Calendarizar o futuro próximo (da programação cultural) é uma tarefa inglória (e angustiante), perante a incerteza dos dias e de uma realidade que já não será o que era.
Na semana passada a Presidente da Comissão Europeia - Ursula Von der Leyen, apresentou um "Roteiro europeu conjunto para o levantamento das medidas de contenção da covid-19", que define um conjunto de princípios orientadores para a retoma gradual da atividade económica.
Ficamos a saber que existem previsões para múltiplos cenários mas não iremos passar à “normalidade” de um dia para o outro, a aglomeração de pessoas será realizada de forma faseada, evoluindo progressivamente, existindo a intenção de privilegiar a reabertura de escolas e universidades, lojas, cafés e restaurantes. Para o final, ficará o retomar dos eventos públicos (festivais e concertos, por exemplo).
Ninguém questionará, acredito, este conjunto de recomendações mas não deixa de ser simbólico que a Cultura - ou tudo o que directa e indirectamente está relacionado com actividade artística - surja neste alinhamento (e noutras situações) na última posição.
Foram um dos primeiros serviços a ser encerrados e serão, muito provavelmente, os últimos a reabrir.
Neste período de paralisação (que todos compreendemos e concordamos), como será o acesso do público a salas de espectáculo e recintos fechados? São questões que, para já, carecem de mais dados (e tempo) para que se possa ter ou dar um resposta assertiva.
O sector cultural (e criativo) é frágil e demasiado fragmentado (nas suas variadas formas de actuação) mas é consensual que a Cultura será, neste período, um dos sectores mais afectados pelas medidas de contenção devido, em particular, ao encerramento de teatros, salas de concertos e outros espaços públicos.
A resposta pública tem apontado várias medidas de apoio para mitigar a perda de rendimento dos profissionais mas é necessário ter em linha de conta a especificidade de um sector económico com regras e dinâmicas próprias, nem sempre enquadradas com um contrato de trabalho, onde a maioria dos trabalhadores é independente, com cariz precário e intermitente, e sem o garante da protecção social que se exige num tempo como este.
Os artistas (técnicos e outros trabalhadores do sector cultural) não são indispensáveis para o combate à pandemia mas o resultado do seu trabalho tem sido vital nestes dias de confinamento social.
Neste período transitório é necessário assegurar que são tomadas medidas que abonem a sobrevivência do sector cultural num cenário pós-covid.
Continuam a existir muitas perguntas sem respostas mas a percepção dos profissionais deste meio é de que “a relação do público com os espectáculos vai sofrer uma mudança”. A começar pela bondade das actuações online, pois “ao contrário de toda a economia, os dividendos e lucros das plataformas digitais estão a subir”. (Pedro Wallenstein, presidente da GDA, 10/04/19).
Este parece-me um dado que importa estudar e analisar em profundidade, qual o impacto, por exemplo, na indústria dos espectáculos de toda esta exposição de conteúdos online?
Esta tem sido a solução encontrada por muitos artistas e produtores impedidos de actuar em espaço público. Fazem-no agora (gratuitamente) nas suas plataformas online.
A questão que todos colocam é a de “não é claro o modelo de negócio capaz de monetizar este tipo de eventos. (…) Como emprestar sustentabilidade e rentabilidade a estes concertos à distância?” (Miguel Cadete, 16/04/20).
A resposta europeia ao sector cultural tem sido, ela própria, desigual, com uma grandeza e impacto directamente proporcional à sua latitude.
Neste sentido, seria importante não fragilizar, sobremaneira, e de forma fatal, um sector que procura ser reconhecido pelo Estado como merecedor da atenção (e importância) que (aparentemente) tem sido dada por todos os que estão (agora) em casa.
* Publicado na edição de 20/04/20 do Açoriano Oriental
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