terça-feira, 31 de julho de 2018

A tingir a ilha de castanho

As alterações climáticas são hoje uma certeza, é impossível ignorá-lo, embora há quem considere que se trate de mais um devaneio de alguns ambientalistas (leia-se fundamentalistas).

Os Açores são um pequeno laboratório para o quão drástico podem constituir-se estas mudanças no nosso modo de vida e frágil ecossistema.

Os exemplos (e as tragédias naturais) falam por si.

Assistimos de forma (surpreendentemente) célere a súbitas transformações da paisagem e do clima, quando a discussão sobre as alterações climáticas parece ser (ainda) algo muito distante.

Mas não é. É um problema do presente que pode, sim, alterar significativamente a vida futura neste conjunto de ilhas.

A recente crise económica fez abandonar (ou atrasar) um conjunto de projectos associados à produção de energia com base em fontes renováveis e um conjunto de boas práticas, com vista a alcançarmos o que hoje se designa por desenvolvimento sustentável.

A falta de planeamento (e/ou desrespeito pelo já existente) e a enorme pressão exercida em torno da nossa geografia tem conduzido a múltiplos desequilíbrios, dos quais alguns resultaram na perda de vidas e em custos materiais significativos.

Num período de crescimento económico, como aquele que hoje experienciamos, ninguém questiona se temos capacidade para multiplicar o número de licenciamentos de novas habitações, hotéis e outras tipologias.

Ao incremento do consumo de recursos naturais, nomeadamente, água, e ao aumento exponencial da produção de resíduos sólidos e urbanos, de residentes e de turistas, associado ao normal desempenho da indústria, da agricultura e da pecuária, será que estaremos todos conscientes do impacto que todas estas actividades têm nos recursos disponíveis? Sabemos o limite para a pressão que podemos exercer sobre estes mesmos recursos?

Nos Açores, a natureza é exuberante e tem uma capacidade incrível de regeneração, tendo em conta os sucessivos atentados de que tem sido alvo. Mas até quando?

As estações do ano deixaram de ser constantes e previsíveis, sendo que verão e inverno são, muitas das vezes, coincidentes e prolongam-se para além da barreira temporal.

O clima das ilhas é, por regra, temperado mas está diferente, com clivagens mais acentuadas e extremas, em que após um período de chuva intensa, sucede-se, de forma alternada, um período de seca.

A abundância da água entre nós (pelo menos em São Miguel, noutras ilhas do arquipélago esta situação não se verifica) faz com que nos tivéssemos habituado à sua presença e a conviver, de forma mais ou menos normal, com o seu desperdício.

Em anos, como este, em que a escassez de água faz tingir a ilha (verde) de castanho, seria bom questionarmo-nos sobre aquilo que temos de fazer para reduzir o consumo, evitar o gasto desnecessário e procurar outras soluções para o armazenamento de água, sobretudo, naquela que é necessária para abastecer a pecuária (na medida em que, por exemplo, cada vaca consome, em média, entre 100 a 130 litros de água por dia) - informaçãos obtida em várias fontes 1 / 2 / 3.

O Programa Regional para as Alterações Climáticas (PRAC) não dará todas as respostas e será, inevitavelmente, ineficiente, se cada um de nós não cumprir com a parte que lhe compete.

É tempo de deixarmo-nos de lamuriar por aí e passarmos a agir de forma responsável, individual e colectivamente.


* Publicado na edição de 30/07/18 do Açoriano Oriental
** Blog X 
*** Twitter X
**** Email X

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Um caminho de futuro

O festival Walk & Talk (W&T) acontece há oito edições e este ano decorre, em São Miguel, entre 29 Junho e 14 Julho.

Para quem está mais atento, e tem acompanhado a trajectória deste projecto, o W&T está diferente e pouco, ou nada, tem a ver com aquele que se deu a conhecer de início, o qual preconizava a criação de um “museu a céu aberto” (com recurso a grandes murais), ideia que rapidamente abandonou mas que ainda perdura na memória de muitos.

Esta questão é pertinente, na medida em que o festival cresceu, diversificando e alargando o seu espectro e a sua acção, acompanhando, paralelamente, o desenvolvimento que a ilha, também, evidencia. E, tal como o arquipélago, deu-se a conhecer ao mundo. Não sei se podemos falar de maturidade, esta leitura pode parecer paternalista, e desnecessária, mas o reconhecimento obtido com a atribuição de um apoio da Direção-Geral das Artes, no primeiro ano em que os agentes culturais das regiões autónomas conseguiram concorrer, confere-lhe uma maior responsabilidade, rumo a uma crescente, e necessária, profissionalização do tecido artístico/criativo regional.

Não obstante as recentes conquistas, e todo o trabalho evidenciado até aqui, considero que os objectivos a que o festival se propôs, e propõe, só farão pleno sentido na construção de uma dinâmica consistente e sustentada da actividade cultural e criativa na(s) ilha(s).

