segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Compromisso

A campanha eleitoral não começou (oficialmente) mas o embate político, como a meteorologia, tem estado morno e à mercê de um pacto de não-agressão.

Para Manuel Carvalho, editor do Público, o frente-a-frente (televisivo) entre líderes partidários tem ocorrido sem excessos de linguagem, ou contorcionismos de ocasião, os portugueses querem ouvir os políticos e a comprová-lo estão os estudos de audiências, fazendo com este período de pré-campanha pareça, “como poucas vezes pareceu, uma campanha de uma democracia moderna e madura” (14/09/19).

Mais do que questiúnculas, e questões fracturantes, que agora se assumem estruturantes, num país a múltiplas velocidades e que cuja realidade (ainda) carece de necessidades fundamentais, parece esdrúxulo que, pelo menos de forma mais ou menos aparente, a agenda seja preenchida pela inverosimilhança de algumas propostas.

Aliás, a diatribe eleitoral vem apenas corroborar a clivagem existente entre os centros urbanos e o resto do território, cuja desertificação populacional e deslocalização económica sufoca a sua existência quotidiana.

A população procura uma resposta eficaz para os seus anseios e para as entropias com que se depara no seu dia-a-dia. Os grandes temas da discussão política (deste tempo) não podem ser menorizadas mas parecem descontextualizadas da urgência dos dias.

Existe um descrédito nas sociedade contemporâneas (ocidentais) quanto ao desempenho das funções políticas/serviço público, e apesar de alguns progressos, é necessário alterar a forma como se organizam as campanhas eleitorais, mas “só por cinismo torcem alguns entre nós o nariz e desvalorizam o trabalho que os responsáveis realizam para esclarecimento geral. Dir-se-ia que estão cansados da democracia e não acreditam na sinceridade dos propósitos dos actores políticos, a quem imputam as piores intenções. Alguns destes, infelizmente, dão razões de queixa, mas não se pode julgar todos pelos erros de uns quantos de inferior qualidade cívica” (João Bosco Mota Amaral, 10/09/19).

Presos ao populismo da imediatez mediática e do politicamente correcto, políticos e partidos agarram-se à redução dos custos associados às campanhas e - na procura pela validação popular (do like virtuoso) - fazem por tornar pública as suas opções com o avale do Presidente da República. Não basta. Era olhar para o modelo norte-americano para daí retirarmos algumas lições. A começar pela institucionalização dos lobbies.

Na desconfiança destes dias, as pessoas andam presas ao(s) ecrã(s) e alimentam (profusamente) a sua ‘second life’, pelo que a intenção de introduzir o voto electrónico como forma de ‘acabar’ com a abstenção (e alienação colectiva?) é, na essência, um convite ao comodismo e à passividade.

Passaríamos a ter uma democracia sufragada no sofá, cuja implementação acarreta inúmeros riscos, a começar pelo garante da salvaguarda dos dados informáticos e dos resultados do escrutínio eleitoral. Considero que o problema não está no meio, nem na facilitação da forma como se vota (independentemente desta ser uma discussão em curso e deste ser um processo que carece de aperfeiçoamentos).

A melhoria da qualidade da nossa (jovem) democracia reside na forma como cada um nós exerce, responsavelmente, os direitos que lhe foram concedidos. Por este andar, o wifi terá de ser subsidiado para garantir que os cidadãos possam exercer livremente o seu direito de voto.

Tal como José Pacheco Pereira (07/09/19), subscrevo o candidato que não vai “fazer 50 coisas” mas que se compromete a “fazer três, mas três estruturantes”.

Para tal, bastará coragem (política) e um sólido compromisso ético (e colectivo).


* Publicado na edição de 16/09/19 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Mesa de amigos

Este Verão o tópico mais debatido na mesa de amigos terá sido a chuva de Agosto (e o turista rent-a-car).

Vivemos num antagonismo permanente, se antes tínhamos a reivindicação pela intensificação da actividade turística (para justificar os investimentos e para melhorar a rentabilidade do sector), assistimos, por estes dias, à perplexidade do residente perante a enchente de visitantes que percorre a ilha.

Como já aqui referi, a intensidade deste fenómeno não é vivenciada de forma idêntica por todas as ilhas, existindo, dentro de cada uma delas, locais cujo impacto é sentido de forma mais intensa.

Nestes últimos dias foi notícia um alerta da população das Furnas para o “caos” que se vive na freguesia, devido ao “excesso de viaturas e de turistas” (Açoriano Oriental, 23/08/19).

As Furnas são um espaço extraordinário que o tornam um local de visita obrigatória, a quem vem a São Miguel, os constrangimentos não são de agora mas o aumento do volume de trânsito, dos últimos anos, agudizou o problema.

Pela importância que tem e pelo equilíbrio que se pretende obter, entre economia e natureza, as Furnas há muito que deviam ter um plano de pormenor onde estivessem estipuladas, com rigor e clareza, as regras de ocupação de um território tão sensível quanto este.

Simultaneamente, este é um dado paradoxal, sobretudo, numa economia que vive, em larga medida, do turismo (e dos veraneantes).

É necessário olhar com outra atenção para esta realidade, sendo que mais vale tarde que nunca.

O Plano Estratégico e de Marketing para o Turismo dos Açores defende uma “Cultura de Turismo nos Açores” e a integração de temas sobre o setor do turismo na Disciplina de Cidadania (1º e 2º ciclos), como forma de “Educar para o Turismo”.

Em que ponto é que estamos na implementação deste plano?

As histórias que nos contam chegam de quase todas as ilhas e revelam a necessidade premente de aprender a lidar com uma nova realidade que interfere, inevitavelmente, com o nosso quotidiano.

Não vale a pena escamoteá-lo, nem ignorar que temos problemas (neste crescimento abrupto), eles não vão desaparecer (e é bom que não desapareçam).

A economia gerada pelo aumento do fluxo turístico é fundamental para a melhoria da qualidade de vida (de muitos açorianos), temos de nos adaptar e corrigir o que não está bem, para que esta seja uma coabitação pacífica.

Para além do roteiro que todos fazem, a ilha não está o “inferno” que se ouve por aí.

Não questiono a necessidade de melhorar as condições de visitação (estacionamento, sanitários ou centros interpretativos) aos locais de maior procura mas temos de ter presente, a bem da sustentabilidade ambiental e de uma boa prática no usufruto do território, que é urgente tomar medidas mais restritivas no acesso de pessoas (e veículos) a lugares sensíveis.

Para que isto seja possível, importa diversificar os pontos de atração turística e introduzir novos roteiros, para mitigar a pressão pelos existentes, os quais já não conseguem absorver o volume e a carga da procura actual.

Para quem (ainda) não tenha percebido, a influência da actividade turística no território não é virtual, assim como o residente insular não é um mero figurante (num cenário idílico).

O desenvolvimento desta matriz (identitária e de autenticidade) exige um enorme compromisso de todos nós.

Convém sublinhá-lo.

* Publicado na edição de 02/09/19 do Açoriano Oriental
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