sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Em espera

Enquanto a política de austeridade severa do (des)Governo da República se mantém e se agrava, este vocifera que está a “modernizar” o país e acena com os indicadores económicos no sentido de reafirmar que o caminho é este. Na rua, os portugueses dão-se conta de uma outra realidade que não aquela veiculada e propagandeada pelos apaniguados do regime nos jornais, rádios e televisões.

Não deixa de ser surpreendente que se cante vitória perante a colocação de dívida nos mercados financeiros e ao mesmo tempo seja anunciado o alargamento da contribuição extraordinária de solidariedade (CES), aprovada na passada quinta-feira pelo Governo, cuja alteração vai afectar mais 136.296 pensionistas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e da Segurança Social, que recebem pensões entre mil e 1350 euros e que até agora eram poupados aos cortes. Quem recebe entre 1350 e 4611 euros não é afectado pela revisão da CES. As pensões acima de 4611 euros verão o corte agravar-se, mas, em termos relativos, o esforço maior é pedido a quem até agora era poupado. O mesmo acontece nos cortes aos trabalhadores do sector público, cujos escalões mais baixos eram poupados e que agora não o são.

Todo este cenário destoa daquele que o governo pressupõe que seja e cujos resultados económicos prevê para o corrente ano. Não me parece razoável pressupor que a economia não sofra com o encolher do poder de compra dos portugueses. Aliás, já vimos quais foram os resultados deste tipo de medidas em anos anteriores.

Ao fim de três anos é incrível que apenas se perpetue um clima recessivo e não se viabilize uma “agenda positiva”, focalizada no crescimento económico e numa consequente prosperidade, com claros benefícios para a receita do Estado.

Apesar de Passos Coelho afirmar que tem em curso uma agenda de modernização do país e que a mesma ”não cabe numa legislatura”, segundo o próprio em declarações na apresentação pública da sua recandidatura à liderança do PSD, a verdade é que não se fizeram reformas estruturais na máquina do Estado, apenas cortes, na sua maioria cegos, que mascaram as insuficiências e incapacidades do governo a que ele preside. Aliás, torna-se cada vez mais penoso ouvir o rol de insignificâncias e dislates com que o Primeiro-Ministro nos brinda a cada aparição que faz.

O país está em estado de choque, os Açores também. E com a fiscalização preventiva do orçamento regional temos uma região em espera, perante um tempo que não espera e exige respostas céleres e eficazes. As medidas previstas pelo governo regional e que visam contrariar toda esta incerteza estão, assim, adiadas.

Eusébio

A morte de Eusébio é algo que devemos todos lamentar. Contudo, considero que não deixa de ser simbólico o nível da discussão em torno da trasladação ou não do futebolista para o Panteão Nacional. O momento que o país vive é de desnorte, já sabemos. E o futebol tende a ser, para muitos, o escape ao seu inferno diário. Não tenho uma opinião concreta se o mesmo deve ou não estar ao lado dos maiores nomes da história do país. Podemos sim, a partir desta questão, discutir o que é que simboliza o Panteão Nacional e quem lá deve ter lugar. Os ânimos, nestas circunstâncias, tendem a exaltar-se mas é curioso que, por razões bem mais simbólicas e concretas, não se discuta acaloradamente e com tamanha veemência o destino de todos nós.


* Publicado na edição de 13/01/14 do AO
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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Uma opção política

O anúncio da decisão do Representante da República para os Açores de enviar o orçamento regional para fiscalização preventiva não constituiu uma surpresa. Para mim, não.

Independentemente daquilo que se possa decidir autonomamente, temos (teremos sempre?!) o crivo da aprovação (fiscalização) constitucional da República sobre as decisões políticas legitimamente assumidas na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

A guerrilha da República em torno da aprovação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores já provou a forma de ser, pensar e estar da Presidência da República em torno das suas regiões autónomas, em particular, dos Açores. Sim, porquanto em relação ao muito que é dito e não é cumprido na ilha da Madeira o silêncio tem sido a palavra de ordem no Palácio de Belém. Apenas interrompido pelo sorriso de uma cagarra na viagem relâmpago (e de demonstração da soberania nacional) às Ilhas Selvagens.

Com isto não pretendo dizer que devemos confrontar ostensivamente a República, nem que devamos utilizar de forma leviana o estatuto que nos rege. Considero, contudo, que o actual inquilino do Palácio de Belém tem um ressentimento para com o devir autonómico, o qual ficou patente na já célebre comunicação ao país de 30 de Julho de 2008. Um momento inolvidável.

Os argumentos utilizados para justificar a promulgação do Orçamento de Estado (OE) para 2014 são válidos para o país mas não o são para os Açores. Existindo ou não dúvidas sobre algumas normas contidas no OE, o Presidente da República não teve dúvidas em promulgar o mesmo, com o objectivo de ver cumpridas as metas orçamentais para este ano e os objectivos com que o país se comprometeu perante os credores externos.

O Representante da República para os Açores não teve o mesmo entendimento quanto ao orçamento regional. No último dia útil de 2013 solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade da remuneração complementar regional.

