quarta-feira, 18 de abril de 2018

Há mais vida (para além do Rallye)

A Monocle é uma publicação de referência mundial, propriedade de um dos fundadores da Wallpaper, descrita, editorialmente, como um objecto entre a Foreign Policy e a Vanity Fair.

O número 57, publicado em outubro de 2012, continha, para surpresa, confesso, um artigo sobre os Açores, um local, segundo o jornalista, no “middle of nowhere”.

Hoje esta data parece longínqua, pois o clima económico, tal como estava, alterou-se significativamente, em que estes anos de alguma obscuridade, pela ostensibilidade provocada pela crise, transformaram o recente crescimento turístico num antidepressivo para as almas descrentes.

Um dos aspectos que mais me chamaram a atenção, para além de alguns comentários humorados, foi a abordagem pouco ortodoxa em relação ao desenvolvimento das ilhas, no qual são identificadas dez áreas de actuação (e de investimento futuro), a saber: a localização geográfica nomeada como central, um activo a potenciar, nomeadamente, como ponto de reuniões internacionais, associado a grandes organizações (NATO ou G20, por exemplo); outra solução passaria por uma prisão, uma solução polémica, é certo, mas a ideia de acolher uma Alcatraz do Atlântico por intermédio da implementação de um modelo de inclusão social experimental idêntico ao que é realizado na Noruega (Bastoy Island); um porto e um ponto de observação espacial; a sede de um canal noticioso para o espaço lusófono; uma universidade especializada para as questões da lusofonia; o nosso clima temperado podia permitir a existência de uma reserva e a criação de espécies exóticas; a criação de um ‘hub’ internacional para construção e reparação naval; o desenvolvimento da agricultura biológica e das energias renováveis e um resort de luxo com base na sustentabilidade.

Algumas destas ideias dão dimensão a muitas das nossas capacidades endógenas, atribuindo-lhes o contexto e a dimensão que lhes falta.

Passados estes anos, podemos constatar, felizmente, que algumas delas passaram a ser concretas, sobretudo, em termos ambientais.

A dinâmica económica obtida com o incremento turístico, e com a abertura do espaço aéreo dos Açores, tornaram obsoletas parte destas abordagens.

Saídos de um tempo de crise, esta súbita atractividade tem deixado tudo e todos deslumbrados, sendo que o ilhéu é um alvo fácil de seduzir.

Isto faz-me sempre lembrar o episódio (recorrente) do artista que afirma amar os Açores, esta terra linda, e as suas gentes mas que, no final, só conhece o quarto de hotel e a porta do camarim. O público, por regra, aplaude entusiasticamente.

Por estes dias, o arquipélago é vendido como uma jóia escondida, um animal exótico e um conjunto de outros atributos (ficcionados) para turista ler e que causam, sempre, alguma estranheza para quem aqui habita.

O verdadeiro desenvolvimento económico só terá significado se todas as acções promocionais reverterem, efectivamente, para uma melhoria sustentada da população residente, em termos sociais, culturais e ambientais.

De nada serve afirmar que queremos ser um destino sustentável se depois não construímos todos, sem excepção, de forma transversal, as bases para que tal possa acontecer.

E parte desta sustentabilidade passa por conseguirmos crescer como sociedade de forma equilibrada e não inflacionada por títulos, selos ou artigos na impressa nacional ou num teaser publicitário de um canal desportivo.

O sucesso dos Açores está na diferenciação das suas particularidades e nunca na proliferação de pacotes de animação massificada, dos empreendimentos aos serviços, na medida em que temos de conseguir promover o que outros destinos (já) não têm.

Este elemento surpresa está na afirmação da nossa escala e não em fazer do arquipélago uma coisa que ele não é.

É necessário ter presente que, temos de responder às elevadas expectativas dos visitantes, o retorno e o reflexo de uma má experiência provoca muito mais danos do que aqueles que possamos neutralizar pela melhor promoção do destino que dele se possa fazer.

E para que haja sustentabilidade, tem de existir um projecto (e um compromisso colectivo) a médio e longo prazo.

O festival Tremor é um bom exemplo do caminho que há a fazer. E a prova de que há mais vida para além do Rallye.

* Publicado na edição de 26/03/18 do Açoriano Oriental
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1 comentário:

Nuno F. disse...

Muito bom!

Gostei do "episódio do artista", realmente, muitos amam a ilha mas depois deslocam-se apenas dos hotéis para os locais de espectáculo e vice-versa.

Em relação à "jóia escondida", esperemos que quem originou este processo todo (que tem as suas vantagens para a região) tenha em conta a expressão "turismo sustentável" com verdadeiras medidas, para que não nos tornemos daqui a uns anos uma região onde já nada há para ver e usufruir.

Abraço