quarta-feira, 15 de maio de 2019

Vertigem

A cadência com que se anunciam novos investimentos imobiliários e turísticos é, deveras, vertiginosa.

Esta semana não foi excepção.

Através da comunicação social fomos informados que irá ser construído um empreendimento turístico na Rua de Lisboa, onde antes esteve projectada uma Central de Camionagem (entretanto engavetada), por um dos principais grupos hoteleiros a operar em Portugal.

Ponta Delgada, e a ilha de São Miguel, vivem uma forte dinâmica económica incrementa pelo crescimento do sector turístico.

A diversificação económica é importante para quebrar períodos de menor crescimento ou de crise.

Não o ignoramos.

No entanto, receio que não haja capacidade para suster o ímpeto, interno e externo, em torno do investimento no sector turístico.

Somos demasiado apetecíveis e muito condescendentes com quem nos afaga o ego, afirmando que as ilhas são um “paraíso” (mas cuja acção no território segue em sentido contrário).

Nesta medida, teria sido pertinente que tivéssemos trocado umas ideias sobre o assunto para que, na situação em que nos encontramos, pudéssemos agir (antecipadamente) na implementação de medidas de planeamento (e restrição), sobretudo, em áreas sensíveis.

A nossa atitude é, na maioria das vezes, passiva e reactiva.

Perante um certo imobilismo, ficamos reféns do investimento que nos propõem e mimetizamos exemplos de desenvolvimento que não são compagináveis com a realidade (social e económica) desta(s) ilha(s).

Volto ao início deste texto para referir um fenómeno, do qual, por cá, pouco ou nada se fala, e que tem, é certo, maior incidência, nacional, em cidades como Lisboa e Porto: a gentrificação.

E o que é isto da gentrificação (do inglês ‘gentrification’)? Para o Priberam, trata-se de um “processo de valorização imobiliária de uma zona urbana, geralmente acompanhada da
deslocação dos residentes com menor poder económico para outro local e da entrada de
residentes com maior poder económico.”

Não detemos a mesma escala de uma grande cidade mas os efeitos são equiparados e fazem-se sentir por toda a ilha, em particular, na cidade de Ponta Delgada e em zonas com valor imobiliário acrescentado, onde se observa o aumento significativo do valor de venda e de renda das casas (quando as há), a proliferação de estabelecimentos de alojamento local e, por exemplo, o encerramento de lojas históricas, com a inerente perda de identidade (rumo à homogeneização).

Mas nem tudo é negativo. Se o incremento turístico não existisse o centro histórico de Ponta Delgada estaria moribundo, a reabilitação urbana em curso é (muito) positiva mas é obra que resulta de uma situação fortuita.

Este investimento (incontrolado) será sustentável (para usar o adjectivo que nos serve de “mola”)? Andamos demasiado inebriados com os resultados do crescimento turístico? Ou nem sequer ousamos colocar a hipótese dele um dia se extinguir?

Acredito que a resposta está no equilíbrio (exigente) e na coabitação de interesses dos vários intervenientes (públicos e privados).

E para que isto possa resultar, será necessário exigência, responsabilidade e competência.

Contudo, a vertigem é grande.

* Publicado na edição de 13/05/19 do Açoriano Oriental
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sexta-feira, 3 de maio de 2019

À procura do próximo Ronaldo

Num tempo onde discutimos os benefícios do incremento da actividade física, a prática desportiva, que lhe está subjacente, visa a melhoria da qualidade de vida das populações e promove a competição (saudável) entre os indivíduos.

Na essência é assim, na prática nem sempre.

A política é (por esmagadora maioria) o alvo quando se falam de “casos” em Portugal, enquanto o futebol, em particular, é idolatrado e glorificado, mesmo e apesar dos impropérios, cujos sucessos (individuais) são avançados como referência para aquilo que o país deve (ou devia) ser.

Ele (futebol) está presente em quase tudo, os (piores) exemplos enchem a programação das televisões com vedetas de ocasião, e egos a condizer, distribuindo ressentimento e ódio a quem vê ou por lá, infelizmente, passa.

A irracionalidade clubística, seja em que modalidade for, incluindo, a política, não augura nada de bom, sendo que a incapacidade de olhar para além do desempenho da nossa equipa, por regra, não colhe bons frutos.

A actividade desportiva em torno do futebol é um grande negócio, com múltiplas ramificações e interesses, não podemos ignorá-lo, muito menos escamoteá-lo.

A intenção do alargamento de 10 para 12 clubes no Campeonato de Futebol dos Açores, só porque sim, deve servir de motivo à reflexão dos agentes desportivos.

Em entrevista ao Açoriano Oriental (26/04/19), António Gomes, o Diretor Regional do Desporto, refere que, mais do que as questões económicas, importa “verificar se as condições de base em termos do número de equipas garantem de forma valiosa as provas de ilha e se existem indicadores que assegurem esse futuro.

Esta não é uma questão menor, e acrescento mais algumas: fará sentido depreciar a formação de atletas formados nos clubes em detrimento da importação de jogadores (aparentemente de forma indiferenciada)? Estão garantidas as condições (logísticas e financeiras) para que este aumento do número de equipas no campeonato regional se verifique ou vivemos na expectativa do reforço orçamental (por subvenção pública)? Temos (a região) condições para apoiar todas as equipas/participantes que (seja em que modalidade for) subam de divisão?

Como resposta plausível, considero fundamental que seja definido um plafonamento do valor máximo de apoio a atribuir por equipa/modalidade. Garantido, deste modo, uma previsibilidade aos clubes para definirem, com rigor, os objectivos de cada temporada.

O que não faz sentido é que intendem o mesmo fim, sabendo, de antemão, que não existem apoios disponíveis (públicos e privados) que possibilitem uma participação ao mesmo nível (e ao alcance de todos).

Manifesto (também) esta minha preocupação por aquilo que assisto, semanalmente, nos campos da ilha e nos jogos de futebol dos escalões de formação. A distância é grande entre aquilo que se apregoa e o que se ouve fora do campo. Os pais nem sempre dão o melhor exemplo. E os clubes também não. Sobretudo, quando são permissivos perante as atitudes de quem assiste aos jogos.

A formação (a educação e a pedagogia) interessa(m) a quem? Ou andamos (apenas) à procura do próximo Ronaldo?

* Publicado na edição de 29/04/19 do Açoriano Oriental
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