quinta-feira, 24 de maio de 2018

Geografia(s) da(s) Ilha(s)

Em Dia dos Açores, as páginas dos jornais são preenchidas por textos laudatórios e discursos efusivos sobre o que é ser ilhéu e açoriano.

Este é o dia maior da açorianidade, a segunda-feira do Espírito Santo, naquela que é percepcionada como a maior festividade do povo açoriano.

Nada tenho a opor à exaltação dos nossos traços distintivos mas tenho a sensação, na maior parte das vezes, que sobrevalorizamos (deliberadamente) o nosso lugar (e a nossa posição).

A comunidade açoriana (espalhada pelo mundo) é hoje maior do que aquela que por cá reside. E apesar de ter sido forçada a sair, muita dela continua agarrada à ilha que os viu partir, sendo que, paradoxalmente, muitos dos que cá estão, amam as ilhas, mas sonham em sair.

Esta dinâmica é reiterada e manifesta-se de forma antagónica, na medida em que a nossa acção no território não é condizente com a veemência com que o defendemos noutras ocasiões.

O (recente) crescimento económico no arquipélago tem levado ao esgrimir de argumentos entre ilhas, em que assistimos, passivamente, ao ressuscitar de velhos fantasmas bairristas, em que a ilha vizinha é (quase sempre) a causa das carências internas (de cada uma).

Como se isto não fosse suficiente, grande parte das reivindicações (de ilha) passaram a ter expressão em nome próprio, com representantes eleitos para o todo arquipelágico mas que apenas se focam em questiúnculas e interesses locais, como se pudéssemos viver uns sem os outros.

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores passou a ser palco privilegiado para atestar o clima de crispação entre ilhas, em que o absurdo passou a ser defendido, incondicionalmente, como a única forma de suporte à acção política.

A atestar este estado de coisas, na última sessão plenária, o processo e a aprovação da lista de agraciados foi apenas mais um momento para a diatribe partidária, em que uma parte dos tribunos aparentou estar mais preocupada em defender a sua cota de participação do que em enaltecer aqueles que, por uma razão ou por outra, se destacaram e contribuíram para o (nosso) desígnio comum.

Parece-me que, infelizmente, alguns dos eleitos anda mais focada em defender o que lhes diz (directamente) respeito, desfasadamente, talvez, do que importa à maioria dos açorianos.

Seria mais produtivo que, ao invés de andarmos à procura da polémica estéril e do protesto fútil, existisse uma efectiva vontade em debater (seriamente) o futuro dos Açores (como um todo).

No rigor da incerteza destes dias, os Açores têm muitos desafios no alcance da sua trajectória e que passam, indubitavelmente, pelo garante da sustentabilidade ambiental, energética e social. Mas não vamos lá com um argumentário inflamado (e isolacionista), nem com uma retórica romântica envolta na bruma.

De igual modo, não faz sentido replicar o modelo das ilhas maiores, disseminando-o pelas mais pequenas. A nossa escala não o permite. Querer mitigar a descontinuidade geográfica através de propostas insustentáveis e irrealistas só nos conduzirá a um beco sem saída.

Sem preconceitos, e com toda a frontalidade, é necessário investir (indelevelmente) no conhecimento, na educação e na cultura, como forma de ultrapassar o atraso que (ainda) subsiste em algumas franjas e geografias das ilhas.

Celebrar este dia implica, primeiro, compreender (e conhecer) quantos Açores cabem, efectivamente, na palavra Açores.

* Publicado na edição de 14/05/18 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 17 de maio de 2018

#aculpaedogoverno

Ano após ano, a tradição renova-se e a imundice marca lugar.

Todos os anos alimento esta crónica com a minha estupefacção perante a maré selvática que atropela o espaço público em dia de festa.

Este ano não foi excepção, ficando a prova que é necessário, por todas as razões e mais algumas, rever a componente profana associada às Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres.

Os Açores são reconhecidos internacionalmente pelas suas práticas ambientais e, de momento, estão a tentar implementar um ambicioso plano associado à sustentabilidade, consubstanciado através de uma candidatura à certificação de destino de turismo sustentável, sendo o primeiro arquipélago do mundo a almejar (de)ter este selo do Conselho Global de Turismo Sustentável (Global Sustainable Tourism Council - GSTC), organismo que integra várias entidades das Nações Unidas.

