segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Antero Hoje (e Amanhã?)

Os 175 anos do nascimento de Antero de Quental foram motivo para a realização das jornadas “Antero Hoje”, que decorreram na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, numa organização conjunta do Governo dos Açores e da Fundação Calouste Gulbenkian, para evocação da memória do poeta que Eduardo Lourenço (um dos oradores convidados) nomeia como exemplar único da nossa literatura, excedendo Camões, e com uma obra “naturalmente universal” (Açoriano Oriental, 09/11/17).

A exaltação da obra de Antero é motivo de um orgulho (in)contido, na medida em que as palavras não acompanham a(s) prática(s). O paradoxo está instalado no meio de nós.

Nunca entendi a razão pela qual, na sua terra de origem, a manifestação cultural da sua obra é feita com alguma parcimónia, ensombrada, talvez, por um pudor, sem sentido, em torno da forma como morreu.

Mais do que apenas o estudo da obra e do homem, é necessário que o conhecimento ultrapasse os muros da academia e contamine, sem rodeios, o território e a comunidade que nos rodeia.

Com isto não estou a dizer que devamos dessacralizar a sua obra, temos, sim, de encontrar formas de fazer chegar Antero aos dias de hoje, por intermédio de outras linguagens artísticas, utilizando, paralelamente, as novas plataformas digitais para chegar ao público de hoje (e de amanhã).

A simbiose estabelecida entre Lisboa e Fernando Pessoa é apenas um bom exemplo para o que deve ser realizado entre nós. Um e o outro são sinónimos, a reciprocidade beneficia todos. E porque, já, não o fizemos em Ponta Delgada?

Porque razão não se avançou, há mais tempo, com um espaço de promoção da sua memória? Qual o impedimento na identificação e dinamização do roteiro concebido pela Direcção Regional da Cultura (sob a orientação do Professor Fagundes Duarte)? Porque é que não existe um prémio literário com o seu nome?

Por desleixo, desinteresse ou, simples, ignorância?

Considero que ainda vamos a tempo de ultrapassar todas estas insuficiências, sendo que a oportunidade gerada por estas jornadas, e pela importante parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, deve servir de catalisador a futuras iniciativas, ou mesmo, na criação de um evento literário com carácter anual que posicione a cidade, e os Açores, no mapa das letras do país (e do mundo).

Tempo (ainda) para (+) uma polémica
Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, já pediu desculpa ao país pela realização de um jantar no Panteão Nacional, em Lisboa, onde juntou vários empresários e investidores no último dia da cimeira de tecnologia.

Está instalada a mais recente “polémica pop up” (André Bradford), instigada por uma nação que procura nos escombros da memória, o alimento para a tragédia seguinte.

Polémica à parte, o que esta questão revela, como referiram, e bem, o BE e o PCP, é a precariedade dos orçamentos associados à gestão do património e à política cultural.

Caso os orçamentos fossem compatíveis com a responsabilidade que o estado tem, e assume, este(s) caso(s) não seria(m) notícia.

A hipocrisia também andam em alta, na medida em que o que antes era entendido como “boa gestão”, hoje representa a indignação colectiva ao sabor do populismo viral.

A falta de orçamento para a Cultura, não pode tudo justificar, sendo que obtenção de receitas deve cumprir com limites e “o respeito pela dignidade dos espaços e pela sua preservação” (António Filipe, 12/11/17).

Sublinho.

* Publicado na edição de 13/11/17 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Valores (renovados)

Por vicissitude familiar, percorro, semana após semana, os múltiplos campos de futebol (sintéticos) disseminados pela ilha.

Um conjunto significativo de clubes possui, e bem, uma escola de formação, por forma a contribuir para a sustentabilidade futura da instituição. E para, acredito, contribuir para a aquisição de hábitos de vida saudáveis através da prática desportiva (dos escalões mais jovens).

Se por um lado é verdade que os princípios basilares estão lá, quando chegados à competição acabamos por não encontrar estes jovens a jogar na equipa principal.

Estes dão lugar a um conjunto indiferenciado de interesses que chocam com o que é, sistematicamente, apregoado. Nesta lógica de capitalização cega, perpassa a fidelidade à região (e ao que é ‘nosso’), sendo que na prática não é isto que acontece, onde os plantéis das equipas apresentam, na sua maioria, um conjunto importado (e de pouco valor acrescentado). E porquê?

Mais do que o agitar da bandeira (e o exacerbar do nacionalismo endémico), será mais prudente, e relevante, investir na formação desportiva, por forma a garantir a continuidade da prática desportiva através do cultivo de uma fileira de recursos endógenos. Só aqui é que poderá existir uma ideia de sustentabilidade (futura).

Esta é uma questão transversal às diversas modalidades e não apenas um exclusivo do universo associado ao futebol, o qual terá, porventura, no arquipélago, maior expressão.

Considero que a região deve analisar, se é que já não o faz, os critérios de seriação e os objectivos inerentes à participação desportiva das equipas açorianas, nos inúmeros campeonatos nacionais, nomeadamente, com o cumprimento de regras, por exemplo, quanto ao número de praticantes residentes no arquipélago presentes nas equipas em disputa.

