Como avalia a produção/criação cultural em ilhas como os Açores?
Os Açores estão distantes dos grandes centros urbanos, onde, habitualmente, está centrada a dita efervescência criativa e a plena cobertura mediática daquilo que é novo. Isto não é forçosamente mau. Considero que esta questão, hoje, deixou de ser um problema. Na avidez da procura pelo que é diferente, distante e exótico, os Açores podem posicionar-se como um centro fora do centro e ser, ou estar, simultaneamente, no centro, que não apenas o geográfico. Na Cultura, como no resto, temos de olhar os Açores como uma realidade a diferentes velocidades, com múltiplas personalidades e geografias. Ao contrário daquilo que é percepcionado, daqui resultará uma das suas maiores riquezas. O alicerce da idiossincrasia açoriana garante uma riqueza identitária, patrimonial e cultural muito diversa e, por essa via, muito interessante.
Que desafios se colocam à relação tradição/modernidade no desenvolvimento da cultura da região?
As últimas décadas dotaram as ilhas de espaços de fruição e de criação propícios ao melhor desenvolvimento da produção e da criação cultural. Simultaneamente, vimos regressar ao arquipélago um conjunto de profissionais em diversas áreas de especialização que antes não existiam e que procura uma base sólida para desenvolver a sua actividade. Acredito que o futuro passa, inexoravelmente, pela criação de um percurso profissionalizante para as instituições/criadores regionais e por garantir a circulação e a distribuição, dentro e fora de portas, dos objectos criados. Fazer crescer cultural e socialmente uma comunidade requer investimento e continuidade num trabalho em parceria, na partilha e na prossecução de objectivos comuns. Os desafios são mais que muitos. É essencial pensar a cultura como um factor de desenvolvimento estratégico e não como um adorno.
O que é e deve ser a cultura açoriana?
Tenho alguma dificuldade em responder a esta questão, na medida em que não gosto de definir um caixilho (ou espartilho) ao que comummente se entende por “cultura açoriana”. Os traços distintivos das nossas tradições são incontestáveis. E isso deveria ser suficiente, sem outros justificativos. As nossas influências são, hoje, globais, pelo que não faz sentido que a cultura sirva como elemento identitário ou reactivo ao elemento contemporâneo, num tempo de transnacionalidade e de hiper-realidade. A cultura não é um elemento estanque, evolui. Não alimento a natural menorização do palco arquipelágico, nem a depreciação do que se faz entre portas. A geografia das ilhas passou a ser a que nós lhe quisermos conferir.
* Publicado na edição de 11/06/18 do Açoriano Oriental
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