Como foi possível testemunhar, e vivenciar, este desígnio não é compaginável com a organização do espaço público do local da festa e da zona (da cidade) limítrofe às festividades, no que concerne à limpeza, à disposição dos espaços de restauração, de venda ambulante, de trânsito e de estacionamento.

O município terá consciência que não é possível dar tolerância de ponto a determinados serviços municipais em dias como estes (ou a atribuí-los tem de, forçosamente, garantir alternativas)? Não é possível aumentar e melhor a ordem pública e a salubridade da cidade? Será normal que (tudo) isto aconteça de forma recorrente e negligente?

Quando se concentra um número (inusitado) de vendedores ambulantes é normal que os resíduos, daí resultantes, sejam em grande número, os recipientes já foram menos, agora são mais, mas continuam a ser insuficientes para a procura.

Perante a mundanidade das ocorrências, deixo aqui algumas questões.

A dimensão das evidências será capaz de perturbar a passividade do município?

Caberá à Irmandade do Senhor Santo Cristo dos Milagres a gestão do espaço público ou será responsabilidade do município acautelar e zelar pelo destino a dar à festa, naquela que é a maior expressão religiosa do Arquipélago?

(Ou) será que esse galardão passou a estar consignado às Grandes Festas do Espírito Santo (com autonomia autárquica)?

A insalubridade de Ponta Delgada constituirá o tão propalado “motor de desenvolvimento dos Açores”, naquela que é divulgada como “a porta de entrada do turismo”? E será este o “novo pilar de desenvolvimento do concelho, da ilha de São Miguel e do arquipélago”?

Esta minha preocupação não tem apenas que ver com o crescimento da actividade turística, nem com os peregrinos que nos visitam, é uma preocupação que me assiste, sobretudo, como residente, e habitante desta cidade, numa situação insustentável, aparentemente, insolúvel e incómoda.

A sua resolução deve passar por uma ampla discussão (pública) e de reflexão por quem tem a incumbência de gerir a vida na cidade.

Não vale a pena ignorar o problema, nem culpabilizar a falta de civismo de uns quantos.

Já estivemos mais longe de afirmar que #aculpaedogoverno.

* Publicado na edição de 14/05/18 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 16 de maio de 2018

Será que aprendemos a lição?

Um estudo da Organização Mundial de Turismo identifica Portugal como um dos países (desenvolvidos) que mais depende do turismo na contribuição directa para o seu Produto Interno Bruto (PIB). O turismo representa 9% da riqueza nacional, ou o mesmo é dizer, que vale 9 euros em cada 100 gerados pela economia portuguesa.

Após o período conturbado da história recente, o incremento turístico foi recebido como um milagre da multiplicação.

O fenómeno é global e alastrou-se, rapidamente, a todo o território. Os Açores não são excepção. Em particular, Ponta Delgada (e São Miguel).

Após anos ao abandono, assistimos a um crescente retorno do investimento (privado com recurso ao sistema de incentivos regional) ao centro histórico da maior cidade açoriana, com ênfase na restauração e no alojamento local.

Apesar da nossa (reduzida) escala, e da reconhecida diferença da pressão exercida em cidades como Lisboa e Porto, estamos a ser confrontados com os primeiros impactos da intensificação da actividade turística.

Ninguém dúvida da importância económica deste sector, sobretudo, no estímulo da reabilitação urbana e no maior dinamismo da construção civil.

No entanto, se em Lisboa se comparam preços do metro quadrado com Paris, nós, por cá, comparamos Ponta Delgada com a capital portuguesa, com a ressalva que a riqueza instalada não é equiparável.

Um dos aspectos mais visíveis, deste fenómeno, são os preços disponíveis para aquisição e arrendamento, que nos fazem questionar a quem se destinam aqueles imóveis. A prova é que alguns promotores imobiliários reconhecem (publicamente) que a sua carteira de clientes é, por estes dias, constituída por 50% de estrangeiros, com um poder de compra diferenciado e que fazem inflacionar, sobremaneira, o valor de mercado.

O centro histórico de Ponta Delgada está condenado, no futuro imediato, a ser habitado por turistas.

A discussão em torno da descaracterização das cidades, fruto da massificação do turismo, pode não ser (ainda) uma realidade a full-time mas terá (e já tem), inevitavelmente, efeitos na forma como acedemos à habitação em algumas zonas da cidade e da ilha.

Muito recentemente, a Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo implementou um registo mensal obrigatório, que visa monitorizar o número de hóspedes e dormidas no alojamento local, passando a fazer parte das estatísticas oficiais.