Que sentido é que faz que um clube açoriano, a participar num campeonato nacional, não tenha nos seus quadros um jogador oriundo dos Açores? Se assim é, qual a pertinência do investimento em formação nos escalões juvenis? Ou ela apenas preenche uma formalidade no acesso aos apoios oficiais?
Estas são apenas algumas questões com as quais me tenho deparado nos últimos anos, sem que haja uma real evolução quantos aos objectivos elencados a cada temporada que passa.

Eles existem, é certo. Mas ficam-se pela subida (de divisão) e pelo aumento dos recursos financeiros.

A importância do desporto na formação dos jovens, numa cada vez mais acentuada necessidade de gerar estilos de vida saudáveis, numa região com propensão para dependências, é algo incontornável.

Contudo, devemos olhar, igualmente, para o que passa dentro e fora do campo.

Isto porque, por um lado, chamamos a atenção dos mais novos para a criação de uma boa conduta desportiva, alicerçada no respeito mútuo, na convivialidade e na disputa salutar. Por outro, assistimos, fora das quatro linhas, a um paradoxo protagonizado por algumas entidades parentais que olham para os filhos como um projecto de rentabilidade futura, inebriados pelas luzes da ribalta mediática, vociferando valores dissonantes aos que são incutidos nos jovens desportistas.

Importa projectar para as novas gerações, valores renovados. E que estão para além do mero valor mercantil (e do sucesso fugaz) associado à prática desportiva. Nada disto se constrói pela lei do mais forte (ou do que grita mais alto).

A Educação e a Cultura, também, fazem parte desta equação.

É bom que não nos esqueçamos disto.

* Publicado na edição de 06/11/17 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Sentido de responsabilidade

O fogo do país real rebentou com a bolha de uma nação refugiada no litoral, em torno dos grandes centros urbanos e que se esquece(u) do interior profundo (e da periferia das ilhas).

A aldeia arde todos os anos - já todos sabemos - mas este foi um ano atípico, em que os incêndios foram mais que muitos e, para infortúnio nacional, o número de mortos ascendeu à centena.

Acordamos, incrédulos, para uma realidade que sabemos, remotamente, existir. Contudo, nesta situação, a distância da tragédia foi suprimida pelo ‘prime time’ noticioso, o qual encheu de indignação a ‘timeline’ do livro que todos aparentam ler.

Independentemente das falhas do sistema nacional de protecção civil, e do desacerto da acção política na gestão dos acontecimentos, é justo reconhecer, sem parecer descabido, que estamos perante uma situação anómala, na qual a meteorologia desempenhou um importante papel.

Do governo aos autarcas, ninguém tem dúvidas: há mão criminosa nos fogos. Não será tempo de encarar seriamente esta questão, alterando a moldura penal dos incêndios com origem criminosa? Neste sentido, e para além da vontade governativa, existe (desde Agosto) uma petição online que conta com cerca de 60.000 assinaturas, reunindo as condições para que seja discutida no parlamento nacional.

Simultaneamente, e paradoxalmente, para quem assiste na serenidade do arquipélago a esta tragédia, sem paralelo entre nós, é incrível que Outubro, ainda, nos propicie um banho de mar. Mas não deixo de me questionar sobre este facto, agradável, sem dúvida, mas o resultado de um mundo em mudança, cujos impactos são difíceis de medir e que se fazem sentir, sobretudo, através de fenómenos meteorológicos extremos, num país de contrastes e que se encontra, actualmente, num acentuado processo de erosão e desertificação (física e humana).

Apesar do aparente relativismo da nossa posição geográfica, os Açores não estão imunes a este estado de coisas, sendo que esta localização nos torna, porventura, mais vulneráveis aos efeitos negativos das alterações climáticas.

Por forma a antecipar o impacto que estas irão ter no nosso modo de vida, foi criado um grupo de trabalho multissectorial para elaborar uma proposta do Plano Regional para as Alterações Climáticas (PRAC), assumida como “uma ferramenta fundamental para o planeamento e intervenção ao nível do território, no que respeita à mitigação das emissões e às necessidades de adaptação às mudanças climáticas” (GaCS, 25/01/17).

O resultado deste exercício de sistematização está disponível para consulta pública até 15 de novembro de 2017.

Era bom que deixássemos o like de ocasião no conforto do sofá e que contribuíssemos, efectivamente, para uma mudança de comportamentos que a todos dizem respeito.

Este tipo de atitudes implicam compromisso, rigor e múltiplas cedências.

Será que estamos disponíveis para as assumir?

Noutras dimensões, a nossa reduzida expressão pode ser um problema, neste caso, é uma vantagem, na medida em que temos todas as condições para ser uma região exemplar na apli(ação) de boas práticas ambientais.

Saibamos fazê-lo, agindo em conformidade e com sentido de responsabilidade.

* Publicado na edição de 23/10/17 do Açoriano Oriental
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