Uma das conquistas mais importantes da última legislatura, no que concerne ao trabalho de articulação entre os governos dos Açores e da República, foi a possibilidade das estruturas artísticas regionais terem acesso aos apoios nacionais atribuídos pela Direcção-Geral das Artes (DGArtes).
O usufruto desta medida introduz a equidade (há muito reclamada) e põe termo ao sentimento de injustiça com que estivemos confrontados (durante décadas).
Por estes dias ficamos a saber os resultados provisórios dos concursos de financiamento à Cultura para o biénio 2020/2021, cabendo “aos agentes culturais dos Açores, cujas candidaturas foram aprovadas, cerca de 343,4 mil euros”, o que significa que para a região “virão mais 126,8 mil euros do que nos dois anos anteriores” (Açoriano Oriental, 18/10/19). Apesar disto, os Açores são “a região do país que menos apoio da DGArtes recebe”, consequência, em larga medida, do ostracismo a que estivemos acometidos.
Este anúncio da DGArtes gerou um rol de protestos, sobretudo, porque deixaram sem apoio 75 das 177 candidaturas consideradas elegíveis pelos júris. Os resultados divulgados são provisórios, seguindo-se a fase de audiência que termina a 25 de outubro.
Além da exigência de um reforço na dotação dos concursos que estenda o financiamento público a todas as candidaturas elegíveis, os artistas exigem a revisão do modelo de apoio às artes e a abertura de uma via de diálogo entre o Ministério da Cultura e o sector artístico (Público, 18/10/19).
A contestação é legítima e deve ser entendida como um direito, cujo valor reivindicativo sobe de tom pelo simples facto de existir um número elevado de candidaturas consideradas elegíveis e não existir apoio atribuído por falta de orçamento.
Se é certo que devemos caminhar no sentido de existirem melhores condições de apoio à criação artística e à redução da precariedade laboral (dos profissionais deste sector), não é menos verdade que, de igual modo, devem ser garantidas condições financeiras às entidades e instituições (públicas e privadas) que acolhem o resultado gerado por este investimento (público).
Permitam-me a seguinte questão: qual o sentido de incentivar um artista (ou estrutura) a criar se, no momento de apresentar o trabalho realizado, as instituições (a quem cabe o papel de acolhimento), não têm capacidade para o(s) contratar?
Este aparente paradoxo não é de hoje mas existirá, porventura, uma maior percepção para as dificuldades inerentes à circulação de obras e de artistas pelo território nacional, no qual as ilhas não são excepção. Até pelo contrário, a nossa condição arquipelágica agrava, sobremaneira, o acesso e a itinerância (artística) que se impõe.
A Lei n.º 81/2019 criou a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) existindo uma enorme expectativa quanto à sua implementação a partir de 1 de janeiro de 2020, com vista à diluição de assimetrias num país pequeno mas profundamente desigual.
Este é um sector frágil cujo trabalho de concertação será, quase sempre, insuficiente para dirimir as contingências com que está confrontado. A exigência por um maior financiamento caberá, naturalmente, aos dirigentes que gerem os destinos destas instituições mas importa que os artistas percebam que a defesa do seu trabalho passará, também, pelo apoio incondicional às instituições que os recebem.
Este é um caminho de diálogo feito de reciprocidade(s), não pode ter um carácter unívoco, para que a cultura “não seja qualquer coisa de decorativa, mas estrutural” (Paulo Pires do Vale comissário do Plano Nacional da Artes).
* Publicado na edição de 21/10/19 do Açoriano Oriental
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