quarta-feira, 19 de março de 2025

Quanto menos o ignorarmos (melhor será)










Março é sinónimo de BTL, a Bolsa de Turismo de Lisboa que agora se passou a chamar Better Tourism Lisbon, ponto de paragem obrigatória para todas as regiões turísticas do país que ali intentam reinventar-se, apresentando o seu produto e o melhor que têm para oferecer.

Este ano, a estratégia turística apresentada pelos Açores aponta para um: “Turismo Todo o Ano em Todas as Ilhas”. Uma ambição de sempre, bem-intencionada, mas cuja implementação nas ilhas mais pequenas carece de múltiplos factores (difíceis de medir e controlar), em particular, a predisposição dos residentes para a prestação de serviços, a escala ou os transportes. Sabendo de antemão que a actividade turística não será experienciada por todos, da mesma forma e com a mesma intensidade (e rentabilidade).

Os Açores são um território desfragmentado geograficamente, muito sensível, ambientalmente, e muito frágil economicamente.

A exuberância das nossas paisagens, não garante a excelência ambiental, e a nossa prática quotidiana contradiz, muito do que afirmamos deter como destino turístico sustentável. Quanto menos o ignorarmos, melhor será.

O inquérito à satisfação do turista que visitou os Açores durante a época baixa 2023/2024 (novembro de 2023 a março de 2024), implementado pelo Observatório do Turismo dos Açores (OTA), revelou que, segundo noticiou o Açoriano Oriental, um em quatro turistas (24,6%) admitiu ter conhecimento da certificação internacional de destino sustentável da Região. E que, apenas, 2% dos turistas inquiridos (370 inquéritos, em 3 ilhas do arquipélago, para um universo total de aproximadamente 171 mil hóspedes), admitiram ter viajado para o destino com base neste reconhecimento.

Independentemente da positividade dos resultados (76,9% dos turistas terão ficado satisfeitos ou muito satisfeitos, e 85,9% demonstraram que o destino correspondeu às suas expectativas), muitos destes dados devem ser alvo de ampla reflexão (desconheço se o são), particularmente, os que enquadram o perfil de quem nos visita, cujo conhecimento, experiência e habilitações não são negligenciáveis.

O transporte público terrestre, a restauração ou a programação cultural (e a animação turística, sectores diferentes, mas complementares) são aspectos que os turistas apontam como os mais frágeis e que carecem de melhoria. Escusado será dizer que, apesar da evolução ocorrida nos últimos anos, estes sectores têm sido sinalizados (recorrentemente) na monitorização às insuficiências dos serviços prestados aos turistas.

Neste capítulo, Alice Sousa Lima (Presidente da Associação Regional de Empresas de Animação Turística), em entrevista a este jornal, refere que existem vários desafios, a começar pela fiscalização às empresas ilegais, referindo, inclusive, que existe um “mercado paralelo enorme” e que estas empresas “dão mau nome à Região.” Complementarmente, noutra entrevista, Pedro Rodrigues, outro empresário da animação turística, assinala outra evidência a ter em conta: “há muita gente a fazer a mesma coisa, e é preciso haver um pouco mais de imaginação para oferecer experiências diferentes”.

A promoção turística é uma ferramenta fundamental para o crescimento da notoriedade do destino Açores. Contudo, os anos passam e não se vislumbram melhorias significativas na articulação interdepartamental, persistindo a ausência de estratégia e posicionamento, que nos fará caminhar (paulatinamente) para a “excelência” e para o “combate à sazonalidade”. A este respeito, por exemplo, onde podemos consultar a estratégia regional para a captação de congressos e eventos (na época baixa)?

Não basta vender se não qualificarmos os serviços que prestamos, não diversificamos os pontos de visitação, nem conservarmos, ou requalificarmos os que temos.

A pior promoção do destino, será, como já sabemos, uma má experiência turística.


