terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Sociedade do espectáculo

Vivemos num tempo em que o espectáculo comanda a vida, a desconfiança pelas instituições passou a ser um ditame e a realidade parece suplantar a ficção.

Do público ao privado, a nossa acção quotidiana é determinada pela necessidade de partilhar o simulacro de uma existência sofismada.

A polissemia das palavras e das representações em actos oficiais, tornados públicos em conferências de impressa, inaugurações e outras cerimónias afins, alimentam as redações e a timeline contínua, sem que haja um grande embaraço perante o perfil anémico dos conteúdos.

Os Açores não são excepção.

O debate sobre a coisa pública não pode, nem se deve esgotar na esfera política.

Algo que acontece vezes sem conta (e de forma recorrente).

A oposição parlamentar reclama pelo peso do sector público na economia regional, sendo que depois apresentam iniciativas que visam, apenas, o reforço (= aumento dos gastos) dos apoios públicos (que tanto criticam).

Os representantes dos empresários reclamam o mesmo, menos estado, menos governo e, paradoxalmente, mais apoios para o desempenho de uma missão que antes era pública.

Ignoramos que parte significativa da prestação de um serviço público não é compaginável com o determinismo da lógica empresarial ou pela implementação (cega) de um modelo de gestão.

Se assim fosse, já teríamos encerrado uma parte significativa destas ilhas e de uma parte substancial dos serviços públicos associados aos transportes, saúde, educação e cultura.

Ao contrário do populismo vigente, persecutório da coisa pública, os constrangimentos passados (e presentes) impuseram a racionalidade na gestão do sector público.

Os que defendem um estado melhor (= menos), a transparência das contas públicas e o combate à corrupção acabam, inevitavelmente, por defender o seu contrário quando confrontados com a lógica imposta.

Esquizofrenia? Ainda não é uma palavra proibida no léxico político mas é uma das que melhor define o actual estado de coisas.

Na actualidade arquipelágica, ficamos a saber que a “smart citie” é aquela que tem uma aplicação para pagar parquímetros e para seguir o percurso percorrido pelo minibus mas que, simultaneamente, é incapaz de tratar (eficazmente) os seus resíduos urbanos e deter uma estratégia concertada relativamente à fluidez do trânsito automóvel (no centro histórico, e não só).

E que o estatuto dos deputados sofreu uma actualização forçada, mesmo antes de uma revisão no regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na medida em que uma greve de fome passou a ser considerada ‘trabalho político’.

Os dias parecem não convocar à sobriedade.

Mário Vargas Llosa (A Civilização do Espetáculo, Quetzal 2012) reflecte sobre o presente: “Hoje em dia, em todas as sondagens que se fazem sobre a política, uma maioria significativa de cidadãos opina que se trata de uma atividade medíocre e suja, que repele os mais honestos e capazes e recruta sobretudo nulidades e espertalhões que veem nela uma maneira rápida de enriquecer.” E não só.

Independentemente de concordarmos mais ou menos com estas afirmações, as generalizações são perigosas e alguns aspectos menos positivos da vida política têm sido muitas vezes “ampliados de uma maneira exagerada e irresponsável por um jornalismo sensacionalista”.

O bom senso rareia, este é o tempo da “sociedade do espectáculo”.

* Publicado na edição de 26/02/18 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Sinais

Por estes dias ouvimos, em diversos contextos e vezes sem conta, que “os Açores estão na moda”.

O (recente) aumento do turístico fez esbater a sazonalidade, sendo que esta continua a fazer-se sentir, com intensidade, nestes frios meses de inverno.

Este aumento regenerou o sector da construção civil, um dos que mais sofreu com a crise, o qual, perante o inusitado aumento de obras de reabilitação, reclama por falta de mão-de-obra especializada. Não deixa de ser curioso a ironia que tudo isto comporta.

Neste momento, uma das áreas que mais emprega é a dos serviços associados à actividade turística, seja na restauração, na hotelaria ou na animação.

Afirmamos não querer entrar em euforia(s) mas o que experienciamos é um devir colectivo em torno deste sector, para o qual convergimos em sentido único. O incremento do turismo é, tendencialmente, sazonal e muito concentrado num determinado período do ano. Será muito difícil alterar este estado de coisas. E devemos assumir que há respostas que têm um carácter associado à sazonalidade e que apenas, desta forma, poderão garantir a sua sustentabilidade (palavra que passei a odiar).

Para atenuar esta ocorrência, devemos apostar em eventos distintivos e no turismo de congressos, sendo que aqui a concorrência de outros destinos é muito eficaz (e não vamos lá apenas pelos nossos lindos olhos). Esta opção implica investimento. Não vale a pena escamoteá-lo. Se não o fizermos, serão outros a garanti-lo.

O crescimento turístico tem uma expressão mais acentuada em São Miguel e, de forma mais desigual, nas restantes ilhas dos Açores. Com destaque, permitam-me dizê-lo, para a ilha do Pico que se afirma a cada ano que passa, alicerçada no seu amplo território e numa enorme riqueza patrimonial natural/cultural que reforça a sua singularidade.

