A entrevista de Justine Simons (Público, 12/11/19), a vereadora para a Cultura e Indústrias Criativas de Londres, durante a sua estada em Lisboa para a Cimeira World Cities Culture, sintetiza muito daquilo que penso e tenho dito (e escrito) sobre o potencial (transformador) da cultura na nossa vida colectiva.
O arquipélago é tido como um laboratório (ideal) para a experimentação de um conjunto de medidas (das ciências do mar à sustentabilidade energética). E poderia sê-lo, igualmente, na implementação de outras áreas e sectores, nomeadamente, das indústrias culturais e criativas (um palavrão que aglutina sectores muito diversos mas que foi concebido para melhor explicar, a quem decide, as “pequenas especificidades” de cada um).
Para que tal possa vir (um dia) a ser possível, é imperioso que o tecido cultural (supostamente criativo) deixe de funcionar em pequenos círculos, fechados sobre si próprios mas com uma enorme determinação em culpabilizar outros pelo seu (aparente) insucesso, falta de reconhecimento (= financiamento) e, não raras vezes, cultivando uma enorme distância com o público (e a ilha).
A exiguidade geográfica do arquipélago, aliada a um meio conservador e com parcos recursos, fazem com que o trabalho em rede seja fulcral para a criação de uma escala que não temos (nem pode ser comparada com outros centros, com outras necessidades e saberes completamente distintos dos nossos).
Importa (primeiro) saber onde nos situamos e quantos somos.
O primeiro passo será o de mapear o território, identificando os diferentes actores e as infra-estruturas que nele operam, do bar ao atelier, da galeria ao museu de ilha.
Um dos nossos maiores condicionalismos, para além das dificuldades inerentes à circulação de projectos e artistas, no interior e para fora do arquipélago, é a escassez de recursos financeiros, cujo trabalho concertado poderá facilitar a procura de fontes alternativas de financiamento alicerçado na construção de projectos comuns.
Sem um fio condutor que una a acção no território (regional e municipal), assistimos à multiplicação de projectos sem critério (e porque sim), cuja sobreposição no calendário é apenas o factor (mais evidente) de uma aparente falta de discernimento.
O crescimento da actividade económica associada ao turismo veio colmatar o vazio (na acção) em torno da regeneração e do abandono do património construído das ilhas, em particular, nos centros das maiores cidades da região.
A cultura pode (e deve) ser um guia para esta regeneração urbana, melhorando as condições de vida de espaços degradados e integrando, por exemplo, populações que vivem nas margens, contrariando o investimento acéfalo e especulativo em torno do alojamento turístico (indiferenciado e pouco qualificado).
Já imaginaram estas ilhas ou as nossas cidades sem espaços de cultura, sem música, sem filmes e sem festivais, o que é que ficava?
Nesta entrevista ficamos a saber que a cultura é responsável por 4 em cada 5 turistas que vai a Londres. Se o nosso património (material e imaterial) é assim tão relevante, porque é que não lutamos pela quantificação da importância que afirmamos ter?
O orçamento do sector cultural é pequeno, no entanto, importa compreender que o seu impacto é muito maior do que a percentagem que ele ocupa no plano e orçamento.
A cultura é um bom investimento, tem de ser defendida e deve, também, lutar por ter mais recursos.
No final é tudo uma questão de opção na definição (rigorosa) das nossas prioridades pela construção de um desígnio comum (e profundamente inclusivo), nos domínios cultural, educativo e social.
* Publicado na edição de 18/11/19 do Açoriano Oriental
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