[+] publicado na edição de 18 março 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem AMRAA

quarta-feira, 5 de março de 2025

Ainda estou aqui














De que vale afirmar que um acto é legal se tresanda a falta de ética? Este é, ou tem sido, o cerne da questão (familiar) que envolve o actual primeiro-ministro, Luis Montenegro.

Em política a memória é, recorrentemente, curta. E o que parece, na maioria das vezes, é.

Ao recordar as múltiplas intervenções do anterior líder da oposição, ficamos na dúvida se estamos a falar da mesma pessoa ou se agora, agarrado ao poder, o teste do algodão passou a ser outro, no qual nos furtamos de prestar declarações, vociferamos repetidamente contra a imprensa e os jornalistas (que têm sido tremendamente benevolentes perante um governo tão fraco), passamos a vida a exigir aos outros algo que não conseguimos cumprir, que transparente mais transparente não há e (de peito aberto) abraçamos (e dramatizamos) uma nova crise como forma de sobrevivência (política), arrastando a vida pública para um (novo) pântano.

No meio desta turbulência, assistimos ao silêncio ensurdecedor da Presidência da República e ficamos a saber (pelo Observador) que Marcelo Rebelo de Sousa “não atendeu a chamada do primeiro-ministro, pois estava com outros afazeres”.

A lucidez (semanal) de António Barreto, remete-nos para a “ética republicana”, na qual “ausência de medo de perda de honra é o sentimento de impunidade. A ideia de que a justiça nunca chega ou, quando chega, é tarde e mal. (…)  A promiscuidade entre política, Administração e Justiça é tão profunda que a complacência tem esse efeito, o de “normalizar” o que não o deveria ser.

A declaração deste sábado, foi a prova da desfaçatez em que está enredado o primeiro-ministro, tanto na forma como tenta limpar a sua imagem pública à custa daqueles que lhe são mais próximos, quer na anódina tentativa de apelar à emoção, num momento que devia convocar à sobriedade, prudência e lisura, perante a natureza dos factos.

Tal como sublinhado, lapidarmente, por Pedro Adão e Silva, é “difícil encontrar uma explicação plausível para alguém pensar que o exercício de funções de primeiro-ministro era compatível com a continuidade de atividade de uma empresa (…) com clientes que existem apenas por pertenceram a uma teia de cumplicidades políticas tecida por Montenegro”. Para concluir que é “chocante tamanha dose de imprudência.”

Ao contrário do que pensa o governo minoritário de Luis Montenegro, a questão da legitimidade governamental não termina com o chumbo da monção de censura apresentada, extemporaneamente, pelo PCP, uma vez que, tal como defende Francisco Assis, o governo quer transformar este acto “numa moção de confiança”. E que perante isto, “exige-se um esclarecimento absoluto da situação: ou o Governo é sério e apresenta uma moção de confiança ou, caso contrário, o PS deve apresentar uma moção de censura."

Uma leitura mais depurada deste caso, levanta muitas outras dúvidas, até pela história recente, tanto que o constitucionalista Reis Novais afirma que o “Ministério Público deve colocar uma ação para destituição de Montenegro”, pois aparenta “existir, no mínimo, violação de obrigação de exclusividade pelo PM, e que este deveria ser, em última análise, demitido pelo PR ou destituído pelos tribunais”.

A incredulidade em torno deste assunto cresce à medida que são revelados novos dados, e o Primeiro-Ministro apenas pode queixar-se de si próprio e do novelo em que se deixou enredar.

O cenário político nacional é incerto, e o país não precisa(va) de mais crispações, tal como as nuvens que pairam no cenário internacional, onde o caminho para a paz (e o fim da guerra na Ucrânia) entraram numa perigosa deriva de proporções apocalípticas que não auguram nada de bom.

Assim como o título do filme de Walter Salles, vencedor do Óscar para Melhor Filme Internacional, Luís Montenegro vai, infelizmente, continuar a dizer “Ainda Estou Aqui” (ou a andar por aí…).

[+] publicado na edição de 04 fevereiro 2025 do Açoriano Oriental

[++] imagem VolksVargas