Cada ilha é uma ilha, é um erro querer promovê-las de forma igual. E é um erro querer que sejam todas iguais, quando não o são. A começar pelas gentes que as habitam e pela forma como expressam a sua matriz identitária (que embora comum, é distinta).

A riqueza deste arquipélago, já o referi por diversas vezes, está aqui, nesta diversidade.

Para tal importa respeitá-la, a começar por todos (nós) e, em particular, por quem tem o dever de nos representar, na defesa, intransigente, do bem comum.

O fantasioso conceito de “desenvolvimento harmónico” não significa o mesmo para todas as ilhas, tem de ser adaptado à realidade (de cada uma delas).

Viver em Ponta Delgada, nunca será o mesmo que habitar Santa Cruz da Graciosa. Afirmar o seu contrário é querer, deliberadamente, ludibriar o (seu) próximo.

O desenvolvimento (presente e futuro) do arquipélago deverá basear-se no equilíbrio do investimento público, baseado nas suas necessidades reais e não pela criação de distopias com carácter ilusório (incapazes de responder a anseios reais e de efeito imediato).

Mas afinal que “moda” é esta?

Em entrevista ao Correio dos Açores (31.01.18), o fotógrafo Daniel Blaufuks (que tem patente a exposição “O Monte dos Vendavais” na Galeria Fonseca Macedo) sinaliza a voragem deste fenómeno: «A paisagem e a vegetação aqui são incríveis (…), assusta-me que as viagens low cost não só venham trazer mais pessoas, que trazem, mas que tragam também um progresso low cost. Se olhar para Lisboa, que é o que me está mais próximo, essa transformação é terrível e está a descaracterizar completamente uma cidade que tinha uma cultura fortíssima. (…) Tenho pouca esperança e tenho medo que isso em São Miguel também aconteça. E já se vêem sinais disso. Acho que isso é triste porque o que estamos a visitar é uma imagem. (…) O turismo em que todos participamos é o problema porque tem o seu lado económico bom, sem dúvida, mas é avassalador como um exército de ocupação.»

Opiniões como esta são, comumente, desvalorizadas e encaradas como fatalistas (e inimigas do “progresso”).

Saibamos ler os sinais (de que fala o artista).

* Publicado na edição de 05/02/18 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Um símbolo de resistência

Num período de profundas mutações nos hábitos de consumo de bens culturais e de lazer, as livrarias (tradicionais e independentes) lutam de forma desigual pela afirmação da sua cota de mercado, o qual não tem em linha de conta a diferenciação da prateleira mas o valor do desconto.

Isto numa semana em que ficamos a saber que encerrou mais uma livraria histórica em Lisboa, a Aillaud & Lellos, no Chiado.

Esta circunstância teve inúmeras repercussões e levou, inclusive, a uma chamada de atenção da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) para a necessidade de implementação de medidas de apoio (urgente) às livrarias ameaçadas de extinção, recomendando a análise dos mecanismos de apoio vigentes em França, exemplo maior nas políticas de difusão do livro.

Nos Açores, o número de livrarias é reduzido e há ilhas que não as têm. Por regra, o acesso ao livro é possível através das bibliotecas públicas (governamentais, municipais ou escolares), de outros espaços comerciais cuja vocação primordial não é o livro e, num número cada vez mais significativo, pela aquisição online.

Felizmente, ainda, existem espaços que mantêm a sua actividade de forma resiliente. Um dos melhores exemplos, entre nós, é a Livraria Solmar que, complementarmente, ao usual lançamento de livros com autores regionais e nacionais, mantém a organização de feiras temáticas e de iniciativas como a dos ‘Livros do Ano’, cujo principal objetivo é dar a conhecer os livros que constituíram a preferência dos leitores (convidados).

E aqui faço uma declaração de interesses, na medida em que fui um dos convidados da edição deste ano.

Tenho uma relação de amizade para com os seus proprietários, sou um frequentador diário da livraria, um espaço de encontros, de tertúlia improvisada, de conversas distendidas, num tempo dado a pressa(s).

A livraria é, igualmente, um campo de ansiedade e contenção, na medida em que ao olhar para as propostas alinhadas na prateleira, no gosto em desfolhar as páginas à minha frente e sentir o cheiro do papel, sei que não vou conseguir ler tudo o que (já) tenho (até final da minha vida).

Compro mais do que leio, é quase compulsivo, gosto de livros e, em Portugal, as edições estão melhores: nas traduções, na impressão, no design e no papel.
A humidade das ilhas deixa (na maioria dos casos) tudo a perder.

Devia ler mais mas, se pensar bem nisso, nunca li tanto como agora. O dia é preenchido a ler, de forma fragmentada (e acelerada).

Este é um fenómeno transversal a (quase) tudo o que fazemos, pessoal e profissionalmente.

O nosso consumo é realizado na diagonal, em formato descartável e de bolso. Vivemos um período de enormes transformações tecnológicas (que ainda só agora começaram) e que ditam (inconscientemente) a forma como nos correlacionámos, por exemplo, com o cinema, a música e o livro.

