De que vale afirmar que um acto é legal se tresanda a falta de ética? Este é, ou tem sido, o cerne da questão (familiar) que envolve o actual primeiro-ministro, Luis Montenegro.
Em política a memória é, recorrentemente, curta. E o que
parece, na maioria das vezes, é.
Ao recordar as múltiplas intervenções do anterior líder da
oposição, ficamos na dúvida se estamos a falar da mesma pessoa ou se agora,
agarrado ao poder, o teste do algodão passou a ser outro, no qual nos furtamos
de prestar declarações, vociferamos repetidamente contra a imprensa e os
jornalistas (que têm sido tremendamente benevolentes perante um governo tão
fraco), passamos a vida a exigir aos outros algo que não conseguimos cumprir,
que transparente mais transparente não há e (de peito aberto) abraçamos (e
dramatizamos) uma nova crise como forma de sobrevivência (política), arrastando
a vida pública para um (novo) pântano.
No meio desta turbulência, assistimos ao silêncio
ensurdecedor da Presidência da República e ficamos a saber (pelo Observador)
que Marcelo Rebelo de Sousa “não atendeu a chamada do primeiro-ministro, pois estava com outros afazeres”.
A lucidez (semanal) de António Barreto, remete-nos para a
“ética republicana”, na qual “ausência de medo de perda de honra é o sentimento de impunidade. A ideia de que a justiça nunca chega ou, quando chega, é tarde e mal. (…) A promiscuidade entre política, Administração e Justiça é tão profunda que a complacência tem esse efeito, o de “normalizar” o que não o deveria ser.”
A declaração deste sábado, foi a prova da desfaçatez em que
está enredado o primeiro-ministro, tanto na forma como tenta limpar a sua
imagem pública à custa daqueles que lhe são mais próximos, quer na anódina
tentativa de apelar à emoção, num momento que devia convocar à sobriedade,
prudência e lisura, perante a natureza dos factos.
Tal como sublinhado, lapidarmente, por Pedro Adão e Silva, é
“difícil encontrar uma explicação plausível para alguém pensar que o exercício de funções de primeiro-ministro era compatível com a continuidade de atividade de uma empresa (…) com clientes que existem apenas por pertenceram a uma teia de cumplicidades políticas tecida por Montenegro”. Para concluir que é “chocante
tamanha dose de imprudência.”
Ao contrário do que pensa o governo minoritário de Luis
Montenegro, a questão da legitimidade governamental não termina com o chumbo da
monção de censura apresentada, extemporaneamente, pelo PCP, uma vez que, tal
como defende Francisco Assis, o governo quer transformar este acto “numa moção
de confiança”. E que perante isto, “exige-se um esclarecimento absoluto da situação: ou o Governo é sério e apresenta uma moção de confiança ou, caso contrário, o PS deve apresentar uma moção de censura."
Uma leitura mais depurada deste caso, levanta muitas outras
dúvidas, até pela história recente, tanto que o constitucionalista Reis Novais afirma
que o “Ministério Público deve colocar uma ação para destituição de Montenegro”,
pois aparenta “existir, no mínimo, violação de obrigação de exclusividade pelo
PM, e que este deveria ser, em última análise, demitido pelo PR ou destituído
pelos tribunais”.
A incredulidade em torno deste assunto cresce à medida que
são revelados novos dados, e o Primeiro-Ministro apenas pode queixar-se de si
próprio e do novelo em que se deixou enredar.
O cenário político nacional é incerto, e o país não
precisa(va) de mais crispações, tal como as nuvens que pairam no cenário
internacional, onde o caminho para a paz (e o fim da guerra na Ucrânia)
entraram numa perigosa deriva de proporções apocalípticas que não auguram nada
de bom.
[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental
[++] imagem VolksVargas
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