terça-feira, 29 de outubro de 2024

Equilíbrio(s)

Após o crescimento exponencial da actividade turística, nos anos seguintes à pandemia, o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre Portugal, revela que o peso do turismo no total da criação de riqueza do país tenderá a diminuir (até 2029).

A principal razão para esta trajectória, reside no abrandamento da economia global, com inevitáveis repercussões nos principais mercados emissores. O turismo é, neste momento, o garante do excedente na balança comercial (em comparação com a exportação de bens), fazendo com que qualquer perturbação externa tenha um forte impacto na cadeia de valor.

Não obstante estas previsões, os dados da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), no período entre junho e setembro, deste ano, sinalizam uma taxa de ocupação média de 81% (nos Açores e Madeira o valor chegou aos 91%, com um subsequente aumento nas receitas e na duração das estadas).

Os indicadores são promissores, mas ao passo que a época alta já não constitui um desafio na pressão pela procura pelo destino (Açores), cuja promoção tem de ser continuadamente trabalhada, a sazonalidade turística é o desafio que, de momento, importa mitigar.

Tal como referido, recentemente, pelo representante da Associação do Alojamento Local dos Açores, “torna-se urgente assegurar um fluxo turístico contínuo ao longo de todo o ano, sendo, no entanto, necessário um maior investimento e planeamento antecipado, para que todas as ilhas possam beneficiar de forma justa e equilibrada, através de uma distribuição de fluxos turísticos mais cuidada”.

A distribuição equitativa dos fluxos turísticos por todas as ilhas é algo pelo qual devemos pugnar, sabendo de antemão que as condições de acolhimento (oferta de alojamento, restauração, animação turística, viaturas de aluguer, transportes públicos), em todas elas, diferem consideravelmente.

Para além do mais, importaria saber qual a receptividade dos residentes ao incremento da actividade turística, na medida em que é necessária uma disponibilidade acrescida de quem trabalha, nesta área, sobretudo, quando se trata do tempo de lazer (ou de férias) de quem nos bate à porta. E isto, como sabemos, não é óbvio.

O crescimento do turismo no arquipélago é fruto do investimento na notoriedade externa, da melhoria transversal na oferta e da complementaridade dos serviços, em que a natureza foi, e continua a ser, o nosso melhor cartão de visita, aproveitando uma tendência crescente pela procura de locais alternativos (ao turismo de massas), nomeadamente, no turismo de natureza, e como fuga aos locais instituídos e aos roteiros obrigatórios.

Em The Tourist Gaze (1990), John Urry introduz o conceito “tourist gaze”, o qual explora a forma como os turistas olham e interagem com os destinos que visitam.

Para Urry, a democratização do turismo, embora possa conter aspectos positivos, levanta um conjunto de questões e de ambiguidades, na medida em que a expansão da actividade turística poderá conduzir à homogeneização e ao consumo das experiências de forma padronizada, reduzindo a autenticidade dos locais e transformando-os em produtos (indiferenciados) para atender à crescente procura. 

O equilíbrio que procuramos balança, de forma ténue, na intermediação de interesses aparentemente antagónicos, e de diferentes percepções sobre o que significa um crescimento sustentável, sujeito a posições erróneas e que podem gerar equívocos sobre aquilo que queremos ser.

Quando afirmamos que não somos, nem queremos ser um destino de massas, estamos a dizer exactamente o quê?


[+] publicado na edição de 29 outubro 2024 do Açoriano Oriental

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Contraciclo

A produção de electricidade a partir de fontes de energia renovável na ilha de São Miguel, e nos Açores, tem sido um desígnio alimentado nas últimas duas décadas, com o objetivo de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, garantir a independência energética, na medida do que é possível e, concomitantemente, diminuir as emissões de carbono.

No período pós-COVID19, assistimos ao aumento exponencial do consumo energético, sobretudo, por intermédio de novas construções e da reabilitação urbana, maioritariamente, no sector turístico, da proliferação de equipamentos de climatização (que visam dar resposta ao crescente aumento da temperatura), por períodos cada vez mais alargados, e da intensificação de electrificação automóvel (e transportes), os quais constituem-se como novos desafios à produção de electricidade renovável (e não só). 

