segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A grande ilusão

Perante a leitura que fazemos das contradições, inexactidões e dos constantes desmentidos do porta-voz oficial do(s) ministério(s), no Portugal de hoje existe, uma percepção (quase) generalizada de que nada é consequente ou tem consequências, por mais grave que seja a notícia ou o facto ocorrido.

Talvez por isto, perante uma população adormecida e resignada, o Governo da República em funções não tenha a menor complacência com aqueles que governa, na medida em que foram eles que o incumbiram de uma missão superior - a de expurgar o país dos males que o atormentam, num acto de libertação que mais parece messiânico e decidido a executar os seus objectivos, do custe o que custar, até às últimas consequências.

O Pedro, Primeiro-Ministro, fez disso gala no programa da RTP - ‘O País Pergunta’. Um fato à medida do entrevistado. Ambiente controlado, totalmente previsível e em que todos os gestos foram meticulosamente estudados, como o levantar da cadeira na aproximação da plateia, assim como o tratar o elemento do público (interpelador) pelo nome próprio. Não obstante a bonomia das respostas, o que também ficou patente é que estamos perante um homem simpático, cordial mas totalmente frio, insensível aos problemas (comezinhos) dos portugueses e desconhecedor do (seu) país real.

Nem vou falar da resposta dada à questão sobre as obrigações do serviço público no transporte aéreo para os Açores, tal foi o desrespeito que Passos Coelho demonstrou pelos órgãos de governo próprio da região e pela inteligência dos açorianos, ou pelo desconhecimento que revelou da matéria abordada e pela falsidade na generosidade evocada para a melhor resolução desta questão. Na minha opinião, para ser simpático, tratou-se de um gesto patético.

Vasco Pulido Valente na sua crónica diária no Público fez uma das melhores sínteses que li sobre aquilo que vimos na passada 4ª feira, dia 9 de Outubro: «(…) Na Inglaterra ou na América (onde a RTP foi buscar a inspiração ao velho Face the Nation), o “país” não é um conjunto aleatório e obediente de particulares, que o director de Informação pressurosamente juntou. Quem fala por ele é normalmente um jornalista ou dois, pouco susceptíveis de se intimidarem com o palavreado oficial e capazes de mostrar a verdade que os políticos lhe querem esconder. A segurança da pergunta-resposta não existe. Existe um debate duro (…) Em vez disso, como lhe compete, a RTP preferiu a farsa. Uma farsa que o primeiro-ministro aceitou ou por falta de inteligência ou por um oportunismo pueril e contraproducente».

É com algum receio que concordo com Vasco Pulido Valente mas o facto é que nada foi deixado ao acaso, inclusive, o timing escolhido – a véspera da discussão e apresentação do Orçamento de Estado para o próximo ano.

Se eu falhar a minha missão é o país que falha”, respondeu Pedro (Passos Coelho) a uma das perguntas que o ‘país’ lhe fez. Ao contrário do que disse o Primeiro-Ministro, o país falha, é certo, não por vontade própria mas devido às opções e à acção do governo que ele preside. Não vale aqui um acto de desresponsabilização, seria apenas mais um a juntar a tantos outros desaires governamentais.

Assistimos diariamente à implementação de uma perigosa grande ilusão trasvestida de uma missão imaculada e profética na construção de um Portugal novo. Receio o pior.


* Publicado na edição de 14/10/13 do AO
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