sexta-feira, 28 de setembro de 2018

(Por) uma sociedade mais justa

O auditório da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada foi palco para o seminário “Cultura Acessível e Inclusiva” promovido pela Direcção Regional da Cultura, cujo objectivo teve por base o incentivo e o apoio dos agentes culturais, públicos e privados, na promoção de uma cultura inclusiva e acessível, através do intercâmbio de experiências e da partilha de boas-práticas.

Este encontro teve o mérito de colocar à discussão as barreiras no acesso à cultura que não são, apenas, físicas, na medida em que extravasam largamente a componente estrutural.

Apesar do progresso evidenciado nas últimas décadas, persistem, entre nós, muros invisíveis que dificultam e impedem o acesso, de diferentes públicos, aos espaços culturais.

Independentemente disso, existe uma crescente sensibilização das instituições culturais para a necessidade de ultrapassar estes impedimentos, os quais se situam, na sua maior parte, ao nível social, cultural e, inclusive, comunicacional.

Um espaço cultural não pode negligenciar o território onde se encontra, deve contribuir activamente para a qualificação da comunidade, na mitigação de factores de discriminação e marginalização que, ainda, subsistem.

A igualdade de oportunidades na acessibilidade aos espaços, e conteúdos, exige um grande trabalho de equipa, na dinamização e na renovação das actividades, sendo que, em muitas situações, nem sempre é fácil chegar a estes públicos.

O capital cultural define a forma como, cada um de nós, se posiciona perante um determinado activo cultural, seja ele, um livro, um concerto ou uma (aparente e simples) ida ao museu.

Importa ter presente que a interação com estes objectos, e manifestações culturais, não se processa da mesma maneira e não se faz por injecção mas, sim, por contaminação. E isto só se consegue com a criação de hábitos (fruição e acesso), com a introdução de uma regularidade e estabilidade na acção programática dos espaços culturais e na intensificação da mediação com os seus vários públicos.

E para que isto possa acontecer de forma mais evidente, é necessário comunicar com mais assertividade, e clareza, tornar simples o acesso ao que não conhecemos por um processo de simplificação (sem que seja entendido como algo redutor), descomplicando aquilo que pode ser entendido como intangível.

O trabalho de proximidade, de especialização e para diferentes nichos de público, é algo que deve ser entendido como fundamental para a inclusão pelas artes, sobretudo, em comunidades onde existem múltiplas assimetrias.

Os Açores são um espaço de cultura, como uma matriz identitária fortíssima e com um apego ancestral pelas suas tradições. Não obstante este cariz, não podemos ficar ancorados ao passado.

A nossa educação passa, inexoravelmente, por conhecermos quem nos antecedeu, sendo que "o verdadeiro objectivo do estudo da História não é recordarmos o passado, mas libertarmo-nos dele" (Yuval Noah Harari). E, nesta medida, devemos atender ao presente e perspectivar o futuro.

Para tal importa ressalvar o investimento continuado (e reforçado) na educação e na cultura, como elemento fundamental para a construção de uma sociedade mais justa.

P.S. - Face à (recente) mudança de protagonistas na Direcção Regional da Cultura, um justo reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelo arquitecto Nuno Ribeiro Lopes e um voto de confiança para a sua sucessora, a professora Susana Goulart Costa.


* Publicado na edição de 24/09/18 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 11 de setembro de 2018

Dar espaço (ao tempo que nos falta)

Nesta(s) ilha(s), o alvoroço provocado pelo crescimento turístico passou a ser o denominador comum de quase todas as conversas, de parte substantiva da acção política e da dinâmica empresarial.

Tudo parece gravitar em torno do turismo, dos seus benefícios, dos (designados) malefícios e da dificuldade que é (ou passou a ser) alugar casa, estacionar ou reservar um restaurante que antes estava vazio (e à nossa espera).

Esta onda de choque não se faz sentir de forma idêntica por todas as ilhas, nem tal seria possível, a começar, como sabemos, pela natureza e dimensão de cada uma delas.

Pese embora esta (óbvia) constatação, há quem considere que este é (apenas e quase sempre) um problema de transportes ou da (in)competência de determinado decisor político.

Na resposta a uma explicação plausível, assistimos, não raras vezes, a uma exigência irrealista para depois surgir a reivindicação (surrealista), sobretudo, junto do governo regional, a exigir a gestão rigorosa dos recursos públicos (no qual se incluem a multiplicidade de serviços públicos que existem e que são necessários à manutenção da coesão social do arquipélago).

A Sata, os transportes marítimos e a saúde são alguns dos maiores exemplos da coesão regional, cujo desempenho é fundamental para garantir a união em torno do projecto autonómico.

A crítica pela crítica, escudada na amplificação de casos particulares, faz denegrir e perigar a existência de empresas e profissionais (fundamentais ao garante ao nosso bem-estar colectivo). E que, na maior partes das situações, é alimentada para fazer face à sobrevivência política de alguns protagonistas, cujo maior contributo consiste em destruir e, não, em construir.

A gestão da coisa pública nem sempre é compaginável com um tempo marcado pela urgência, pelo imediato e pela aceleração, no qual vivemos fascinados pelo fim e pela catástrofe (António Guerreiro).

A actuação política não deve mas é, recorrentemente, ditada pela lógica da reacção e do desagrado promovido, e amplificado, pela irracionalidade que, hoje, vigora nas redes sociais.

Não devemos, nem podemos ignorá-las, temos é, sim, de destrinçar o que é relevante, daquilo que possa ser efabulado.

Apesar de assumirmos que estávamos preparados para a intensificação da actividade turística, nada, nem ninguém, previu a magnitude do impacto do crescimento exponencial que estamos a experienciar.

Da mesma maneira que não devemos entrar em euforias desmedidas, temos de ter consciência que subsistem inúmeros constrangimentos no incremento deste sector, os quais não têm, na maior parte deles, uma resposta imediata.

Neste capítulo, como em tantos outros, o governo é um parceiro, não tem todas as respostas, nem pode ser o catalisador de toda a iniciativa.

Contudo, a “política não tem tempo e tudo aquilo que precisa de tempo encontra hoje imensas dificuldades para subsistir” (António Guerreiro).

Importa dar espaço (ao tempo que nos falta), para o diálogo, reflexão e acção na implementação (responsável e consciente) do projecto de sustentabilidade que se pretende para o destino Açores.


* Publicado na edição de 10/09/18 do Açoriano Oriental
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