Passamos do disco, para a faixa e para a playlist do Spotify.

O cinema (em Ponta Delgada é um duplo desafio) passou para a BOX (oficial e pirateada) e as estrelas cinematográficas estão, preferencialmente, na série televisiva.

O ponto de encontro dos amigos passou a ser um grupo no Facebook.

E o livro dá muitas vezes lugar ao artigo na revista, ao jornal ou ao post.

Afirmar o (pretenso) cosmopolitismo de Ponta Delgada passa por olhar a singularidade de espaços como este, pela promoção (consequente) de políticas de apoio à difusão do livro (e da leitura) e pelo enquadramento de uma linha de apoios públicos a esta actividade (que é cada vez menos um negócio e devia ser entendida como um serviço público).

A livraria (Solmar e muitas outras suas congéneres) é, hoje, um símbolo de resistência à voragem do tempo (e do mercado).

* Publicado na edição de 22/01/18 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Ignomínia

Nos Açores, continua a ser necessário defender o investimento (incondicional) na Cultura, na criação cultural e na consolidação de meios físicos e humanos para a sua realização.

O populismo é epidémico, qualquer opinião que veicule o ‘desperdício’ de recursos públicos em prol da acção cultural, por regra, colhe muitos aplausos, muitos ‘likes’ e uma adjectivação menos abonatória para quem vive e trabalha no meio artístico.

Considero que o desconhecimento já foi maior mas continua a existir uma enorme depreciação pelas áreas artísticas.

O cenário é antigo, existem melhorias mas, ocasionalmente, são veiculadas um conjunto de preconceitos ou considerações avulsas, sem rigor, de quem desconhece o que se fez e o que se anda a fazer.

A ideia de que a cultura, ou a fruição cultural, tem apenas como destinatário uma suposta elite, é uma presunção perigosa que faz aumentar o estigma sobre este sector.

Os círculos de públicos associados à fruição cultural tendem a estender-se mas continuam, é certo, a ser preenchidos por uma minoria da população, sendo que o trabalho das instituições culturais passa por fazer chegar a cultura e um cada vez maior número de pessoas.

E não nos iludamos, a Cultura continuará a ser, se assim a considerarmos, um ‘privilégio’ de alguns. O desejo de futuro é permitir que este processo se dilua e os diferentes públicos possam encontrar o seu espaço. E ele existe.

Este trabalho não se baliza por uma fórmula de excel, nem se realiza de um dia para o outro.

Esta acção exige um trabalho contínuo, objectivos a curto e médio prazo e de ser consistente e, sobretudo, consequente.

Não sou adepto do fazer por fazer, os resultados são importantes, não menosprezo os quantitativos, são eles que ditam muito do que hoje fazemos, mas valorizo os quantitativos, mais difíceis de medir e de defender, num tempo em que tudo é mensurável.

A acção cultural nas áreas ditas tradicionais (música erudita, artes performativas, por exemplo) não é compaginável com a produção em série. Esta foi uma ideia veiculada nestes anos de crise, numa associação às indústrias culturais e criativas, facto que não corresponde ao que realmente se passa ou cujo papel não é, nem pode, ser confundido.

A Cultura tem de ser entendida como essencial, a par de outros sectores vitais (Educação), para o crescimento (desenvolvimento) da nossa comunidade, pelo que não pode ser medida, apenas, em termos economicistas. Fazê-lo é redutor.

O problema é que continuam a existir vozes que tendem a menosprezar o trabalho realizado pela comunidade artística, ignorando que este trabalho só é tornado possível, na sua esmagadora maioria, pela pulsão de quem ama o que faz, sem dele retirar grandes rendimentos e investindo muito do seu tempo pessoal (e familiar).

Olhar a Cultura apenas como uma forma de deleite de uma imensa minoria, é desconhecer a realidade que o rodeia e o intenso percurso percorrido por artistas e instituições.

No espaço público, continuamos a ser muito poucos na defesa da Cultura e do necessário investimento para a sua prossecução.

É tempo de repudiarmos toda e qualquer opinião mesquinha e falaciosa em torno do universo cultural.

O combate às desigualdades sociais também se faz por defender o acesso ilimitado aos bens culturais.

A inclusão (social e cultural) não se faz por exclusão de partes.

Defender o seu contrário, é uma ignomínia.

* Publicado na edição de 15/01/18 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Actuar (excepcionalmente)

O (re)início de uma nova temporada convoca a balanços, ao rearrumar da secretária e ao folhear de uma nova agenda.

Na arte de bem procrastinar, adiamos tudo até mais não e recusamo-nos a admitir o desacerto.

Na assumpção da (ir)responsabilidade, reencaminhamos o assunto, na vã esperança que alguém possa ler o email, identifique a origem do problema e actualize o perfil para o modo agir.

O Rui Tavares escreveu, na sua crónica diária, algo que baliza muito daquilo que hoje vivenciamos: “Às vezes o nosso trabalho mais importante é ver o óbvio. Às vezes, o trabalho mais difícil é admiti-lo. Ver o óbvio parece demasiado fácil. Admitir o óbvio parece demasiado simples. E nós preferimos, por múltiplas razões pessoais e sociais, passar por complexos e difíceis”.

