Assistimos a um acontecimento planetário em tempo real que nos remete para um universo ficcional, distópico e incerto, materializado por algo que nunca desejamos experienciar e que “até agora considerávamos impossível” (Slavoj Zizek, 12/04/20).
A percepção do que nos é dado a ver (ler) é a de que nada será como dantes e (ainda) sabemos muito pouco de como as coisas se irão processar daqui para a frente.
O tempo é de incerteza e de muitas perguntas sem resposta, a que se junta um distanciamento social (quase obrigatório), forçado pela emergência de um “estado de excepção” (Giorgio Agamben, 2003).
A internet nunca foi tão importante, como agora, na manutenção da normalidade (possível). E por possibilitar a proximidade social determinada por um período de distanciamento geográfico que nos impossibilita uma interação convencional mas que tem permitido manter, em padrões minimamente aceitáveis, parte da economia (e da nossa vida profissional) e o acesso a serviços essenciais, sejam nas plataformas públicas, na aquisição de produtos alimentares, no entretenimento ou na informação.
Nesta experiência civilizacional, a dependência de uma boa rede de comunicações passou a ser vital e, sem dramatizar, um factor de sobrevivência.
A falta de uma estratégia comum no combate à pandemia é, muito provavelmente, o maior falhanço (político) europeu (e mundial) após a segunda grande guerra. Perante o estado de emergência em que nos encontramos, seria exigível - a quem governa ou dirige as maiores instituições globais - outro tipo de posição perante a necessidade imperiosa de agir para a salvaguarda do bem comum.
Na eminência de um colapso social e económico, poderá a União Europeia procrastinar indefinidamente tudo o que não é adiável?
A somar a tudo isto existe a preocupação - de alguns sectores da sociedade - com o “maior controlo social” - imposto pelas limitações à liberdade de circulação dos cidadãos e de vigilância digital, na medida em que este pode colocar em causa o bom funcionamento da democracia representativa e das instituições, uma vez que “indivíduos condicionados pelo pânico da mera sobrevivência são alvos ideais do poder” (Slavoj Zizek, 12/04/20). Não é o nosso caso (mas exemplos não faltam).
Num contexto tão exigente, como este, é fundamental o acesso à informação segura e fidedigna. Quem a garante? A crise na imprensa não tem estado imune ao processo de transformação digital mas vive num aparente paradoxo, na medida em que as suas notícias nunca foram tão lidas como agora, “sem que esse serviço público seja capaz de gerar receitas suficientes para garantir a sua sustentabilidade financeira” (Manuel Carvalho, 07/04/19).
A discussão sobre o financiamento da imprensa não é de hoje e tem múltiplas leituras, quer seja na concordância com o apoio público, quer por quem o conteste na defesa da liberdade editorial sem eventuais amarras à subvenção pública, sendo certo que a sociedade de leitores deverá pagar pelos conteúdos que quer ler. Algo que, como sabemos, nem sempre acontece.
Para um maior escrutínio da gestão da coisa pública é forçoso que haja uma sociedade mais esclarecida e isso só se consegue com “uma cultura das notícias”, sujeita “ao trabalho de edição e contexto de alguém que é suposto ter uma carteira profissional para exercer jornalismo”.
No entanto, alguns jornalistas facilitam o “estatuto noticioso” às “redes sociais”, sem a mediação e edição jornalística, provocando, intencionalmente ou não, uma (in)evitável “erosão da profissão feita pelos próprios profissionais” (José Pacheco Pereira, 02/01/16).
Nestes 185 anos do Açoriano Oriental, apesar de todos os desafios e dificuldades com que nos confrontamos, reitero a confiança nos seus profissionais para que continuem a alimentar a imprensa regional nos Açores com a “informação baseada em factos e não na manipulação sensacionalista dos factos” (Amílcar Correia, 11/4/20).
* Publicado na edição especial de aniversário do Açoriano Oriental (18/04/20)
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