As últimas semanas têm sido pródigas em contradições e esclarecimentos por parte dos membros da coligação que (des)governa o país.
Primeiro, um primeiro-ministro que fala à nação em prime time para explicar aos portugueses as novas medidas de austeridade que visam conter a despesa pública e, deste modo, fazer cumprir os desígnios do défice, impostos pelos credores estrangeiros (também conhecidos por troika).
O problema é que ainda assim, e apesar de ser amplamente palavroso, o primeiro-ministro é parco em explicações. E o país real, incluindo o noticioso e todos os especialistas económicos da nossa praça, passou os dias seguintes a tentar decifrar a mensagem contida na comunicação de Passos Coelho, na vã tentativa de conseguir destrinçar a nova vaga de cortes a infligir aos portugueses e, em particular, aos funcionários públicos, entretanto elevados a inimigo público nº 1 e carrascos deste pobre país à beira-mar plantado.
Segundo, e para que não houvesse dúvidas do desnorte, o vice-primeiro-mistro e ministro dos negócios estrangeiros e líder do CDS/PP, Paulo Portas, também falou à grande nação lusa para ‘comentar’ as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro. Comentar? Fala como membro do governo de coligação, como líder partidário ou como comentador avençado de um canal noticioso? Impressionante este nosso estado das coisas, não? Paulo Portas veio afirmar-se contra uma medida (novo imposto sobre as reformas) que o próprio tinha aprovado em conselho de ministros. Para dias depois a medida deste descontentamento e ruptura constar da redacção final do documento da 7ª avaliação da troika, figurando não com carácter obrigatório mas a adoptar somente “como último recurso e apenas se for necessário”. E, como sabemos, as coisas estão longe de estar a correr bem, pelo que este “último recurso” pode estar bem mais próximo daquilo que os deputados do CDS/PP desejam. A encenação e a hipocrisia tomaram conta do discurso oficial dos responsáveis máximos do país.
E eis senão quando, julgando que já assistimos a tudo, há algo que nos surpreende.
O divino entrou no léxico político português pela boca do Presidente da República, coadjuvado pela intervenção divina da sua mulher junto de Nossa Senhora de Fátima que, por sua vez, terá inspirado o fecho da 7ª avaliação da troika graças a um comentário de Maria Cavaco Silva (!). E não, esta não é uma notícia do ‘Inimigo Público’. Mas é um daqueles casos é que a realidade supera largamente a ficção.
Portugal necessita urgentemente de “boas notícias” mas este tipo de alocuções por parte da figura mais importante da nação não deixa de causar arrepio perante o descaramento e insensatez já demonstrados vezes sem conta. O ridículo abateu-se sobre o Palácio de Belém e não há nada - ou aparentemente nada - que o faça despertar para a realidade.
O último episódio desta novela palaciana esteve relacionado com o agendamento do Conselho de Estado para esta 2ª feira, 20 de Maio, em simultâneo com a comemoração do Dia dos Açores. Este é mais um dado demonstrativo da importância com que o Presidente olha para o país. A este respeito transcrevo uma passagem de um post de Paulo Pedroso (no blog Banco Corrido): «(…) Atendendo a que o assunto em agenda no Conselho de Estado, sendo importante não é urgente, ou o Presidente marcou de propósito a reunião para um dia em que o representante açoriano não pudesse estar, o que nem em dia de delírio conspirativo me passaria pela cabeça, ou ninguém na Casa Civil nem no secretariado do Conselho de Estado deu por ela, o que me parece bem mais provável. Provável, mas não justificado, porque os portugueses não esperam que o Presidente tenha uma Casa Civil adormecida. E quem pratica estes lapsos pode um dia com facilidade deparar-se com erros protocolares catastróficos».
A verdadeira catástrofe, como agora se comprova, foi a eleição de Cavaco Silva com os resultados que se conhecem e com um desfecho deveras imprevisível perante os desafios que se nos avizinham.
* Publicado na edição de 20/05/13 do AO
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