sexta-feira, 26 de abril de 2024

Explosão


O 25 de Abril representa uma abertura de Portugal (ao Mundo) em todas as suas dimensões. A(s) Arte(s) não foram (nem são uma) excepção. 

A importância da Revolução dos Cravos nas Artes e na Cultura é profunda e multifacetada, reflectindo-se em diversas manifestações artísticas e expressões culturais ao longo das décadas seguintes. 

A queda do regime ditatorial abriu caminho para uma renovação cultural sem precedentes. Artistas, escritores, músicos e cineastas passaram a ter liberdade para explorar temas proibidos, que subsistiam na clandestinidade, ou no exílio. 

A transição para a democracia culminou em novas possibilidades e desafios para os artistas, que passaram a explorar uma ampla plêiade de questões sociais, políticas e culturais nas suas obras (em particular no período revolucionário), constituindo-se naquilo a que José Pacheco Pereira definiu como “uma verdadeira explosão da arte gráfica.” 

Na euforia experienciada na primeira pessoa, emergiram artistas como Cruzeiro Seixas, João Cutileiro, José de Guimarães, Júlio Pomar, Mário Cesariny, Nikias Skapinakis, Paula Rego ou Vieira da Silva, assumindo um papel de intervenção, na medida em que o “ambiente revolucionário fomentou a renovação da participação cultural, num encontro fusional entre os artistas e o povo, a arte não só saiu à rua como se lhe colou às paredes” (Maria Isabel Roque). 

A Revolução de Abril simboliza não apenas a transformação do sistema político, significa a capacitação das Artes e da Cultura em Portugal, permitindo a emergência de uma expressão artística mais livre, plural e engajada com a história do país. 

Parafraseando o escritor Mário Dionísio, numa interpretação que pode e deve ser levada à letra: “sem cultura não pode haver liberdade, mas só um perigoso simulacro”. 

Alexandre Pascoal, Santa Cruz, Lagoa, Abril 2024 *

* Intervenção comunitária "Os Cravos saem à Rua" promovida pela Câmara Municipal da Lagoa (presente na Praça Nossa Senhora do Rosário)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Múltiplas existências

Em 2026, Ponta Delgada será palco da iniciativa CapitalPortuguesa da Cultura. Katia Guerreiro foi, esta semana, designada como comissária para liderar, entre nós, este projecto, o qual pretende afirmar-se “como um polo de atração cultural no país e no mundo”.

Neste sentido, é expectável que seja materializada a Estratégia Cultural de Ponta Delgada 2030, aprovada em dezembro de 2021, com o intuito de responder ao “diagnóstico do ecossistema cultural e criativo local”.

Na leitura das declarações (públicas) que secundaram este anúncio, parece persistir um equívoco (por parte dos decisores políticos) em torno dos objectivos e da oportunidade que esta iniciativa constitui.

Parafraseando Jesse James, a propósito do lançamento de um catálogo que celebra os 12 anos do Walk&Talk, é necessário contrariar o “desconhecimento do que é e de como funciona o setor (cultural e artístico),nas suas múltiplas existências” (Observador).

A Capital Portuguesa da Cultura não pode, nem deve ser encarada como um evento pontual, o que está (também) em causa não é (apenas) o programa mas, sim, o diálogo com toda a comunidade artística (que luta pela sua sobrevivência) e o caminho da sua consolidação (no pós-2026). 

[+] publicado na edição de 19 Abril 2024 do Açoriano Oriental

segunda-feira, 8 de abril de 2024

SMO

Por estes dias (difusos) a discussão em torno do Serviço Militar Obrigatório (suspenso há 20 anos) voltou sub-repticiamente (ou daí talvez não) à agenda mediática.

Assumir que a falta de efectivos das Forças Armadas Portuguesas se resolve com a reintrodução do SMO ou que este serve de correctivo a sectores da sociedade com comportamentos desviantes é, simplesmente, um erro e um retrocesso.

Utilizar este argumento como arremesso preventivo para a inevitabilidade de uma guerra no teatro europeu é, ainda, mais perigoso.

