terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A tradição (do amanhã)

No passado dia 23 de novembro, o Ministério da Cultura, através do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), abriu formalmente o convite para a apresentação de candidaturas para a representante portuguesa a Capital Europeia da Cultura em 2027.

Neste momento, temos um conjunto significativo de municípios que já manifestaram a sua intenção de se candidatar - Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Funchal, Leiria, Guarda, Oeiras e Viana do Castelo -, sendo que, na maior parte deles, já existe uma estrutura a trabalhar no projecto há, pelo menos, dois anos.

Portugal já recebeu o título de Capital Europeia da Cultura por três ocasiões, Lisboa, em 1994, Porto, em 2001, e Guimarães, em 2012. Em qualquer um destes casos, é inegável o salto qualitativo que a organização deste desafio, deu à cidade e à região que o acolheu, com claros benefícios na dinamização das estruturas criativas locais e na reafirmação da sua importância no mapa cultural, nacional e internacional. Para além, como é óbvio, dos benefícios derivados na dinamização económica, quer por via do incremento do turismo cultural, quer pela valorização patrimonial associada a um processo de revitalização urbana dos seus centros históricos.

Apesar de, em tempos idos, Ponta Delgada ter manifestado a intenção de apresentar uma candidatura, e desta estar prevista no seu Plano Estratégico de Desenvolvimento 2014-2020, desconheço se existe algum processo a decorrer e se estão, porventura, envolvidos outros municípios da região. O que sabemos é que, neste momento, a um ano do prazo desta candidatura, o tempo corre a nosso desfavor, sendo que este é um processo moroso marcado por diversas fases de avaliação e pré-selecção e cuja decisão final só será conhecida, expectavelmente, no final de 2022.

Num momento em que a cultura está, na esmagadora maioria das suas expressões, suspensa por força maior, considero que este objectivo deveria servir de movimento catalisador para repensar o sector e capacitá-lo, de uma vez por todas, como elemento fulcral no designado desenvolvimento sustentado, integrado e transversal, desta região.

Esta intenção pode, e deve, transportar um carácter utópico subjacente à própria candidatura, uma vez que este acontecimento não se extingue no acolhimento de iniciativas nas infraestruturas requalificadas ou geradas para a apresentação das propostas programadas.

Pela nossa dimensão, à semelhança de um projecto idealizado em 2010, esta realização deverá estar alicerçada na região como um todo ou estar pensada, de forma mais pragmática face ao calendário, à escala da ilha.

O carácter diferenciador do posicionamento geográfico (ultra)periférico, sedimentado pela confluência cultural gerada pelo encontro de culturas, que aqui se unificaram, será motivo mais que suficiente para congregar a comunidade artística e construir uma sólida candidatura.

Mais do que um mero instrumento de promoção turística, que, também, o é, esta ambição será, sobretudo, uma forma de reposicionamento daquilo que queremos ser no futuro, de revalorização das idiossincrasias, muitas das vezes motivo de discórdia, mas que nos definem como comunidade.

Por estes dias, o apoio à cultura passou à condição de emergência. A contemporaneidade, hoje, será a tradição do amanhã.

+ Publicado na edição de 11/12/20 do Açoriano Oriental 
++ Blog X 
+++ Twitter X 
++++ Email X