domingo, 7 de fevereiro de 2010

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O "caso Crespo" e a liberdade

O primeiro-ministro resolveu almoçar com o ministro da Presidência e Jorge Lacão no restaurante do Hotel Tivoli, que é notoriamente frequentado por personagens da política, do jornalismo e dos negócios. Foi um almoço de amigos ou, pelo menos, de colegas de trabalho. Sem qualquer dúvida um acto privado. A certa altura, o director da SIC e Bárbara Guimarães pararam uns minutos na mesa dele e o primeiro-ministro, provavelmente inspirado pela companhia, resolveu dar a sua opinião sobre Mário Crespo, com quem anda com certeza furioso por causa do programa Plano Inclinado. Para Sócrates, como seria de esperar, Mário Crespo é um "problema a resolver", e devia (com Medina Carreira) estar higienicamente metido num manicómio. As pessoas sempre falaram assim na intimidade. Dizer mal do próximo é um prazer velho como o homem.

Mas Sócrates falou alto de mais. Tão alto que um coscuvilheiro qualquer conseguiu ouvir e começou a divulgar a conversa, ninguém sabe, ou pode saber, com que exactidão e respeito pela verdade. O que não impediu Mário Crespo de se erigir tragicamente em vítima e de contar o episódio numa "coluna" do Jornal de Notícias, que o director do dito jornal (que não é em bom rigor um tablóide inglês) se recusou a publicar. Isto provocou um enorme escândalo na imprensa e na televisão, que tomaram indignadamente o partido de Crespo e trataram Sócrates como se não houvesse a menor diferença ente o restaurante do Tivoli e a Assembleia da República. Não se percebe porquê. Parece que o primeiro-ministro não tem direito à privacidade ou que de repente a coscuvilhice se tornou numa fonte fidedigna e usável.

Se de facto assim é, daqui em diante nenhuma personagem com alguma notoriedade pública fica ao abrigo dos piores vexames. Nada agora, eticamente, impede que a imprensa e a televisão recrutem bandos de espiões com o propósito de recolher ou "extrair" todo o lixo disponível sobre criaturas de quem não gostam ou que, em geral, atraem audiências: políticos, músicos, jogadores (ou treinadores) de futebol e até, calculem, jornalistas. Claro que o exemplo vem de cima: vários deputados do PS já querem revelar na Net os rendimentos de cada um de nós. Tarde ou cedo, mais cedo do que tarde, vamos viver numa sociedade ao pé da qual a Ditadura passaria por um regime tolerante e digno. O "caso Mário Crespo" contribuiu consciente ou inconscientemente para apressar as coisas. Portugal nunca, no fundo, se habituou à liberdade.

Vasco Pulido Valente in Público de 05.02.10
Nem sempre é assim mas esta semana estou de acordo - não em sintonia - com muito do que aqui está escrito. O Reporter tem dias...

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2 comentários:

Edgardo disse...

Este caso não é novidade...
Nem é novidade as altas conversas decorrerem em altos restaurantes...
Fossem a tascas, seus altos toscos, e enchessem bem o bico, e sussurrassem!

Eles sussurram nos corredores, retretes e tudo quanto é lugar... nos restaurantes éque acontece isso.

Sum X concordar com (im)Pulido se na defesa de grande chefe Sócrates também não admiração...

Se Ossama igualmente defendesse J. Sócrates, Alex X igualmente defenderia Ossama...

Eu próprio, acho que J. Soc não fica mal de fato cinzento. Digo ,esmo que fica arranjadinho.
E acho que ele deveria abrir um restaurante e ficar lá.
Um vocacionado para as alfaces. Fica a sugestão.

Edgardo disse...

Já agora...

E se durante a hora sagrada da refeição se cometer algum portentoso crime... e os coscuvilheiros dos degustadores vizinhos levarem para fora do sagrado espaço a notícia?...
Será indecente?

Se assim se salvaguardasse, começava a convidar uma porção de amigos para almoçar...
Mais do que o barbeiro de Tim Burton e até o de Sevilha também serviria... Eles sentavam-se para o menu e logo levavam um tiro no cu... silenciado, digo eu...

Seria uma sinfonia de sintonias ?