segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Sentido de responsabilidade

O fogo do país real rebentou com a bolha de uma nação refugiada no litoral, em torno dos grandes centros urbanos e que se esquece(u) do interior profundo (e da periferia das ilhas).

A aldeia arde todos os anos - já todos sabemos - mas este foi um ano atípico, em que os incêndios foram mais que muitos e, para infortúnio nacional, o número de mortos ascendeu à centena.

Acordamos, incrédulos, para uma realidade que sabemos, remotamente, existir. Contudo, nesta situação, a distância da tragédia foi suprimida pelo ‘prime time’ noticioso, o qual encheu de indignação a ‘timeline’ do livro que todos aparentam ler.

Independentemente das falhas do sistema nacional de protecção civil, e do desacerto da acção política na gestão dos acontecimentos, é justo reconhecer, sem parecer descabido, que estamos perante uma situação anómala, na qual a meteorologia desempenhou um importante papel.

Do governo aos autarcas, ninguém tem dúvidas: há mão criminosa nos fogos. Não será tempo de encarar seriamente esta questão, alterando a moldura penal dos incêndios com origem criminosa? Neste sentido, e para além da vontade governativa, existe (desde Agosto) uma petição online que conta com cerca de 60.000 assinaturas, reunindo as condições para que seja discutida no parlamento nacional.

Simultaneamente, e paradoxalmente, para quem assiste na serenidade do arquipélago a esta tragédia, sem paralelo entre nós, é incrível que Outubro, ainda, nos propicie um banho de mar. Mas não deixo de me questionar sobre este facto, agradável, sem dúvida, mas o resultado de um mundo em mudança, cujos impactos são difíceis de medir e que se fazem sentir, sobretudo, através de fenómenos meteorológicos extremos, num país de contrastes e que se encontra, actualmente, num acentuado processo de erosão e desertificação (física e humana).

Apesar do aparente relativismo da nossa posição geográfica, os Açores não estão imunes a este estado de coisas, sendo que esta localização nos torna, porventura, mais vulneráveis aos efeitos negativos das alterações climáticas.

Por forma a antecipar o impacto que estas irão ter no nosso modo de vida, foi criado um grupo de trabalho multissectorial para elaborar uma proposta do Plano Regional para as Alterações Climáticas (PRAC), assumida como “uma ferramenta fundamental para o planeamento e intervenção ao nível do território, no que respeita à mitigação das emissões e às necessidades de adaptação às mudanças climáticas” (GaCS, 25/01/17).

O resultado deste exercício de sistematização está disponível para consulta pública até 15 de novembro de 2017.

Era bom que deixássemos o like de ocasião no conforto do sofá e que contribuíssemos, efectivamente, para uma mudança de comportamentos que a todos dizem respeito.

Este tipo de atitudes implicam compromisso, rigor e múltiplas cedências.

Será que estamos disponíveis para as assumir?

Noutras dimensões, a nossa reduzida expressão pode ser um problema, neste caso, é uma vantagem, na medida em que temos todas as condições para ser uma região exemplar na apli(ação) de boas práticas ambientais.

Saibamos fazê-lo, agindo em conformidade e com sentido de responsabilidade.

* Publicado na edição de 23/10/17 do Açoriano Oriental
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