se confunde Cultura com animação turística à sombra de um drink, retomamos as nossas rotinas sob a égide da normalidade (possível), onde todos os cuidados são poucos na prevenção contra a disseminação da pandemia.

Para determinadas pessoas, o desconfinamento significa(rá) que tudo está bem (e o pior já passou), existindo, acredito, um excesso de confiança pelos resultados obtidos na contenção dos números do vírus. O controle de passageiros à chegada (aos Açores) faz com que (felizmente) não existam muitos casos novos, a vida social é realizada, na maior parte das vezes, ao ar livre na esperança (cega neste mito urbano) que o calor neutralize o vírus ou, como já ouvimos, que “isso não pega em gente nova” (RTP-Açores, 25/07/20).

O sector do turismo será aquele que (por estes dias) acusa com mais intensidade o decréscimo abrupto da actividade, depois de anos a subir a dois dígitos. Era expectável um abrandamento e a estabilização do crescimento. Mas nada, nem ninguém previu um evento desta magnitude.

De forma paradoxal, substituímos a discussão sobre a pressão da amálgama de turistas, pela urgência do seu regresso, principalmente por parte de quem deles vive. Perante o carácter extraordinário deste abalo económico, nesta e outras áreas complementares, não existirá outra solução que não o apoio estatal (e regional) para esta suspensão temporária de muitas empresas que não conseguem trabalhar (ou cuja viabilidade não é possível com o actual volume de negócios).

A pandemia chegou sem aviso prévio, pelo que não é plausível conceber uma reabertura nos moldes em que ela existia, com a agravante desta crise ser global, ao contrário da que a antecedeu, e com repercussões gravosas, sociais e económicas, nos principais mercados emissores.

Este tempo tem vindo a agudizar as desigualdades pré-existentes (à Covid-19), revelando a sintomatologia autocentrada de uma sociedade que vive (apenas) para si própria, a qual tem sido incapaz de enfrentar “sem desespero” o futuro, em particular, quando este se apresenta “ameaçador e incerto” (Gilles Lipovetsky, A Era do Vazio).

A tendência crescente de comunicarmos (online) com quem partilha das mesmas opiniões (e com direito a filtro do algoritmo) tem degradado “aspectos fulcrais do ecossistema relacional e social como a tolerância, a abertura, a reciprocidade, a paciência-espera, a deferência e responsabilidade, sem os quais não pode haver verdadeira empatia, democracia e humanidade” (Paulo Pires, 21/7/20).

A humanização dos nossos actos e de quem (supostamente) administra a justiça em nome do povo, não me parece compaginável com a extrapolação (anacrónica) de uma situação extraordinária resultante de uma ocorrência circunstancial (e de absoluto gozo egoísta).

Tal como referiu, e bem, Paulo Simões no seu último editorial (Açoriano Oriental, 02/08/20): “Afirmar que o uso obrigatório de máscaras ou que o isolamento profilático são medidas castradoras das liberdades individuais é ofender a memória de todos os que efetivamente se viram privados dos seus direitos, liberdade e garantias nos tempos da ditadura! É ofender todos os que ainda hoje vivem sob o jugo de regimes autoritários ou ditatoriais, onde, aí sim, é preciso pedir licença para respirar. A lei é para ser cumprida, mas a Lei é “um ser vivo” que cresce, evolui, adapta-se. Esgrimir o argumentário legal para justificar o incumprimento de normas cujo objetivo único é a proteção de todos é não querer compreender a natureza do que está em jogo.

O que é estranho, é que a compreensão de tudo isto seja, aparentemente, estranha para quem tem o dever de o superintender.

* Publicado na edição de 07/08/20 do Açoriano Oriental
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