sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Ignorada

O Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas - uma das mais importantes instituições culturais dos Açores - está a ser o palco dos debates na RTP-Açores para as eleições regionais de 25 de outubro, com a presença dos cabeças de lista e de representantes dos partidos que concorrem à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. 

O espaço é de Cultura, mas a sua presença é evidentemente ignorada pela maioria dos participantes, como quase sempre o é, cumprindo, como habitualmente, uma quota simbólica (e minoritária). 

Este facto não constitui, propriamente, uma novidade. 

Continua a existir um enorme desconhecimento, aliado a uma falta de reconhecimento, acrescido de um sentimento depreciativo (e menorização) sobre quem vive e trabalha no sector cultural. 

A Cultura continua a ser entendida como um adorno e uma manjedoura de uns subsídio-dependentes que vivem (mal) à custa do sistema. 

Por estes dias, escrevem-se coisas como esta: “Um povo que mal se conhece, arrisca-se a ter ideias erradas e fantasiosas sobre si próprio, tem dificuldade em definir o futuro, recebe menos bem e fica nas mãos de quem aparecer” (sim, está num manifesto eleitoral de um partido político). 

Criou-se o mito de que a Cultura deve ser proteína para turista e que temos uma indústria (!) para alimentar. Como se o nosso devir colectivo estivesse dependente (apenas) do turismo, no qual os residentes são convidados a comparecer num casting de representação para um postal ilustrado em tempo real. 

Subsiste um enorme equívoco (colectivo) sobre este assunto. 

A ideia que preconizo para o sector cultural assenta num pressuposto que se traduz de forma simples: Cultura é sinónimo de criação artística, não é animação turística. 

O futuro do sector cultural exige um caminho profissionalizante, no qual não podemos tratar de forma igual o que é diferente, “ciente da importância da aposta na formação de públicos, na promoção da criatividade junto dos mais jovens, e no apoio à formação e à profissionalização dos jovens criadores dos Açores” (plasmado noutro contributo eleitoral). 

Podemos ter as melhores ideias para projectos (e iniciativas), mas, sem o devido (e necessário) reforço orçamental, estas de pouco ou nada servem. 

E não existe mercado para produtos que não são produzidos em série e cuja pesquisa, trabalho, experimentação e risco não são compagináveis com a venda a retalho. 

No contexto histórico actual é fundamental resistir contra quem tem um discurso anti-cultura, não raras vezes, realizado por quem diz que nada acontece mas que, paradoxalmente, nunca comparece nas múltiplas iniciativas que preenchem o profícuo calendário cultural. 

No radicalismo do tempo (presente) não se salva nada, nem ninguém, vivemos num espaço (público) polarizado cuja toxicidade está impregnada de ressentimento, “fomentando o sentimento anti-democrático e anti-político” (António Guerreiro, 25/09/20). 

E neste tempo (novo), com o carácter disruptivo gerado pela pandemia, a cultura depende, sobretudo, das instituições públicas. Os apoios parecem nunca ser suficientes mas sem os que existem estaríamos, garantidamente, pior.

* Publicado na edição de 02/10/20 do Açoriano Oriental
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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Viver (Açores)

O melhor ano de sempre! 

Foi a resposta (surpreendente) que obtive da funcionária de uma empresa de animação turística - numa das nossas reservas da biosfera - à pergunta sobre o desempenho da actividade em ano de pandemia. 

O incremento turístico durante o mês de Agosto, nas ilhas mais pequenas do arquipélago, superou as melhores expectativas. 

Este facto deveu-se, em larga medida, à forte adesão ao programa ‘Viver os Açores’, cuja implementação levou muitos (turistas) residentes a ilhas que não fazem parte das suas habituais opções para férias. 

E por este ter sido dado como um “ano perdido”, a maior parte dos serviços de apoio à actividade turística, nestas ilhas, não tiveram mãos a medir para a procura inusitada a que foram sujeitos. 

Um tempo extraordinário exige um grau de intervenção (preparação e antecipação) que vá para além daquilo que seria expectável. 

Assumir que a retoma da economia terá o mesmo desempenho (e retorno), num contexto como aquele que experienciamos, é negar (ostensivamente) o impasse em que o mundo está mergulhado. 

A reabertura da economia não trará (nem trouxe) a mesma resposta dos consumidores, existindo uma natural retracção por parte de quem viaja, sendo certo que enquanto não existirem soluções com um carácter definitivo em termos de saúde pública, não voltaremos, de um dia para o outro, aos dois dígitos de 2019

Até lá, terá de existir uma enorme capacidade de adaptação e resiliência, por parte de indivíduos, empresas e estado, por forma a mitigar as contingências com que nos confrontamos. 

Ao contrário do que assistimos na crise financeira (2008), o sector mais afectado não é, neste momento, a construção civil mas o dos serviços, sobretudo, aqueles relacionados com a actividade turística, da restauração à animação turística, da hotelaria à organização de eventos. 

Este é um ano excepcional em todas as dimensões da nossa vida colectiva, daí que, talvez, seja este o tempo (certo) para reflectirmos sobre o modelo de desenvolvimento, social e económico que temos. E, com uma boa dose de razoabilidade, planearmos estrategicamente sobre aquele que queremos para o futuro destas ilhas. 

O qual não está circunscrito (apenas) aos desafios e contrariedades que elas representam mas, sim, nas possibilidades que podem proporcionar, nomeadamente, como laboratório (à escala certa) para novas formas de coexistência sustentável. 

O programa ‘Viver os Açores’ teve (e tem) o mérito de colocar os açorianos a olhar para as outras ilhas do arquipélago como opção turística, em detrimento de outros destinos, muitos deles, arquipelágicos, noutras latitudes e com outra qualificação da oferta. 

Não deixa de ser paradoxal que assim seja mas tendo em conta o sucesso da iniciativa, considero que ela deva ser uma aposta durante a chamada época baixa, de modo a funcionar como factor atenuante da sazonalidade, incentivando os residentes à realização de umas miniférias (cá dentro) durante o inverno.

Esta iniciativa responde ao que defende António Costa Silva no seu documento "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030", na medida em que para ele: “temos uma Administração Pública muito orientada para a emissão de pareceres e pouco orientada para a resolução dos problemas”. E insta, desde já, a “mudar essa cultura". 

É este sentido de urgência que a população espera dos serviços públicos (locais, municipais, regionais ou nacionais), na priorização da sua acção em mecanismos de resposta às dificuldades inerentes a esta crise.

* Publicado na edição de 18/09/20 do Açoriano Oriental
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