Este será, talvez, parte de um longo processo.

Num espaço geográfico circunscrito, por natureza, conservador nas atitudes e nas opiniões, a ingenuidade e irreverência (iniciais) foram importantes para a sua afirmação. O W&T colocou os Açores no mapa (e no roteiro) da criação contemporânea, uma conquista que ninguém ignora.

Contudo, considero fundamental que o W&T abandone o (seu) carácter efémero, na medida em que existem mais Açores para além do período em que o festival ocorre.

A criação de hábitos de fruição e de visitação a espaços e a locais de cultura é, ainda, entre nós, um desafio. Importa pois, por isso, que o festival expanda a sua presença ao longo do ano, combatendo uma aparente guetização, cuja repercussão não pode ficar circunscrita às redes sociais e à imprensa, sabendo (sempre) à partida que estaremos a falar de um público restrito. Convém não ignorarmos este dado, sendo que não há nenhum problema com isso.

A importância de tornar acessível o contacto com a criação e com os criadores contemporâneos, nacionais e internacionais, junto de um público menos familiarizado com um conjunto de linguagens, conceitos e temáticas que, habitualmente, não fazem parte do discurso cultural do arquipélago, torna-o especial.

Afirmar a importância da cultura, como parte integrante da formação e da educação desta comunidade, pela introdução à contemporaneidade com recurso às artes, é um caminho de futuro, que fará, acredito e espero, toda a diferença.

A bem da(s) ilha(s).

* Publicado na edição de 09/07/18 do Açoriano Oriental
** Blog X 
*** Twitter X
**** Email X

terça-feira, 3 de julho de 2018

Destempo

A existência de um plano (desenvolvimento estratégico; director municipal ou marketing), concreto e objectivo quanto às decisões que afectam o nosso futuro colectivo, constitui um importante instrumento de gestão na assumpção do compromisso público para com a comunidade e o território a intervir.

Infelizmente nem sempre é assim e, demasiadas vezes, somos confrontados com resoluções que enfermam de uma visão de curto prazo, de contornos pouco claros, na resposta a um anseio populista, local, ou corporativo, o qual, na maioria das situações, não resulta de uma planificação integrada (ou sustentada).

Por estes dias contestar algumas opções de investimento, significa assumir uma posição minoritária face ao que é entendido como um desígnio comum e a necessidade (inadiável) de concretizar as reivindicações de determinada população, município ou ilha.

A democracia não é uma via de sentido único, exige reciprocidade, importa, por isso, que os diferentes interlocutores, em particular, os representantes eleitos, a saibam interpretar e a façam cumprir.

De igual modo, não basta exigir aos outros, nem vale desresponsabilizarmo-nos de cumprir com a nossa acção cívica, delegando-a em terceiros, apontando o dedo aos suspeitos do costume, numa interminável ladainha miserabilista, apanágio destes dias da indignação em tempo real.

Ao contrário do que se possa pensar, existem um número significativo de mecanismos públicos e privados que dão respostas a questões de governança.

Na maioria das vezes não nos socorremos delas, por desconhecimento ou por desleixo ou, muito simplesmente, porque afirmamos não nos interessar por política, na esperança que outros o façam por nós.

A história encarrega-se de demonstrar que sempre procurarmos justificar a nossa incapacidade, ou insucesso, com um bode expiatório, seja ele o árbitro ou a comissão europeia, ou, ainda, na vã tentativa de elencar uma figura messiânica que nos guie, novamente, para no esforço mínimo, obter a renda máxima.

Nestas últimas semanas muito se tem falado da forte probabilidade de existirem cortes nos apoios comunitários, nos quais os Açores seriam, também, naturalmente, afectados.

Contudo, e contrariando as (minhas) expectativas, o Comissário Europeu da Agricultura e do Desenvolvimento Rural em visita ao Presidente do Governo afirmou que, afinal, não haveriam cortes no programa POSEI, no âmbito do próximo quadro financeiro plurianual para o período 2021-2027.

A notícia não podia ser melhor. Não obstante, o lamento manteve-se de forma transversal, pois a intenção é que os apoios fossem aumentados (!). Observei alguns dos comentários com relativa incredulidade, se os apoios tivessem sido reduzidos: estaríamos preparados, que soluções existiriam?

Esperei que durante este período se desse início a uma ampla reflexão quanto às mudanças em curso no seio da União Europeia. Tal não veio a acontecer, no sentido de avançarmos com soluções ou planos alternativos para que se sejam previstos projectos de diversificação agrícola que possam, eventualmente, compensar, ou minimizar, futuras quebras de financiamento comunitário.

Esta parece-me ser uma questão inevitável, tal como o impacto (futuro) das alterações climáticas no nosso modo de vida.

Nesta situação, como em outras, a prevenção será, sempre, mais conveniente do que uma (re)acção a destempo.

* Publicado na edição de 02/07/18 do Açoriano Oriental
** Blog X 
*** Twitter X
**** Email X