Não comungo de um regresso ao SMO mas não ignoro a importância da necessidade de investir, modernizar e reorganizar o exército português, sem o peso da guerra colonial, mais pequeno, mais ágil, profissional e bem equipado.

A sua missão será sempre de defesa da soberania nacional, cumprindo escrupulosamente com os nossos compromissos e alianças internacionais, mas devíamos, sobretudo, caminhar para uma vocação especializada na relação com (tant)o Mar, através de uma eficaz fiscalização e vigilância da zona económica exclusiva (e que no caso dos Açores é imperativo).

O futuro não se cumpre com soluções passadas.

[+] publicado na edição de 05 Abril 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 22 de março de 2024

Cheque-Livro

Os resultados de um inquérito sobre a avaliação da qualidade de vida dos portugueses, promovido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no período pós-Covid, revelaram que 58,1% dos inquiridos referiram não ter lido um livro nos últimos 12 meses, a maior parte dos quais (65,7%) por falta de interesse.

Arrisco-me a dizer que nos Açores os resultados não serão melhores, podemos até ser um “arquipélago de escritores”, edições não faltam, efectivamente, receio é que leitores, nem tanto.

As poucas livrarias que resistem, lutam pela sua sobrevivência. Para alterar este estado de coisas, importa pôr a funcionar um Plano Regional de Leitura que consiga sair do papel para a rua.

Como forma de afirmar a importância do livro, da leitura e combater a iliteracia, foi (ontem) publicada uma portaria assinada pelo Ministro da Cultura que define o regime legal para o Cheque-Livro, no valor de 20 euros para quem fez 18 anos em 2005/2006, abrangendo cerca de 200.000 jovens (em todo o país) com um investimento global de 4.4ME.

Esta é uma medida simbólica que visa, a par de outras, fazer da Cultura, parafraseando Pedro Adão e Silva, o “elevador social” deste novo século.

[+] publicado na edição de 22 março 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 8 de março de 2024

É fazer as contas

A terminar a campanha eleitoral para as legislativas, o tempo de antena da Cultura foi reduzido a uma pequena nota de rodapé, na qual, todos os partidos, quase sem excepção, garantiram aumentos (uns mais generosos do que outros) para o futuro orçamento do sector artístico e cultural. Nada de novo aqui, vamos a factos.

O caminho percorrido nestes anos de governação (do partido socialista) demonstrou quem passa das palavras aos actos, no qual foi interrompido um ciclo de irrelevância, materializado por um aumento real do orçamento (+174%) passando, em 2015, dos 189 para os 518 milhões de euros em 2024 (sem contabilizar a RTP).

As estruturas sediadas no arquipélago passaram a ter (desde 2018) acesso aos apoios nacionais promovidos pela Direção-Geral das Artes, a variação do investimento público nacional (na região) nos ciclos de apoio sustentado, entre 2018/2021 e 2023/2026, foi de 505% (€500.000 para 3.1 milhões de euros, e a soma total de todos os apoios tutelados pelo Governo da República ascendeu aos 5ME).

Nos Açores, este incremento é um exemplo incontornável e tem sido crucial para a visibilidade, profissionalização e desenvolvimento do território (e de quem nele trabalha).

É (só) fazer as contas!

[+] publicado na edição de 08 março 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Leituras destes dias

O mundo tal como o conhecíamos escapasse-nos entre os dedos, a mudança faz-se a todos os níveis. Tal como refere Miguel Esteves Cardoso, numa das suas crónicas diárias, algumas destas paisagens (sociais, políticas e culturais) “ainda não sabem que estão a morrer” mas esta inevitabilidade já faz parte do seu quotidiano, na medida em que “todas as mortes são anunciadas” mas “nós é que não sabemos ler os anúncios.”

Por estes dias, o diálogo (político) parece acontecer de forma unilateral, num exercício de forma em que o debate não mais é do que “uma batalha verbal” (Mariano Sigman) perene de (pre)conceitos, mentira(s) e pouca noção do real.