O óbvio não significa, forçosamente, uma simplificação, nem uma menorização, muito menos, a sua banalização.

Um exemplo - deste efeito de neutralização - são os noticiários que passaram a ser um sucedâneo em horário nobre (e a tempo do jantar) de um ‘reality show’, na medida em que o alinhamento dos acontecimentos tem de ser estimulado, carecendo de um carácter sensacionalista, persecutório ou extraordinário. À semelhança da ida ao supermercado, a rotina quotidiana do ‘agenda setting’ passou a ser um aborrecimento, uma chatice.

Por estes dias, li uma entrevista a Naomi Klein, na promoção do seu último livro Dizer Não Não Basta (Relógio D’Água, 2017), em que a autora afirmava isso mesmo: “as pessoas vêem as notícias da mesma maneira que vêem ‘reality shows’. Vêem-nas como entretenimento, causam dependência, criam expectativa como as Donas de Casa Desesperadas” (Público, 29.12.17).

Uma síntese (quase) perfeita da causalidade sem nexo, num período conturbado da nossa existência global, onde a informação passou a ser ruído ou um contributo activo para o permanente desnorte em torno da próxima vítima, catástrofe ou escândalo.
 
No entanto, o poder de atracção é, simultaneamente, paradoxal, num tempo em que se consomem menos jornais pela via tradicional, qual a solução para combater a transferência de audiências (e receitas publicitárias) para o online?

Bem sei que esta pode ser entendida como uma visão pessimista mas não encaro a realidade (presente) com nostalgia, nem como uma inevitabilidade, opto por imprimir algum pragmatismo na minha utopia.

O tempo, como as relações sociais (pessoais e profissionais), passaram a ser encaradas em ‘fast forward’, reduzidas a um prazo de validade. Andamos agarrados a algo que não sabemos bem o que é mas cujo objectivo (per)seguimos, de forma mais ou menos inconsciente, abandonando o que verdadeiramente importa.

Mal comparando, é como preconizar a solidariedade em prol dos mais desfavorecidos à distância do ecrã, em detrimento do vizinho idoso, solitário e carenciado que, ostensivamente, negligenciamos.

As acções de beneficência passaram a ter uma contabilidade em ‘selfies’, ‘likes’ e na partilha, sem questionar, da caridade alheia. Quem (realmente) ajuda e dedica o seu tempo em prol de quem mais necessita, será que o faz a troco de uma fotografia, da notícia no jornal e/ou do reconhecimento público? Provavelmente não, mas não faltam candidatos em sentido inverso.

O ano que passou foi a prova da incapacidade nacional em reconhecer a sua participação na acção do Estado, essa entidade sem rosto que todos culpam, na procura incessante por um bode expiatório para as suas insuficiências.

Esquecemo-nos, vezes demais, que o Estado somos (todos) nós. É bom que possamos actuar - excepcionalmente, sem carácter de excepção - melhor.

Simples desejos para o ano que, agora, se inicia.

* Publicado na edição de 09/01/18 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Ir para além das aparências

A RTP-Açores inaugurou, finalmente, a remodelação das instalações em Ponta Delgada, colocando a rádio e a televisão a trabalhar lado a lado ou, pelo menos, debaixo do mesmo tecto.

Esta era uma reivindicação antiga, a necessidade imperiosa de dotar (e actualizar) tecnológica, e materialmente, as ferramentas de quem trabalha no serviço público de rádio e televisão.

Após anos de avanços e recuos, este é um acto que transporta uma enorme carga simbólica mas é, simultaneamente, importante, na redefinição do que se pretende para a sua missão futura.

O momento inaugural foi consubstanciado pela presença do Presidente do Governo Regional, a Administração da RTP, o Conselho Geral Independente e inúmeros convidados da sociedade civil.

Ninguém negligência a importância que este serviço tem, mediante aquilo que foi transmitido nos discursos oficiais, sendo certo que este é apenas um (pequeno) passo e que os desafios de futuro não se extinguem com a chegada do “digital”.

Os profissionais da RTP-Açores são os primeiros a dizê-lo (e já o assumem há muito tempo).

A acompanhar este processo de fusão, deveria (foi?) ter sido promovido, em paralelo, a criação de um grupo de trabalho para discutir (definir e/ou objectivar) os conteúdos futuros da “nova” RTP-Açores.

Mais importante do que a qualidade da imagem, do cenário ou do som, importa alicerçar a acção de serviço público em matéria de relevante interesse para a comunidade (e para o território), cuja concretização não pode estar à mercê, como já foi defendido, das vicissitudes da “sociedade civil”.

Quando se falam dos “anos dourados” da televisão regional, esquecemo-nos que, muito do que foi realizado (e ficcionado), só foi tornado possível por ter existido investimento. A partir do momento em que ele desapareceu, tudo se esfumou e passamos a viver de nostalgia, memória e “enlatados”.
Entendo que pudessem existir, no passado recente, questões de ordem técnica que inibissem a renovação dos conteúdos. Mas nem tudo se explica por aqui.