Convém relembrar que este diploma existe deste 2000, e sofreu alterações em 2001, 2002, 2010 e 2012, e apenas nesta última alteração é que a mesma suscitou dúvidas ao Representante da República sobre a sua conformidade com o princípio da unidade do Estado, com o princípio da solidariedade nacional e com o princípio da igualdade. Esta opção merece uma leitura atenta e dela devem ser retiradas ilações.

Mais: esta é a primeira vez que um Orçamento da Região é enviado para fiscalização preventiva da constitucionalidade. Um acto de “gravidade política extrema” nas palavras contundentes de Vasco Cordeiro, na declaração que proferiu na sua reacção à decisão do Representante da República.

Para o Presidente do Governo Regional esta opção configura “um julgamento da nossa Autonomia e daquilo que ela significa” para os açorianos. Este sentimento de desconfiança não é de agora e é curioso que o mesmo se manifeste de forma mais intensa num período em que são necessárias medidas excepcionais para conter as vicissitudes de um tempo particularmente difícil na vida de todos os portugueses, perante o qual os açorianos não estão à margem nem são excepção mas que, felizmente, por aqui, se podem socorrer de mecanismos que tentam minimizar os efeitos da atual crise económica.

Este é um caminho diferente do Governo da República, não é uma birra, nem é uma afronta - é uma opção política.


* Publicado na edição de 06/01/14 do AO
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Melhores dias virão

Apesar do que nos disse o Primeiro-Ministro - que a economia "começou a dar a volta" e que "os melhores anos ainda estão para vir" - o próximo ano não vai ser nada fácil para a maioria dos portugueses, tal como 2013 não o foi.

Ao contrário dos ministros, dos seus gabinetes e dos partidários da austeridade e do "custe o que custar" a realidade que hoje temos é muito pior do que a que tínhamos antes do exercício deste governo. Não faz sentido apelidar de "milagre económico" os tímidos sinais de retoma que eventualmente possam existir. Sim, porque nem a economia cresce indefinidamente - como já vimos - nem a queda é eterna, como é óbvio. Como escreveu Henrique Monteiro, "o desemprego tem vindo a baixar em relação ao auge, mas está muito acima do que era. Além das considerações anteriores, há que contar com o efeito emigração. Na verdade, se todos os desempregados emigrassem, não haveria desemprego". Algo que muito provavelmente seria do agrado deste governo Passos/Portas. Os sinais são o que são, é certo, mas na sua maioria não decorrem da acção directa do governo, bem pelo contrário. Quanto se fala de exportações ignora-se que na sua maioria estamos a falar da vendas de combustíveis e lubrificantes. E se o saldo comercial é positivo não é preciso exportar muito mais para o conseguirmos. Bastará, para isso, importar muito menos. Uma contingência natural da crise, sendo que sem consumo também não há retoma económica. O que não deixa de ser, na sua essência, uma equação deveras complexa.

Compreendo a necessidade do discurso oficial de transmitir confiança para a economia, para os empresários e para os mercados. Contudo, confiança é coisa que os portugueses não sentem, antes pelo contrário, desconfiança é tudo o que sentem em relação ao governo Passos/Portas. Os sinais que perpassam são contraditórios em relação à acção governamental, mais preocupada em comunicar para fora do que olhar para dentro. Por vezes sinto que os portugueses são um empecilho na acção deste governo, estão a mais no quadro que foi desenhado neste suposto projecto de reforma do país em curso.

A contestação popular que decorre das dificuldades por que todos passamos pode atingir outro significado em 2014. Esta previsão é do Economist Intelligence Unit, um think tank independente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e análise económica e, que coloca Portugal no grupo dos países com “alto risco” de agitação social no próximo ano, quando há apenas cinco anos tinha uma classificação de “risco moderado”. Esta é uma tendência a que temos assistido um pouco por todo o mundo, onde as manifestações no Brasil atingiram talvez uma maior dimensão pela reacção em cadeia que geraram e pelo nível de violência a que assistimos. Mas de acordo com Laza Kekic, do Economist Intelligence Unit, ainda que os problemas económicos sejam sempre um pré-requisito para os protestos, não explicam toda a explosão da contestação. “A redução nos rendimentos e a alta taxa de desemprego nem sempre resultam em agitação social. Só quando os problemas económicos são acompanhados por outros elementos de vulnerabilidade há um alto risco de instabilidade. Tais factores incluem uma grande desigualdade nos rendimentos, um governo fraco, baixos níveis de apoio social, tensões étnicas e um historial de violência e desordem pública. Recentemente, a faísca para os tumultos tem sido a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da democracia”, afirma a Economist citando Laza Kekic (Público, 27/12/13). Digamos que em Portugal existem condições para que os protestos possam assumir outra escala e dimensão, extravasando o carácter ordeiro e pacífico que se tem verificado até aqui. E não é Mário Soares que o diz. Quem olha o país a partir do exterior sente a tensão que hoje se vive entre nós. Ignorar isto é, no mínimo, perigoso.

Melhores dias virão, é certo. No próximo ano é que não.


* Publicado na edição de 30/10/13 do AO
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