Este cenário levanta, inevitavelmente, questões sobre a capacidade do sistema eléctrico da ilha em acompanhar o crescimento da procura de energia, sem comprometer os objetivos de sustentabilidade.

As nossas principais fontes de energia renovável (valores anuais acumulados no período homólogo: setembro 2024/2014, dados EDA) são a geotermia (35,3%: 2024, que contrastam com os 43,7% de 2014), a hídrica (5,2%: 2024, 5,5%: 2014) e, em menor escala, a eólica (3%: 2024, 5,1% em 2014). 

Nos Açores, tal como no resto do país, as políticas públicas têm incentivado a aquisição de veículos elétricos através de subsídios e benefícios fiscais. No entanto, a produção de electricidade enfrenta múltiplas limitações, uma vez que, apesar da aposta em fontes renováveis, uma parte significativa da eletricidade continua a ser gerada, como já vimos, por centrais térmicas a partir de combustíveis fósseis (em São Miguel o valor é superior em 10% ao que era produzido há uma década).

A necessidade de descarbonização é um objectivo fundamental nas políticas para a transição energética, mas no ponto em que estamos, este desiderato comporta uma enorme contradição, na medida em que o incentivo à aquisição de veículos elétricos conduz à redução da dependência dos combustíveis fósseis, mas a eletricidade que os alimenta é, ainda, em grande medida, produzida por fontes não renováveis.

Apesar disto, não podemos ignorar que a insularidade impõe barreiras logísticas e económicas que tornam mais exigente a implementação de novos sistemas energéticos. 

Os condicionalismos na expansão da produção de energia renovável, em particular, da geotermia, na ilha de São Miguel, são sobejamente conhecidos, as barreiras geográficas (e a impossibilidade de interligação com outras redes eléctricas), os relacionados com as limitações tecnológicas (na variabilidade entre a produção e a procura, entre as horas de pico e vazio e a impossibilidade do seu armazenamento), e as inerentes dificuldades e custos operacionais da sua exploração. Contudo, devemos estar mais focados nas soluções, e menos nos problemas e na justificação do nosso atraso. 

A Estratégia Açoriana para a Energia 2030 (publicada em dezembro de 2022) prevê, até 2030, uma meta relativamente ambiciosa, produzir 70% de eletricidade renovável pelo aumento do rácio de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renovável (recordo que o valor nacional é de 80% e que a região previa, em 2015, que fosse possível alcançar os 78% em São Miguel).

Neste dado momento, os indicadores apontam em sentido contrário (e em contraciclo com tudo aquilo que é defendido individual e colectivamente), pelo que será determinante retomar o caminho certo (para não ser lido como greenwashing), o do investimento continuado no incremento da produção de energia renovável. 


[+] publicado na edição de 15 outubro 2024 do Açoriano Oriental

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Erro(s)

Nos últimos anos, Ponta Delgada tem assistido ao aumento exponencial do número de turistas que aportam à cidade (e à ilha). Este crescimento tem representado, cumulativamente, um acréscimo na circulação de automóveis nas nossas ruas.

O fluxo diário de milhares de carros, em ruas estreitas e com falta de estacionamento, somada às frotas de veículos de aluguer tem conduzido ao aumento nos tempos de deslocação, de acidentes e à irritabilidade, quer de residentes, quer de visitantes.

Uma possível solução passará por incentivar o uso de transportes públicos mais eficientes e, a fundamental e necessária, criação de parques de estacionamento periféricos com transporte público (preferencialmente, gratuito ou a preços acessíveis), sem fazer convergir mais trânsito para o centro. Nesta medida, a intenção de construir um novo parque subterrâneo, em Ponta Delgada, é um erro e um paradoxo.

O incremento da actividade turística, passou a ser essencial para a economia local, mas comporta desafios que a cidade tem de saber enfrentar e dar resposta. Os erros (do presente), como já vimos, em particular, na renovação do Mercado da Graça, pagam-se caro (no futuro)!


[+] publicado na edição de 04 outubro 2024 do Açoriano Oriental