Mais do que a (importante) recolha de dados, para a monitorização da evolução desta forma de alojamento no sector turístico, considero importante o debate em torno do acesso acessível à habitação, na medida em que assistimos a um mimetismo empresarial em que, tudo e todos, parecem convergir para o mesmo.

E não é tudo bom, há muita oferta pouco qualificada que não dignifica o destino.

A euforia está aí mas importa, rapidamente, que se estabeleça uma regulação concreta que não penalize o investidor (mas o prevaricador do alojamento ilegal), mas cujo licenciamento não pode ser ilimitado e deverá responder a uma necessidade efectiva.

No caso da quebra da actividade turística (e consequentemente, de rendimentos), será que vamos assistir a um coro de indignados à procura de uma intervenção governamental que salve empresários e proprietários?

O passado (recente) é um bom exemplo daquilo que, de futuro, não devemos (ou devíamos) perpetuar.

Será que aprendemos a lição?

* Publicado na edição de 30/04/18 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 15 de maio de 2018

Autenticidade

Um dos pontos de paragem (obrigatórios) no roteiro turístico (contemporâneo) são os mercados citadinos, local de confluências várias, onde o viajante procura a autenticidade do local, através da participação num ritual realizado pelos residentes e como forma de enriquecer a sua experiência turística.

Para quem viaja regularmente, esta questão não é uma novidade, é apenas a constatação de um fenómeno em expansão.

O turismo democratizou-se e, por essa via, tenderá a massificar-se, quer queiramos, quer não. É algo que não podemos controlar, mesmo que não seja este o propósito com que nos alinhamos à partida.

A abertura do espaço aéreo (europeu) explica, em larga medida, o fenómeno turístico em destinos que nunca tiveram a oportunidade de crescer em número e em resultados.

Os Açores são (apenas) mais um exemplo de regiões, e cidades de pequena e média dimensão, que tiveram, de um dia para o outro, de se adaptar às novas contingências.

Considero que um desafio para viajantes e destinos passa hoje, inexoravelmente, por contrariar, dentro daquilo que é possível, a experiência massificada e indiferenciada, em que acabamos por ver, e degustar, as mesmas coisas, seja em que latitude for, na qual a ‘memorabilia’ acaba por ser idêntica para deixar de ser autêntica.

Pode parecer exagero mas devemos colocar as coisas em perspectiva, colocando de parte o número de camas, os proveitos da hotelaria, o número de passageiros desembarcados (por mar e pelo ar), focando as nossas atenções nos conteúdos (e serviços) que temos para oferecer.

A qualificação da oferta (da experiência turística Açores) não se pode distanciar da realidade e do quotidiano dos residentes, não podemos querer transformar estas ilhas num parque de diversões em formato radical, em que a natureza é servida como uma experiência limite, apenas, pelo facto, da sua mera contemplação ter passado a ser considerada: boring.

Como já aqui escrevi, e como referido numa das muitas palestras a que tenho assistido sobre este tema, uma das nossas vantagens é não ser identificados como um destino turístico, na medida em que em todos os destinos (consolidados) o pacote turístico já está formatado e customizado ao perfil do visitante.

Esta actividade é importante para a consolidação da retoma económica do arquipélago mas não deve ser a única (há que ultrapassar a ideia de ciclos económicos assentes na monocultura), sobretudo devido à fragilidade e riscos que a prossecução deste sector acarreta, em que qualquer oscilação, positiva ou negativa, representa, quase sempre, um impacto significativo para a cadeia de valor.

Voltando ao início deste artigo e aos mercados citadinos, como “espaços âncora” (adjectivação vazia de significado mas utilizada até à exaustão) de visitação, quem visita o Mercado da Graça, em Ponta Delgada, é confrontado com um espaço descaracterizado, sem alma e arquitectonicamente desastroso. Quem ainda se lembra do antigo Mercado?

Não sou saudosista mas urge requalificar aquele espaço dotando-o, e posicionando-o, para o que afirmarmos (de)ter em termos turísticos, na sustentabilidade dos produtos que produzimos e não na importação de frutas e legumes (indistintos e de origens diversas e pouco amigas da ideia daquilo que é sustentável) ao turista que vem à procura de autenticidade e que, muito provavelmente, a tem, em melhor qualidade, no seu destino de origem.

Importa não defraudar as expectativas de quem nos visita, sendo que não há promoção que compense a repercussão negativa de uma má experiência turística.

* Publicado na edição de 16/04/18 do Açoriano Oriental
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