sexta-feira, 19 de junho de 2020

Resiliência (comunitária)

No rescaldo da primeira vaga da pandemia regressamos à rotina (possível) com a (necessária) responsabilidade individual (e colectiva), por forma a superar os enormes desafios com que nos confrontamos.

O mundo continua pandémico mas, ao contrário das primeiras semanas de confinamento, as notícias sobre o desenvolvimento das investigações sobre tratamentos e o progresso no caminho para uma vacina são, actualmente, ruído envolto em polémica e contradição.

Num período em que muitos contestam as rigorosas medidas de confinamento devido à Covid-19, ficamos a saber que um estudo do Imperial College (Inglaterra) afirma que podem ter sido evitadas 3,1 milhões de mortes em 11 países europeus, na medida em que o “fique em casa” teve um “efeito substancial” e ajudou a baixar a taxa de transmissão da infeção (Rt). O estudo não inclui Portugal mas não será por isso que deixa de ser credível.

A crise económica que entretanto se instalou leva (previsivelmente) a que o clima contestatário suba de tom. No entanto, importa ressalvar que perante a inexistência de dados esta é, foi e continua a ser a melhor arma para travar o vírus. E se, entre nós, a mortalidade associada ao Covid-19 tivesse tido números mais expressivos (com todo o respeito por todos aqueles que perderam a sua vida), qual seria o discurso de quem contesta as restrições do confinamento, a morte do Governo? Provavelmente.

A procura por uma causa externa que justifique o que se passou, ou a imputação da culpabilidade para um organismo tangível, é um argumento tão disseminado como a própria pandemia.

Neste capítulo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a ser arma de arremesso para justificar a impotência das nações na luta contra um inimigo invisível para o qual não há cura.

O discurso populista (reacionário e xenófobo) tomou conta da realidade (virtual e concreta). Mas se há algo positivo neste vírus, permitam-me a ironia, é a de ter feito cair a máscara a muita gente.

A desigualdade (social e económica) não é (apenas) aparente, por estes dias a contingência sanitária tornou-a saliente, veio para a rua e está à flor da pele.

Desenganem-se aqueles que consideram que a resolução económica para os problemas gerados pelo confinamento está circunscrita a estes nove calhaus, como por vezes se ouve por aí. O incremento do turismo, como dos restantes sectores económicos, será gradual e dependerá, em larga medida, da confiança dos países emissores/consumidores.

A resposta à crise depende (inexoravelmente) da nossa resiliência e do nosso sentido de comunidade, pois “sem compaixão e fraternidade fortalecem-se apenas os muros e aliena-se a possibilidade de lançar raízes” (José Tolentino de Mendonça, 10 junho 2020).

Paralelamente, temos de garantir os meios financeiros necessários (e fundamentais) para a retoma consolidada da actividade económica, por intermédio, como já foi noticiado, de uma intervenção substancial da União Europeia. A Região tem feito o que lhe compete no complemento (e reforço) às medidas de apoio nacionais mas o tecido económico (e social) exige um reforço dos recursos que temos ao nosso dispor.

A pandemia é global mas as diferenças (culturais e geográficas) não se dissiparam, apenas o problema aparenta ser partilhado.

Nesta semana, voltamos a identificar mais um caso positivo entre nós. Pelas razões que todos conhecemos, selar o espaço aéreo não é uma opção.

Nem me vou dar ao trabalho de esgrimir argumentos sobre o conceito de (des)continuidade territorial, nem sobre a urgência da discussão constitucional (e da extensão dos poderes da Autonomia que nos assiste). Não deprecio a relevância da matéria, apenas considero que há prioridades.

Esta é a prova que evidencia a importância de testar quem aterra. Não vale a pena diabolizar a coisa, e como já todos percebemos, vamos ter de aprender a lidar com isto (dentro da normalidade possível). E sim, estamos (melhor) preparados, não podemos é continuar paralisados. Não é (nem será) bom (para ninguém).

* Publicado na edição de 12/06/20 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Ruído (excessivo)

Aprendemos a desconfinar com o manto da segunda vaga (covid-19) como cenário eventual.

O mundo intenta lidar com um problema do qual ninguém tem memória nem sequer é comparável, nem há verossimilhança possível, por exemplo, com outras crises económicas.

O infortúnio (global) que se perspetiva no presente imediato (e no próximo futuro) resulta da urgência sanitária para preservação das respostas dos sistemas de saúde. Neste sentido, fruto deste cuidado e mitigação, é possível implementar medidas de apoio (incentivo comercial e de confiança dos consumidores) para um regresso ao (novo) normal (seja lá o que isso for).

Não partilho da ideia romântica (que se propagou durante os dias de quarentena) de que no final disto tudo (cujo desfecho é incerto) ia #ficartudobem. Não vai.

Nem toda a população passou (e está a passar) por este tempo da mesma forma, na medida em que há quem não tenha perdido rendimentos e está ‘entediado’ com o confinamento (forçado), noutro sentido, temos empresários e empreendedores que fecharam e perderam a sua carteira de negócios (de um dia para o outro) e assistimos a muitos trabalhadores (em suspenso) na incógnita de saber se vão (ou não) regressar ao trabalho.

No meio deste pandemónio há sempre quem encontre mais-valias e perspective oportunidades. A nova fórmula dos gurus da economia (alimentadores de esperança virtuosa perante o desespero alheio).

Parte da nossa economia existe (e subsiste) devido ao nosso (re)encontro comunitário, do turismo à cultura. Sem um regresso a estas práticas que nos definem como indivíduos, e como sociedade, dificilmente haverá normalidade, possível (ou forçada).

E, contrariamente ao que muitos poderão ter considerado, há coisas que nunca irão mudar. Uma parte (significativa) deste processo de desconfinamento não acontece por uma questão de saúde mas pelo regresso (necessário) da economia.

Se há coisa que (a cada dia que passa) nos parece evidente, é a de que temos de aprender a (con)viver com o vírus, com as novas regras de higienização e de distanciamento, sendo “impressionante o número de pessoas que esperam que uma catástrofe seja a oportunidade para resolver problemas” e que de forma visionária (e magnânima) proponha que se altere (radicalmente) “o modelo de sociedade”, substituindo “os valores vigentes” e alterando “os padrões de consumo.” (António Barreto, 19/04/20).

Não acredito em processos de purificação colectiva, nem no oportunismo gerado por esta pandemia para regenerarmos a humanidade. No país mais poderoso do mundo, temos o exemplo maior na (pior) gestão de uma crise (sem precedentes) através da desinformação, do divisionismo e no fomento do ódio.

Este é momento em que (aparentemente) somos todos especialistas (no conforto da timeline), local privilegiado para a disseminação de posições extremadas e de (múltiplos) ódios. Neste tempo extraordinário, a única certeza que temos é a de não ter (ou ninguém deter) certeza(s) sobre (quase) nada.

Perante o ruído (excessivo) dos ecrãs e do lead noticioso, este deveria (também) ser um tempo de reflexão, para “memória futura e “lucidez no presente”.

E para quem governa na incerteza dos dias, entre a coragem e a loucura, é necessário “uma boa dose de humildade” para benefício de “novos processos de aprendizagem que possibilitem outro tipo de abordagem à realidade” (Rui Torrinha, 24/05/20), com vista à sua transformação e calendarização (futura) no retomar da nossa vida colectiva.

* Publicado na edição de 29/05/20 do Açoriano Oriental
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