Em virtude deste (aparente) vazio (na programação), considero que a alteração do paradigma (tecnológico) irá revelar (ao invés de potenciar) as múltiplas fragilidades da actual produção de conteúdos.

Nestes últimos anos, mesmo e apesar das dificuldades que se conhecem, a rádio pública conseguiu, de forma mais ou menos tranquila, sobreviver ao ostracismo a que foi votada.

O mesmo não se poderá dizer da televisão. Quando afirmamos a importância que esta tem para a autonomia regional, para a afirmação dos Açores no país e no mundo, que imagem é que transmitimos (para os decisores externos) quando se promove uma emissão consolidada por um conjunto de programas datados e indiferenciados? Será que ninguém se preocupa com o público que vê e que procura na televisão regional um conteúdo com o qual se identifique? Conhecem alguém com menos de 30 anos que assista à emissão (diária) do canal regional?

Perguntas não faltam, preocupa-me, sobretudo, a alheamento das respostas.

A minha percepção leva-me a concluir que continuamos a preconizar (para a televisão pública) um modelo do passado (em HD), assente na glória do passado e na produção (pouco criteriosa) da “ficção regional”.

Podem, obviamente, não concordar com esta leitura, nem quero aqui afirmar que não haja espaço para a ficção. No entanto, os conteúdos devem ser mais abrangentes, visando outros âmbitos, nomeadamente, na discussão do que são hoje os Açores e no “ir para além das aparências (…) e da concorrência” (Pierre Bourdieu, in Sobre a Televisão).

O caminho desta autoestrada (da comunicação digital, global e em tempo real) não se faz num só sentido, existe uma enorme reciprocidade e importa perceber, de uma vez por todas, que (já) não estamos sozinhos (no éter).

A sustentabilidade (futura) - do serviço público de rádio e televisão nos Açores - será aquilo que nós quisermos que ela seja.

Saibamos lidar com os desafios do presente mediante um posicionamento de futuro.

* Publicado na edição de 11/12/17 do Açoriano Oriental
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quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Fake News


A notícia nacional: Autarquias gastaram menos em atividades culturais em 2016.

Qualquer semelhança com a realidade, e por aquilo que se entende por "actividades culturais", é pura ilusão!

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Orgulho (a quanto obrigas)

A Açoreana/Tranquilidade e o jornal Expresso realizaram, esta semana, em Ponta Delgada, um debate sobre os desafios e as oportunidades que se colocam ao Turismo dos Açores.

O painel foi moderado por João Vieira Pereira, diretor-adjunto do Expresso, e teve como convidados Filipe Macedo, director regional do Turismo dos Açores; Isabel Barata, vogal executiva da SATA; Jan de Pooter, CEO da Tranquilidade/Açoreana; João Welsh, administrador do grupo CBK; e Miguel Muñoz Duarte, professor da Nova School of Business.

O arquipélago está no centro de todas as atenções, sobretudo, devido ao fenómeno, recente, do crescimento turístico.

Este tipo de discussões são bem-vindas e gosto, particularmente, de observar a forma como são recebidas entre portas, oscilando entre o entusiasmo incontido e a desconfiança, na medida em que há quem não concorde (e aceite) que outros falem de nós.

Mais do que qualquer avaliação da prestação (de quem olha de fora para dentro), considero fundamental a prossecução deste tipo de iniciativas, como impulso à reflexão, que se impõe, sobre a realidade que nos rodeia. Esta tem sido uma incapacidade endógena. A resposta não pode ser reactiva. Importa, primeiro, conhecer e aprofundar os nossos pontos fortes e as nossas fraquezas. Temos, inclusive, uma dificuldade em rir de nós próprios, sendo que já me disseram que, por cá, não há espaço para ironia. Sintomático?

Deste painel, retive várias leituras mas sublinhei o que disse João Welsh, madeirense, quando referiu a importância estratégica que a SATA/Azores Airlines tem para os Açores. Já não é a primeira vez que uma individualidade do “arquipélago irmão” realça esta questão, reveladora de alguma mágoa, o facto de não deterem este capital - uma companhia aérea regional. E o que dizem (e têm dito) os açorianos a este respeito?

O orgulho açoriano é passivo/reactivo, em particular, e quase sempre, devido uma crítica proferida por uma entidade externa. Contudo, somos filhos pródigos em depreciar muito do que temos, estabelecendo comparativos irrealistas e procurando culpar, não raras vezes, os outros, por algo que (só) depende de nós.

Para ilustrar o que aqui escrevo, e a título superlativo, quando estamos num restaurante na Madeira e pedimos uma cerveja, quais as opções que nos apresentam? Uma, a cerveja regional. E se pedirmos outra marca? O empregado faz por insistir (orgulhosamente) nos adjectivos qualitativos, até que nos convença que é a melhor cerveja do mundo. E por cá? A marca regional já nem sequer é opção na maior parte dos locais, sendo que passou a ser uma epopeia beber, nos Açores, uma Melo Abreu. Simbólico?

