Ponta Delgada ficou, uma vez mais, fora do roteiro das estreias nacionais.
Este exemplo (simbólico) é apenas uma prova da ausência de uma estratégia consistente em torno do que se pretende para a cidade em termos culturais, apenas ditada por uma vontade aparente, feita de palavras vãs e de estudos feitos por medida.
Como é que uma cidade define como objectivo final do seu desenvolvimento estratégico, realizar uma candidatura a Capital Europeia da Cultura (em 2027), se não consegue garantir algo, tão banal, como a estreia nacional de um dos maiores acontecimentos cinematográficos do ano? - e não estou a ser, sequer, muito exigente.
Importa recordar que Ponta Delgada esteve sem exibição de cinema comercial durante quase um ano (entre Fevereiro e Agosto de 2013).
Neste período, foram muitas as vozes que se levantaram para que existisse uma sala pública que garantisse essa função.
Tal não foi possível, nem sequer é compaginável com as regras impostas, actualmente, pelo sistema de distribuição, concentrado em pequenas salas, com múltiplas sessões diárias.
Felizmente, durante esse período, o 9500 Cineclube, com sede no Solmar Avenida Center, garantiu a exibição de cinema na cidade, através da sua actividade regular, composta por ciclos temáticos, cinema de autor (e documental) e dedicado à nova produção cinematográfica nacional.
Contudo, as condições de exibição e a ausência de apoios públicos para manter a regularidade, e uma maior consistência da programação, fizeram com que esta resposta não correspondesse às expectativas do público.
No entanto, esta é, e foi, uma acção muito importante, desenvolvida por amor e paixão, e sem qualquer contrapartida financeira, por parte dos elementos da direcção do 9500 Cineclube, aos quais deixo uma palavra de estímulo pelo trabalho que continuam a desenvolver.
O encerramento de cinemas tem sido uma constante, por todo o país, devido à profunda alteração dos hábitos de fruição cultural (e dos downloads ilegais), por intermédio de uma plateia que não tem tempo a perder.
Mesmo e apesar disto, os cinemas têm sido repescados como importantes elementos de revitalização dos centros históricos, não em formato multiplex, mas apontando a públicos mais especializados, exibindo aquilo que não tem lugar num espaço mais massificado.
A recuperação do Cinema Batalha, na cidade do Porto, com um projecto de arquitectura do mestre Alexandre Alves Costa, é um bom exemplo daquilo que devemos seguir, envolvendo, para o efeito, a comunidade local.
Apesar de Ponta Delgada ter recuperado a exibição comercial de cinema, o facto é que a programação existente não contempla uma série de opções, bloqueando o público cinéfilo do acesso a uma maior diversidade.
Caberá ao exibidor privado garantir esse desígnio? Provavelmente não, na medida em que a sustentabilidade da sua actividade dependerá de um outro conjunto de acções. Simultaneamente, esta mesma opção afastará, paradoxalmente, um público potencial.
A Cultura requer conhecimento, investimento e a criação de boas práticas. Sem um sólido desenvolvimento sócio-cultural, não será um plano (nem o Turismo) que o garantirá.
* Publicado na edição de 24/07/17 do AO
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