Neste início de outubro, parece-me oportuno reflectir sobre a profusa animação turística estival, vendida como tradição e mascarada de modernidade (pelo upgrade a festival com DJ incluído).
Uma parte significativa dos municípios dos Açores não consigna o que deve à componente cultural (cultura não é sinónimo de desporto) e não planifica a sua agenda com a devida antecedência. A maioria das iniciativas está concentrada no verão, na transmutação e amplificação das festas religiosas e do feriado municipal, num modelo que poucas alterações conhece e cuja implementação é orçada em ‘copy paste’.
Existem, sempre, excepções mas não se compreende porque é que negligenciamos a imperiosa articulação entre entidades, sejam elas privadas, municipais e/ou governamentais.
Continuamos a agir sem olhar aos interesses de quem nos visita, assumindo que vão comer e vão gostar. Quem procura os Açores (e quem tem amor por estas ilhas) não quer ser surpreendido com a realização de uma festa nas margens da Lagoa das Sete Cidades, num local que diz ser ‘nature friendly’ e cuja promoção assenta no (melhor) equilíbrio entre o homem e a natureza.
Com isto não estou a defender o fim deste tipo de iniciativas, devem ter, como espero que tenham, um enquadramento próprio e, compreensivelmente, não podem ser realizadas em qualquer lugar.
Contrariamente ao que é difundido (anualmente, por exemplo, na BTL, pelas mais diversas entidades), o programa de animação turística do arquipélago apenas responde ao consumo interno, pelo que assumir que se está a promover um cartaz de índole internacional é desconhecer, de forma grosseira, a agenda cultural dos países (e cidades) de origem da maioria dos nossos visitantes.
Outro aspecto que importa clarificar, e que é dado a equívocos, é confundir animação turística com criação artística.
Ambos os universos devem coexistir e trabalhar de forma articulada, algo que, tendencialmente, não acontece apesar da nossa reduzida escala.
Este assunto é entendido, por muito boa gente, como não prioritário, mas não podemos afirmar que, culturalmente, somos X, Y e Z quando, estrategicamente, não se investe, consubstancialmente, na preservação e difusão do riquíssimo património que afirmarmos ter, seja ele ambiental, patrimonial ou religioso. Assim como, no apoio ao funcionamento regular dos agentes e criadores regionais.
Os objectivos de um legítimo empresário na promoção de uma festa/festival, não serão exactamente os mesmos de quem produz uma exposição de fotografia ou dirige uma orquestra/filarmónica. O valor económico inerente a cada uma destas actividades pressupõe um apoio, e um olhar, diferenciado pelas entidades que as tutelam (e acompanham).
A dimensão cultural exige uma atenção particular que não pode ser balizada pelo incremento turístico, pois, em primeira instância, estão, espero eu, os que aqui residem e querem trabalhar.
Também, aqui, deve existir uma clara definição de quem apoia o quê, nomeadamente, na reciprocidade deste diálogo entre turismo e cultura.
Primeiro estão as pessoas, o resto vem depois.
* Publicado na edição de 08/10/18 do Açoriano Oriental
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