Antes dos outros, temos de ser nós a valorizar, a promover e a consumir o que produzimos.

Isto já para não falar da “dinâmica” do mercado interno, no qual todas as ilhas querem “exportar” para São Miguel mas em que a presença dos produtos da ilha verde em determinadas ilhas, é o que sabemos. Assim, não vamos lá, enquanto se mantiver o bairrismo ilhéu, em que cada ilha copia a do lado, como revindicação de um (falacioso) desenvolvimento harmonioso.

Transpondo esta leitura para o período consumista que se avizinha, existe um factor que, na minha opinião, tem sido profusamente negligenciado: a saída exponencial de recursos da região, com um impacto económico significativo no tecido empresarial local. Se é verdade que temos mais visitantes, e que há sectores da economia que estão a beneficiar com isto (hotelaria, restauração e aluguer de automóveis, por exemplo), noutros sectores, reféns dos gastos de quem cá habita, estamos a assistir a uma transferência desse consumo para o exterior, consubstanciado por viagens mais frequentes e pelo incremento das compras online. Seria interessante analisar estes dados. Alguém?

E aqui, será difícil empurrar a(s) culpa(s) para o Governo. E daí, talvez não, dirão os mesmos, já que este ousou aumentar o rendimento disponível das famílias.

O orgulho por aquilo que é “nosso”, também, se (des)materializa, por (in)acções como esta(s).

* Publicado na edição de 04/12/17 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Oportunidade

Os Açores continuam a bater recordes de passageiros (nos aeroportos), turistas e estadias.

Os investimentos (privados) multiplicam-se e animam a economia, sendo certo que, muitos deles, representam uma fuga em frente, agindo ao sabor do rebanho. Os melhores prevalecerão.

A resposta aos novos desafios não pode significar mais do mesmo, ou a mera replicação de modelos (desajustados) à nossa identidade e geografia. Do mesmo modo, que não é possível responder qualitativamente às exigências do consumidor contemporâneo através das nossas referências pessoais.

Não podemos descurar este ponto. Temos de saber ler o outro, estudar o perfil de quem nos visita e perceber o que procura.

E, sobretudo, não cair na tentação de ficcionar o destino Açores, promovendo uma coisa que ele não é.

Partilho um exemplo, destes dias, para aqui demonstrar o que quero dizer. Um empresário, detentor de um alojamento de turismo rural, foi acometido pelo desabafo de um casal de turistas nórdicos que considerava que a ilha (em que estavam) apresentava uma paisagem muito humanizada, contrária às imagens promocionais a que tinham tido acesso. Procuravam um território menos habitado, e menos construído, para fugir à azáfama de um grande centro. Perante este facto, decorrido numa das maiores ilhas do arquipélago, acabaram por rumar ao grupo central, na esperança de encontrar o arquipélago intocado que lhes tinha sido vendido.

Nada como algo totalmente inesperado para fazer alterar (e reponderar) as nossas convicções (absolutas). Este episódio é apenas mais um, dos muitos que todos temos e partilhamos entre amigos.

A ideia de desenvolvimento que preconizamos será compaginável com o destino turístico que afirmamos ter (e queremos ser)?

Parece-me que o conflito de interesses é, neste capítulo, uma evidência. Ignorá-lo, poderá determinar um conjunto de consequências imprevisíveis no desenvolvimento que preconizamos.

Neste sentido, o investimento reprodutivo deu, hoje, lugar a um novo jargão em torno da ideia de sustentabilidade.

No essencial, e conceptualmente, estamos todos de acordo quanto à necessidade de aplicar nos Açores, um espaço geográfico circunscrito, um conjunto de boas práticas quanto à gestão do território, dos recursos e dos resíduos.

Contudo, a sua aplicação prática revela-se bem mais difícil de operacionalizar, esbarrando num conjunto indeterminado de regulamentação, de inoperância e de falta de liderança (nos projectos).

Apesar da nossa exiguidade territorial (e populacional), a plêiade de entidades que gerem o nosso pacato modo de vida fazem-nos colidir, invariavelmente, com uma muralha burocrática (dita simplificada) em rede.

Agimos digitalmente (ainda) através do ditame do papel timbrado, passando da fotocópia ao PDF. O expediente parece fluir mas o carácter é, extremamente, ilusório.

No devir da hiperbolização mediática, em que o gosto/(des)gosto - e a partilha viral ditam a abertura do noticiário e do telejornal, parece existir menos tempo para a reflexão ponderada e a sensatez dos actos de gestão (e de governação).

Após o tempo eleitoral, parece tudo continuar como dantes. A inconsequência não exige responsabilidade e a impunidade reina ao sabor da indiferença generalizada (com a oportuna ajuda da imprensa apaniguada).

O momento actual representa uma oportunidade para a sustentabilidade (social e económica) dos Açores, um lugar “identitário, relacional e histórico”, não façamos deste local um “não-lugar” (Marc Augé, 2012).

* Publicado na edição de 20/11/17 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Antero Hoje (e Amanhã?)

