quinta-feira, 9 de abril de 2020

#quarentena

Por estes dias passamos a ser, quase sem excepção, especialistas em covid-19, peritos (de sofá) em saúde pública com opinião (formatada ao minuto pela avalanche noticiosa) e com sugestões para distribuir.

Aos primeiros dias desta #quarentena assumi que iria reduzir (significativamente) a minha exposição ao ruído das notícias em repetição - ad nauseam, por forma a salvaguardar a higiene mental da minha família. Assumi um detox noticioso e, neste momento, cumpro apenas os serviços mínimos da actualização diária dos números trágicos de uma pandemia (sem rosto), sendo certo que existem pessoas por detrás da estatística, algo que, tendencialmente, desvalorizamos.

Procuramos uma explicação plausível para o que nos atingiu mas não partilho da metáfora de que estamos em guerra, ou de que este é um castigo divino, como há quem goste de profetizar.

No entanto, considero que este é um tempo para reflectirmos sobre o nosso estilo de vida e analisarmos como chegamos até aqui, num momento em que assistimos às consequências do desinvestimento em áreas fundamentais da nossa vida pública em detrimento da especulação financeira.

Muitas das vozes que hoje se fazem ouvir (na defesa do Sistema Nacional de Saúde) eram as mesmas, que há uns anos a esta parte, exigiam a privatização deste e de muitos outros sectores (essenciais) da nossa existência colectiva. Ironicamente, são agora os primeiros a exigir o apoio do Estado, uma postura que não deixa de ser, simultaneamente, paradoxal e hipócrita.

Nestes dias (letárgicos) têm sido comuns os elogios aos que estão na primeira linha do combate da epidemia - profissionais de saúde, bombeiros, polícia ou funcionários dos supermercados, os quais, na maioria das vezes, depreciamos, criticamos ou até ignoramos na azáfama quotidiana, e cujas condições de trabalho (e de segurança) estão longe, como já vimos, de serem as ideais.

Será que é necessário uma pandemia para sermos generosos com aqueles que nos socorrem numa situação de emergência?

Desejaremos regressar ao que tínhamos anteriormente ou será este o tempo de repensarmos e de actuarmos de forma diferente?

A normalidade que se seguirá a estes dias será, muito provavelmente, diferente daquela que a sucedeu mas, também aqui, o regresso ao passado dependerá do tempo em que permaneceremos nesta pausa forçada.

Num olhar mais transversal (e global), não é que nos sirva de grande conforto mas não estamos sós (nesta crise económica e social), e o vírus não escolhe fronteiras nem «olha para condições económicas quando se trata de escolher hospedeiros”, no entanto “não nos iludamos sobre a “democraticidade” da epidemia ou das medidas adotadas para a sua contenção: as suas consequências são brutalmente desiguais.» (Pedro Magalhães citado por Rolando Lalanda Gonçalves, Açoriano Oriental 05/04/20). Este é, infelizmente, um dado incontornável.

Temos de nos preparar, desde já, para o dia seguinte e agir (responsavelmente) perante os desafios que se nos colocam.

Este é um trabalho que não é apenas de alguns mas é de todos, como comunidade, num período (de excepcionalidade) que nos convoca a ser melhores.

Façamos a nossa parte (por mais que isto nos custe), confiando que a contingência nos ajude a chegar mais depressa (e com saúde) ao fim desta situação.

* Publicado na edição de 06/04/20 do Açoriano Oriental
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