terça-feira, 4 de junho de 2019

Populismo

No rescaldo das eleições europeias, a brutalidade dos números da abstenção, no país e na região, não deixaram ninguém indiferente.

Estes valores não foram surpresa e, muito recentemente, tivemos conhecimento das conclusões do estudo solicitado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores (ALRA), no qual ficamos a saber (cientificamente) que os açorianos ‘culpam’ os políticos pelo facto de não votarem.

Este não deixa de ser um dado paradoxal e, permitam-me a extrapolação, um retrato sociológico desta sociedade. A qual, perante uma qualquer adversidade, ou contrariedade, culpa sempre alguém pelo seu infortúnio, refutando, a priori, qualquer responsabilidade na matéria. Mal comparando, faz-me parecer uma criança que ao fazer uma traquinice, responde com um culpabilizado: ‘não fui eu’.

No entanto, não podemos olhar para os resultados, nem para o nível de abstenção destas europeias, como uma fatalidade, sendo certo que, desde 1975, como refere o estudo, a abstenção nos Açores sempre foi superior à média nacional e manifesta-se de forma desigual nos diversos actos eleitorais (por exemplo, é nas autárquicas que se registam as menores taxas de abstenção).

No estudo do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade dos Açores, com coordenação do sociólogo Álvaro Borralho, as razões que estão no cerne da abstenção dos eleitores açorianos são a “falta de interesse”, 59,9%, seguida da “falta de cidadania”, 12,8% e, curiosamente, digo eu, a “falta de educação”, com apenas 2,5%.

Nas causas imputáveis aos partidos políticos, os quais os açorianos ‘responsabilizam’ por não se deslocarem às urnas, sobressai a categoria “estarem interessados em si mesmos”, com 33,5%, seguida de “estarem a perder credibilidade”, com 29,7%, com 15,1% surge o “estarem afastados das pessoas” e o serem “todos iguais”, com 13,8% (in Público, 15/05/19).

Estas são, na minha opinião, razões plausíveis, é certo, mas imbuídas de uma forte carga ‘emotiva’ e, tendencialmente, ‘populista’. E passo a contextualizar.

Para Cas Mudde, politólogo especialista em “populismo” (citado por Pedro Magalhães, 01/06/19), esta é uma “ideologia que considera que a sociedade está dividida entre dois grupos homogéneos e em antagonismo, o povo ‘puro’ e a elite ‘corrupta’, e onde a política deveria ser a expressão da ‘vontade geral’ do povo”. Nesta leitura, “o populista olha com ceticismo para o pluralismo de interesses e preferências entre a população e para tudo o que, nas democracias representativas, foi engendrado para o gerir - instituições e regras que impõem limites à hegemonia de uma única ideia e obrigam a cedências e compromissos. Por outro, encara a “classe política” com hostilidade, recusando a divisão de tarefas entre representados (o povo) e os representantes (os políticos) e desconfiando da ideia de que os segundos agem primariamente segundo a vontade dos primeiros.

Este é, na minha modesta opinião, o ponto em que nos encontramos. Estamos entrincheirados no interesse individual, e pouco, ou nada, motivados para o bem comum (e do próximo), andamos entretidos na partilha acéfala do ‘like’, no ódio ao que é diferente e em julgamentos na praça pública.

A ‘culpa’ não pode morrer solteira mas não é, apenas, imputável aos políticos e às instituições públicas. A democracia confere-nos direitos e responsabilidades, nas quais se insere a nossa participação cívica. Recusamos participar mas depois criticamos ‘ad nauseam’ aqueles em que não fomos votar.

Por estes dias, é mais sedutor diabolizar o sistema, os políticos e, recorrentemente, os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI).

Termino com um recurso que utilizo (frequentemente), “o que não faz sentido é o sentido que tudo isto tem” (Fernando Pessoa).

* Publicado na edição de 03/06/19 do Açoriano Oriental
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