Os 175 anos do nascimento de Antero de Quental foram motivo para a realização das jornadas “Antero Hoje”, que decorreram na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, numa organização conjunta do Governo dos Açores e da Fundação Calouste Gulbenkian, para evocação da memória do poeta que Eduardo Lourenço (um dos oradores convidados) nomeia como exemplar único da nossa literatura, excedendo Camões, e com uma obra “naturalmente universal” (Açoriano Oriental, 09/11/17).

A exaltação da obra de Antero é motivo de um orgulho (in)contido, na medida em que as palavras não acompanham a(s) prática(s). O paradoxo está instalado no meio de nós.

Nunca entendi a razão pela qual, na sua terra de origem, a manifestação cultural da sua obra é feita com alguma parcimónia, ensombrada, talvez, por um pudor, sem sentido, em torno da forma como morreu.

Mais do que apenas o estudo da obra e do homem, é necessário que o conhecimento ultrapasse os muros da academia e contamine, sem rodeios, o território e a comunidade que nos rodeia.

Com isto não estou a dizer que devamos dessacralizar a sua obra, temos, sim, de encontrar formas de fazer chegar Antero aos dias de hoje, por intermédio de outras linguagens artísticas, utilizando, paralelamente, as novas plataformas digitais para chegar ao público de hoje (e de amanhã).

A simbiose estabelecida entre Lisboa e Fernando Pessoa é apenas um bom exemplo para o que deve ser realizado entre nós. Um e o outro são sinónimos, a reciprocidade beneficia todos. E porque, já, não o fizemos em Ponta Delgada?

Porque razão não se avançou, há mais tempo, com um espaço de promoção da sua memória? Qual o impedimento na identificação e dinamização do roteiro concebido pela Direcção Regional da Cultura (sob a orientação do Professor Fagundes Duarte)? Porque é que não existe um prémio literário com o seu nome?

Por desleixo, desinteresse ou, simples, ignorância?

Considero que ainda vamos a tempo de ultrapassar todas estas insuficiências, sendo que a oportunidade gerada por estas jornadas, e pela importante parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, deve servir de catalisador a futuras iniciativas, ou mesmo, na criação de um evento literário com carácter anual que posicione a cidade, e os Açores, no mapa das letras do país (e do mundo).

Tempo (ainda) para (+) uma polémica
Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, já pediu desculpa ao país pela realização de um jantar no Panteão Nacional, em Lisboa, onde juntou vários empresários e investidores no último dia da cimeira de tecnologia.

Está instalada a mais recente “polémica pop up” (André Bradford), instigada por uma nação que procura nos escombros da memória, o alimento para a tragédia seguinte.

Polémica à parte, o que esta questão revela, como referiram, e bem, o BE e o PCP, é a precariedade dos orçamentos associados à gestão do património e à política cultural.

Caso os orçamentos fossem compatíveis com a responsabilidade que o estado tem, e assume, este(s) caso(s) não seria(m) notícia.

A hipocrisia também andam em alta, na medida em que o que antes era entendido como “boa gestão”, hoje representa a indignação colectiva ao sabor do populismo viral.

A falta de orçamento para a Cultura, não pode tudo justificar, sendo que obtenção de receitas deve cumprir com limites e “o respeito pela dignidade dos espaços e pela sua preservação” (António Filipe, 12/11/17).

Sublinho.

* Publicado na edição de 13/11/17 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Valores (renovados)

Por vicissitude familiar, percorro, semana após semana, os múltiplos campos de futebol (sintéticos) disseminados pela ilha.

Um conjunto significativo de clubes possui, e bem, uma escola de formação, por forma a contribuir para a sustentabilidade futura da instituição. E para, acredito, contribuir para a aquisição de hábitos de vida saudáveis através da prática desportiva (dos escalões mais jovens).

Se por um lado é verdade que os princípios basilares estão lá, quando chegados à competição acabamos por não encontrar estes jovens a jogar na equipa principal.

Estes dão lugar a um conjunto indiferenciado de interesses que chocam com o que é, sistematicamente, apregoado. Nesta lógica de capitalização cega, perpassa a fidelidade à região (e ao que é ‘nosso’), sendo que na prática não é isto que acontece, onde os plantéis das equipas apresentam, na sua maioria, um conjunto importado (e de pouco valor acrescentado). E porquê?

Mais do que o agitar da bandeira (e o exacerbar do nacionalismo endémico), será mais prudente, e relevante, investir na formação desportiva, por forma a garantir a continuidade da prática desportiva através do cultivo de uma fileira de recursos endógenos. Só aqui é que poderá existir uma ideia de sustentabilidade (futura).

Esta é uma questão transversal às diversas modalidades e não apenas um exclusivo do universo associado ao futebol, o qual terá, porventura, no arquipélago, maior expressão.

Considero que a região deve analisar, se é que já não o faz, os critérios de seriação e os objectivos inerentes à participação desportiva das equipas açorianas, nos inúmeros campeonatos nacionais, nomeadamente, com o cumprimento de regras, por exemplo, quanto ao número de praticantes residentes no arquipélago presentes nas equipas em disputa.

