Este é um daqueles momentos em que a realidade parece ter suplantado a ficção.
Se já (antes) tínhamos esta percepção, num tempo de múltiplas incertezas, das alterações climáticas à política, este novo quotidiano que (todos) experienciamos valida este dado incontornável que mais parece um argumento saído de um filme-catástrofe.
É difícil contornar o vírus que nos contamina, amedronta e paralisa como sociedade (globalizada).
A rotina destes dias remete-nos para uma realidade distópica, na qual uma larga percentagem da população (mundial) acatou, sem precedentes na história recente, uma ordem de confinamento e de isolamento social para suster a pandemia.
Este é, também, um tempo propício a uma “epidemia de informação”, na medida em que “as pessoas prestam mais atenção às informações negativas” e “sentem-se mais motivadas a transmiti-las aos outros” sobretudo, agora, que estão ligadas o tempo todo (Samuel Paul Veissiere, 14/03/20).
Este comportamento é inteiramente justificável perante o receio de algo que nos é desconhecido (e estranho), e porque necessitamos encontrar uma razão para justificar o que nos está a acontecer. Proliferam as teorias da conspiração, o estigma e a exacerbação de estereótipos: há quem acredite no anátema do estrangeiro ou do vírus que veio do longe; ou da punição da mãe natureza à acção do homem sobre o planeta.
O “pânico moral” difunde-se a uma velocidade estonteante perante a avalanche informativa, promove o medo e o receio perante as dúvidas de uma cura que não se compagina com o horizonte temporal da racionalidade económica (e da necessária normalização dos tempos modernos).
As ilhas (já) não estão isoladas, a distância geográfica aqui não funciona como defesa natural, apesar de, por estes dias, procurarmos um corte umbilical com a conectividade que sempre lutamos por ter, por forma a tentarmos (sós) conter os malefícios desta (nova) peste que nos remete para uma “memória arcaica” e de “temores que pensávamos esquecidos e enterrados” (Paulo Pires do Vale, 20/03/20).
Paralelamente, há quem acredite que, depois de tudo isto, a humanidade sairá reforçada e que iremos todos (empresas, estado, indivíduos e sociedade) agir melhor e, de forma, mais solidária. Será que perante esta (nova) crise económica abrupta (e total), haverá espaço para repensarmos todo o percurso até aqui ou, no dia seguinte, haverá necessidade de acelerar todo o processo económico na reposição do tempo perdido e dos rendimentos das famílias?
O mundo como o conhecemos será, inevitavelmente, diferente. Resta saber quanto e em que medida?
Iremos alterar a nossa forma de mobilidade? Se assim for o turismo, como hoje o conhecemos, irá sofrer um duro reajustamento.
Para o filósofo Yuval Noah Harari (21/03/20), a solução de futuro não passa por desmantelar o nosso sistema global de comércio e transportes, pois isto “não nos protegerá verdadeiramente de epidemias futuras” mas, sim, por mais “investigação científica”, pela “troca de informações mais aberta” e pela “criação de um sistema de saúde verdadeiramente global”.
Desejo que esta seja, efectivamente, uma “anormalidade temporária” e que este seja o tempo de (primeiro) cuidar dos vivos, para que a economia recupere depois (Rui Tavares, 18/03/20).
* Publicado na edição de 23/03/20 do Açoriano Oriental
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