Aprendemos a desconfinar com o manto da segunda vaga (covid-19) como cenário eventual.
O mundo intenta lidar com um problema do qual ninguém tem memória nem sequer é comparável, nem há verossimilhança possível, por exemplo, com outras crises económicas.
O infortúnio (global) que se perspetiva no presente imediato (e no próximo futuro) resulta da urgência sanitária para preservação das respostas dos sistemas de saúde. Neste sentido, fruto deste cuidado e mitigação, é possível implementar medidas de apoio (incentivo comercial e de confiança dos consumidores) para um regresso ao (novo) normal (seja lá o que isso for).
Não partilho da ideia romântica (que se propagou durante os dias de quarentena) de que no final disto tudo (cujo desfecho é incerto) ia #ficartudobem. Não vai.
Nem toda a população passou (e está a passar) por este tempo da mesma forma, na medida em que há quem não tenha perdido rendimentos e está ‘entediado’ com o confinamento (forçado), noutro sentido, temos empresários e empreendedores que fecharam e perderam a sua carteira de negócios (de um dia para o outro) e assistimos a muitos trabalhadores (em suspenso) na incógnita de saber se vão (ou não) regressar ao trabalho.
No meio deste pandemónio há sempre quem encontre mais-valias e perspective oportunidades. A nova fórmula dos gurus da economia (alimentadores de esperança virtuosa perante o desespero alheio).
Parte da nossa economia existe (e subsiste) devido ao nosso (re)encontro comunitário, do turismo à cultura. Sem um regresso a estas práticas que nos definem como indivíduos, e como sociedade, dificilmente haverá normalidade, possível (ou forçada).
E, contrariamente ao que muitos poderão ter considerado, há coisas que nunca irão mudar. Uma parte (significativa) deste processo de desconfinamento não acontece por uma questão de saúde mas pelo regresso (necessário) da economia.
Se há coisa que (a cada dia que passa) nos parece evidente, é a de que temos de aprender a (con)viver com o vírus, com as novas regras de higienização e de distanciamento, sendo “impressionante o número de pessoas que esperam que uma catástrofe seja a oportunidade para resolver problemas” e que de forma visionária (e magnânima) proponha que se altere (radicalmente) “o modelo de sociedade”, substituindo “os valores vigentes” e alterando “os padrões de consumo.” (António Barreto, 19/04/20).
Não acredito em processos de purificação colectiva, nem no oportunismo gerado por esta pandemia para regenerarmos a humanidade. No país mais poderoso do mundo, temos o exemplo maior na (pior) gestão de uma crise (sem precedentes) através da desinformação, do divisionismo e no fomento do ódio.
Este é momento em que (aparentemente) somos todos especialistas (no conforto da timeline), local privilegiado para a disseminação de posições extremadas e de (múltiplos) ódios. Neste tempo extraordinário, a única certeza que temos é a de não ter (ou ninguém deter) certeza(s) sobre (quase) nada.
Perante o ruído (excessivo) dos ecrãs e do lead noticioso, este deveria (também) ser um tempo de reflexão, para “memória futura e “lucidez no presente”.
E para quem governa na incerteza dos dias, entre a coragem e a loucura, é necessário “uma boa dose de humildade” para benefício de “novos processos de aprendizagem que possibilitem outro tipo de abordagem à realidade” (Rui Torrinha, 24/05/20), com vista à sua transformação e calendarização (futura) no retomar da nossa vida colectiva.
* Publicado na edição de 29/05/20 do Açoriano Oriental
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