Nesta era da exacerbação niilista (de egos e de extremos), as redes sociais representam um papel primordial, porquanto enfurecem e inflamam as pessoas, fazendo com que sejamos “cada vez menos capazes de nos ouvirmos uns aos outros” (Michael Sandel).

A somar a tudo isto há quem intente “passar a mentira por verdade ou difame a verdade como mentira” (Byung-Chul Han).

Estes serão, muito provavelmente, alguns dos problemas mais urgentes com que a democracia está confrontada. Eles andam por aí…e alguns por aqui.

[+] publicado na edição de 23 fevereiro 2024 do Açoriano Oriental

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Ambivalentes

O ruído noticioso (e falacioso) contamina tudo e todos, com particular disseminação nas redes sociais, conduzindo a uma maior polarização da sociedade, a um sentimento de desesperança e ao descontentamento generalizado. Território fértil para os populistas.  

A integridade e a ética não podem ser úteis apenas quando nos são favoráveis. Parte do descrédito associado aos políticos (da actualidade) deriva das suas posições ambivalentes.

As investigações criminais insulares (recentes) são, a este respeito, um bom exemplo de como o entendimento partidário acaba por exigir uma coisa em território continental e defender o inverso quando se trata de um membro da nossa família política.

Ao contrário dos que defendem (irresponsavelmente) a generalização da corrupção (que mais não é um reflexo do que somos como sociedade), há que aplaudir as investigações judiciais e o maior escrutínio da gestão da coisa pública.

Existirá, igualmente, quem considere que o ministério público não respeita o calendário político. Em que medida será ele, alguma vez que seja, oportuno? E, neste âmbito, qual a leitura (política) às recomendações do Tribunal de Contas no rescaldo eleitoral (nos Açores)?

[+] publicado na edição de 9 fevereiro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Responsabilidade

Estes três anos de (des)governo da coligação de direita (de)mostraram a falta de competência de quem tem dirigido os destinos dos Açores.

A comprová-lo estão os números e indicadores de inúmeros organismos insuspeitos, os alertas de académicos, empresas e instituições, mas sobretudo a realidade com que somos confrontados quotidianamente nas ruas das nossas vilas e cidades.

A 10 dias das eleições não se conhece o programa eleitoral da coligação. Nas palavras do filósofo José Gil, a escrita é um “instrumento essencial de poder” e esta será, apenas, mais uma prova da normalização do desrespeito pelo acto eleitoral, pelas instituições e, em última instância, pelos eleitores.

Nesta campanha eleitoral há quem evite o debate de ideias (se as detivermos, evidentemente), apenas releve o ruído, as meias-verdades e o incitamento ao ódio (pelos mais frágeis).

Vasco Cordeiro é a única personalidade com a capacidade de liderar o futuro com responsabilidade, sem ingerências e um discurso titubeante, assumindo (frontalmente) compromissos concretos para o desenvolvimento dos Açores. O Presidente de Confiança!

[+] publicado na edição de 26 janeiro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Verdade










Nos últimos 15 anos estas ilhas foram dotadas de espaços de fruição propícios ao melhor desenvolvimento da produção e da criação cultural.

Acredito que o futuro passa, inexoravelmente, pela criação de um percurso profissionalizante para as instituições (e criadores regionais) e por garantir a circulação, dentro e fora de portas, da Cultura que aqui se faz. Fazer crescer cultural e socialmente uma comunidade requer investimento e continuidade num trabalho em parceria, na partilha e na prossecução de objectivos comuns.

No encontro promovido, esta semana, pelo Partido Socialista, com um grupo de agentes e artistas açorianos, ficou evidente o compromisso de Vasco Cordeiro, no estabelecimento de uma relação de confiança e que fale verdade com e para o sector cultural e criativo.

Nas palavras de Nicholas Serota (ex-director da TATE e presidente do Arts Council England), “o Estado tem a responsabilidade de investir no futuro, o que quer dizer gastar dinheiro no presente.”

Os desafios são mais que muitos. É essencial pensar a cultura como desenvolvimento estratégico, um investimento e não como um gasto supérfluo.

 [+] publicado na edição de 12 janeiro 2024 do Açoriano Oriental