A convite do Clube de História da Fundação Sousa d’Oliveira participei numa conversa sobre “A Cultura dos Açores: qual futuro?”.
O espaço foi moderado pela jornalista Teresa Nóbrega e partilhei o tempo de antena com Nélia Alves-Guimarães, vereadora da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, e Pedro Gomes (que aqui despiu a pele de advogado).
O tema era ambicioso e, ao contrário de algumas expectativas, ninguém vaticinou prognósticos sobre o futuro. Confrontados com o tempo disponível deambulamos sobre uma leitura do presente, elencando prioridades futuras. A abrangência do assunto materializou-se numa leitura diversa, segundo a forma como nos posicionamos neste território.
Na minha perspectiva, a Cultura nos Açores está demasiado ancorada sobre o prisma da salvaguarda das tradições e do património, num círculo estanque que necessita, forçosamente, de ser dado a conhecer à maioria da população residente.
Por estes dias ouvimos, frequentemente, que a (nossa) Cultura deve ser experienciada (=vendida) por aqueles que nos visitam, como se fosse essa a razão maior da sua existência. Parece-me extemporâneo (e paradoxal), na medida em que uma dose significativa dos residentes não a conhece (nem participa num conjunto significativo de iniciativas, a não ser nas de pendor tradicional e popular agora convertidas em animação turística).
Como é que divulgamos a Cultura (que nos assiste) se desconhecemos (em larga medida) aquilo que somos, porque agimos de determinada maneira ou edificamos as casas desta forma ou com aquela cor?
Outro dado que me pareceu relevante, para esta discussão, tem de ver com a forma como olhamos a descontinuidade arquipelágica. As ilhas são todas diferentes nas suas semelhanças e existem, em cada uma delas, enormes assimetrias que se acentuam do(s) centro(s) para a(s) periferia(s).
Os agentes ao serviço da Cultura repetem até à exaustão a necessidade de trabalhar ‘novos públicos’ porque a fruição cultural (hoje) acontece em diferentes camadas e numa profusão de canais. Pelo que é importante relembrar que a informação já não chega (apenas) pela RTP-Açores e que os meios tradicionais perdem (todos os dias) audiência para as outras plataformas.
O mesmo se passa com os espaços formais associados às actividades culturais, sejam eles museus, bibliotecas ou salas de espectáculo. A renovação de públicos é um desafio do presente, por forma a perspectivarmos um futuro. E não são os turistas que vão resolver o problema, o acréscimo de visitantes estrangeiros é muito importante mas o foco principal deve continuar a ser o residente e o seu acesso (regular) a locais de cultura.
Este continua a ser um desígnio de enorme importância e que, inevitavelmente, implica um reforço da dotação orçamental para a renovação de conteúdos, a criação e a circulação de obras (e artistas), sendo certo que estes espaços não podem funcionar segundo “a lógica do sucesso de um programa de televisão” ou “de um blockbuster" (João Fernandes, Público 20/10/19).
Para tal é imperioso olhar os números para além daquilo que eles nos dizem, conhecer o território e chegar às pessoas.
E faz sentido falar de Cultura se esta não tiver público?
Respondo com uma frase retirada de uma entrevista de Edgar Morin à Folha de São Paulo (24/06/19): “ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial”.
* Publicado na edição de 04/11/19 do Açoriano Oriental
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