quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Indigências

Inaugurou na passada 6ª feira mais um capítulo de Indigências, um projecto da pastoral cultural da paróquia de São José, em Ponta Delgada, que nasce a partir da constatação da degradação física e humana instalada no Campo de São Francisco.

O mentor desta iniciativa é o pároco Duarte Melo para quem este "é um projeto muito abrangente, que tem uma cumplicidade no campo das artes, no campo teológico e no campo social, sobretudo da justiça", afirmou à imprensa.

Ao longo de um ano, a Igreja de S. José terá todos os dias uma obra de arte contemporânea em exposição, para além de conferências e concertos, entre outras iniciativas culturais. O objetivo central desta chamada de atenção é o de apelar à consciência cívica de quem se desloca à Igreja, estabelecendo um confronto com os problemas sociais que existem nas imediações do Campo de São Francisco – um espaço que se tornou zona de exclusão, quando é, de facto, uma zona nobre da cidade.

Este é um exemplo do que pode ser feito para atrair a atenção para o património e, em simultâneo, para dar voz aos flagelos sociais com que somos confrontados e que, em tempos de crise, tendem a agudizar-se. E é igualmente uma tomada de consciência para aquilo que convive paredes meias com o ostracismo a que a cidade votou o Campo de São Francisco na maior parte do ano. Fora a época das Festas do Senhor Santo Cristo e a Animação de Verão promovida pela autarquia, o resto do ano é sombrio.

A aparente reanimação temporária daquele espaço pelas chamadas ‘noites de verão’ oculta outro tipo de deterioração da qualidade de vida de quem habita nos quarteirões vizinhos. Para além das parcas condições sanitárias para o número de pessoas que ali se desloca (isto para já não falar no 3º mundismo com que, ano após ano, somos confrontados durante as maiores festas religiosas do arquipélago), o ruído e o cheiro nauseabundo atingiram níveis que estão muito para além do que seria razoável. Se estivéssemos a falar de uma actividade efectivamente temporária, com a duração de 1 ou 2 fins-de-semana, julgo que tal seria admissível. Contudo, prolongar uma situação com as características que se conhecem durante 2 a 3 meses, não me parece de todo sustentável.

O que para mim é ainda mais estranho é o silêncio ensurdecedor de pessoas e instituições perante aquilo que se passa. E os problemas iniciais mantêm-se, com a agravante de pouco ou nada ter sido feito para reabilitar o espaço que alberga os 'foliões', a maioria deles menores. Não é com um 'shot' que vão salvar o Campo de São Francisco. Mas a longa 'série de shots' irresponsáveis - e quiçá transformados em tradição 'ready made' - contribuiu para uma agudização do estado calamitoso a que o espaço físico e humano chegou, com a total complacência da autarquia.

Por isso, e apesar deste aparente beneplácito de quem gere o espaço público, há quem não desarme e procure olhar para aquilo que deve ser enaltecido.

A acção cultural e social de Indigências não se deve circunscrever ao espaço sagrado e deve, antes que seja tarde demais, ocupar o 'campo', que se diz público.

* Publicado na edição de 06/08/12 do AO
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