terça-feira, 29 de abril de 2025

Movimento(s), por uma política integrada regional para o livro e leitura

O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor celebra-se a 23 abril, foi comemorado, em São Miguel, com várias iniciativas, das quais destacaria a inauguração da exposição “Fumo do Meu Cachimbo” de Dias de Melo, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, e a “Festa do Livro” na livraria (e editora) Letras Lavadas.

Simbolicamente, o MOVA - Movimento Cívico pela Cultura dosAçores deu, também, a conhecer a sua proposta para a criação de uma Política Integrada Regional para o Livro e Leitura, a qual recomenda a implementação e adopção de um amplo conjunto de acções, entendidas como essenciais para “a redução de desigualdades sociais” e “para construir uma sociedade mais educada, justa e inclusiva.”

O comunicado do MOVA é mais uma tomada de posição pública (coerente), assumindo a dianteira da representação do sector cultural e criativo dos Açores, junto dos poderes instituídos, neste particular, no recentrar da importância do livro junto do papel que representa (e pode significar) no desenvolvimento económico e social deste território.

Os problemas estão amplamente diagnosticados e carecem somente de uma estratégia que permita uma ágil actuação no terreno, coadjuvada pelos recursos necessários, e consentânea com a missão das instituições associativas, privadas e públicas (que lutam todos os dias por uma gritante falta de meios).

Considero esta recomendação muito pertinente, em múltiplas dimensões, até porque vivemos num momento paradoxal, onde assistimos à proliferação de pequenas editoras, cada vez mais especializadas e de nicho, e ao crescimento do consumo do livro por parte de um público mais juvenil (segundo o estudo da Nielsen/GFK para a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) sobre os hábitos de compra e de leitura dos portugueses).

Curiosamente, o programa cheque-livro no valor de 20 euros, pelos jovens nascidos em 2005 e 2006, num universo estimado de 220 mil potenciais beneficiários, foi prolongado até 15 de Julho porque a sua utilização ficou abaixo das expectativas. Segundo os dados partilhados pela Direcção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), até 21 abril, véspera do fim do prazo, tinham sido emitidos 44.959 cheques-livro, tendo sido utilizados 34.442, o que na prática significa que mais de 185 mil destes cheques ficaram por utilizar. Existem várias razões apontadas, como o valor da medida ou os procedimentos administrativos para a sua emissão.

Desconheço os dados da medida regional, ou mesmo a adesão dos jovens leitores açorianos à iniciativa nacional, mas seria útil uma disponibilização para a sua melhor análise.

Termino com a leitura crítica de Mário Vargas Llosa, falecido recentemente, na qual explicita (na sua obra “A Civilização doEspetáculo”) que “o escritor pode prestar um serviço aos seus contemporâneos e salvar o seu ofício da deliquescência em que às vezes parece estar a cair. Se se tratar apenas de entreter, de fazer o ser humano passar um bocado agradável, mergulhado na irrealidade, desligado da sordidez quotidiana, do inferno doméstico ou da angústia económica, numa relaxada indolência espiritual, as ficções da literatura não podem competir com as que fornecem os ecrãs, grandes ou pequenos. As ilusões forjadas com a palavra exigem uma participação ativa do leitor, um esforço de imaginação e, às vezes, tratando-se de literatura moderna, complicadas operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do cinema e da televisão dispensam os espectadores. E estes, em parte por causa disso, tornam-se a cada dia mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que seja intelectualmente exigente.

Os desafios do presente, convocam-nos a todos (sociedade civil), pelo que não podemos remeter as responsabilidades (apenas) para quem decide, os quais devem ser impelidos, isso sim, a melhor governar.

[+] publicado na edição de 29 abril 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem Quetzal

terça-feira, 15 de abril de 2025

Caudal








No último dia da edição, deste ano, do TREMOR, participei no Caudal, uma mesa-redonda em registo informal, a partir da exposição Ponto de Partida, presente no Centro Cultural da Caloura, para uma troca de testemunhos em torno de um conjunto vasto de questões, sobre o passado, presente e futuro (cultural) dos Açores.

O calor e o sol da tarde convidavam a outros prazeres, mas a moderação conduzida pela Maria Emanuel Albergaria, coordenadora intermunicipal do Plano Nacional das Artes, conseguiu agregar a atenção de um punhado de festivaleiros.

Nestes encontros, a conversa tende (não raras vezes) para uma catarse colectiva, invariavelmente, sobre as dificuldades existentes (leia-se financiamento), mas a troca de experiências dos vários intervenientes (NinaMedeiros, Sofia Botelho e Victor Almeida, de gerações distintas) e o diálogo com os participantes fez fluir a partilha.

Muitos dos temas elencados (acessibilidades, diversidade programática, educação e ensino), estão há muito diagnosticados, persistem no espaço e no tempo, com a inerente actualização dos desafios que hoje existem, num mundo cada vez mais global, em que a exigência dos públicos e de um conjunto amplo de agentes, cada vez mais profissional, pressiona as instituições públicas para uma resposta que, na maioria das vezes, não conseguem dar. Aqui, chegamos ao paradoxo em que nos encontramos.

O apoio nacional às entidades regionais consignado pela DGARTES – Direção-Geral das Artes, desde 2018, veio repor uma injustiça com décadas. A possibilidade de apoio (reforçado) à comunidade artística local tem feito consolidar, desde essa data, um conjunto de estruturas e de profissionais, e com isso a sustentação de uma programação regular e a participação em rede com uma plêiade de parceiros nacionais e internacionais.

O TREMOR é disso um exemplo referencial.

Por estes dias, a ultraperiferia passa a ser um centro na difusão, na escala certa, de novos nomes da cena alternativa internacional, assim como, de importantes projetos comunitários locais, e de novos artistas regionais que aqui têm a atenção de um público maioritariamente internacional (este ano vieram de 29 países) e da imprensa especializada.

Do outro lado temos as instituições públicas (onde incluo, inclusive, a DRaC - Direção Regional da Cultura), importantes parceiros destas entidades locais, convocadas para agir reciprocamente, mas com muitas limitações na sua missão, sobretudo, devido a questões de funcionamento (orçamento e manutenção) que devoram e limitam a atenção para aquilo em que deviam estar concentradas em fazer, o apoio intransigente e incondicional ao desenvolvimento da actividade cultural (e artística) regional (e a sua intermediação em rede, dentro e fora da região).

A pertinência é absoluta, num momento da história em que fervilha a discussão em torno dos paradigmas das políticas culturais, nomeadamente, aqueles em que entrecruzam os conceitos de “democratização da cultura” e “democracia cultural”. No primeiro, pretende-se o “alargamento da cultura ‘legitima’ ao maior número possível de pessoas” com a pretensão de reduzir as “desigualdades de acesso à cultura erudita”; o segundo, “reivindica um conceito mais alargado de cultura, dando primazia à cultura de base comunitária, sensível à diversidade cultural (…) sem desprimor pelas práticas artísticas amadoras” (Práticas Culturais dos Portugueses, ICS/FCG).

Estes são dados incontornáveis para a intensificação de políticas culturais (regionais) que implicam, forçosamente, o acesso ao conhecimento sobre hábitos, práticas e gostos culturais que não abundam no país e que no arquipélago são residuais (ou inexistentes).

Neste momento, importaria não abdicar ou reduzir a torrente do “caudal” que brota das ilhas, com risco de o mesmo jorrar para lado nenhum e perder todo o seu fulgor e vitalidade (crescentes).

[+] publicado na edição de 15 abril 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem RTP/A