Que sentido é que faz que um clube açoriano, a participar num campeonato nacional, não tenha nos seus quadros um jogador oriundo dos Açores? Se assim é, qual a pertinência do investimento em formação nos escalões juvenis? Ou ela apenas preenche uma formalidade no acesso aos apoios oficiais?
Estas são apenas algumas questões com as quais me tenho deparado nos últimos anos, sem que haja uma real evolução quantos aos objectivos elencados a cada temporada que passa.

Eles existem, é certo. Mas ficam-se pela subida (de divisão) e pelo aumento dos recursos financeiros.

A importância do desporto na formação dos jovens, numa cada vez mais acentuada necessidade de gerar estilos de vida saudáveis, numa região com propensão para dependências, é algo incontornável.

Contudo, devemos olhar, igualmente, para o que passa dentro e fora do campo.

Isto porque, por um lado, chamamos a atenção dos mais novos para a criação de uma boa conduta desportiva, alicerçada no respeito mútuo, na convivialidade e na disputa salutar. Por outro, assistimos, fora das quatro linhas, a um paradoxo protagonizado por algumas entidades parentais que olham para os filhos como um projecto de rentabilidade futura, inebriados pelas luzes da ribalta mediática, vociferando valores dissonantes aos que são incutidos nos jovens desportistas.

Importa projectar para as novas gerações, valores renovados. E que estão para além do mero valor mercantil (e do sucesso fugaz) associado à prática desportiva. Nada disto se constrói pela lei do mais forte (ou do que grita mais alto).

A Educação e a Cultura, também, fazem parte desta equação.

É bom que não nos esqueçamos disto.

* Publicado na edição de 06/11/17 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Sentido de responsabilidade

O fogo do país real rebentou com a bolha de uma nação refugiada no litoral, em torno dos grandes centros urbanos e que se esquece(u) do interior profundo (e da periferia das ilhas).

A aldeia arde todos os anos - já todos sabemos - mas este foi um ano atípico, em que os incêndios foram mais que muitos e, para infortúnio nacional, o número de mortos ascendeu à centena.

Acordamos, incrédulos, para uma realidade que sabemos, remotamente, existir. Contudo, nesta situação, a distância da tragédia foi suprimida pelo ‘prime time’ noticioso, o qual encheu de indignação a ‘timeline’ do livro que todos aparentam ler.

Independentemente das falhas do sistema nacional de protecção civil, e do desacerto da acção política na gestão dos acontecimentos, é justo reconhecer, sem parecer descabido, que estamos perante uma situação anómala, na qual a meteorologia desempenhou um importante papel.

Do governo aos autarcas, ninguém tem dúvidas: há mão criminosa nos fogos. Não será tempo de encarar seriamente esta questão, alterando a moldura penal dos incêndios com origem criminosa? Neste sentido, e para além da vontade governativa, existe (desde Agosto) uma petição online que conta com cerca de 60.000 assinaturas, reunindo as condições para que seja discutida no parlamento nacional.

Simultaneamente, e paradoxalmente, para quem assiste na serenidade do arquipélago a esta tragédia, sem paralelo entre nós, é incrível que Outubro, ainda, nos propicie um banho de mar. Mas não deixo de me questionar sobre este facto, agradável, sem dúvida, mas o resultado de um mundo em mudança, cujos impactos são difíceis de medir e que se fazem sentir, sobretudo, através de fenómenos meteorológicos extremos, num país de contrastes e que se encontra, actualmente, num acentuado processo de erosão e desertificação (física e humana).

Apesar do aparente relativismo da nossa posição geográfica, os Açores não estão imunes a este estado de coisas, sendo que esta localização nos torna, porventura, mais vulneráveis aos efeitos negativos das alterações climáticas.

Por forma a antecipar o impacto que estas irão ter no nosso modo de vida, foi criado um grupo de trabalho multissectorial para elaborar uma proposta do Plano Regional para as Alterações Climáticas (PRAC), assumida como “uma ferramenta fundamental para o planeamento e intervenção ao nível do território, no que respeita à mitigação das emissões e às necessidades de adaptação às mudanças climáticas” (GaCS, 25/01/17).

O resultado deste exercício de sistematização está disponível para consulta pública até 15 de novembro de 2017.

Era bom que deixássemos o like de ocasião no conforto do sofá e que contribuíssemos, efectivamente, para uma mudança de comportamentos que a todos dizem respeito.

Este tipo de atitudes implicam compromisso, rigor e múltiplas cedências.

Será que estamos disponíveis para as assumir?

Noutras dimensões, a nossa reduzida expressão pode ser um problema, neste caso, é uma vantagem, na medida em que temos todas as condições para ser uma região exemplar na apli(ação) de boas práticas ambientais.

Saibamos fazê-lo, agindo em conformidade e com sentido de responsabilidade.

* Publicado na edição de 23/10/17 do Açoriano Oriental
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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

(In)ventos

A história repete-se. O número de festas populares e religiosas no arquipélago multiplica-se e sobrepõe-se, a cada ano que passa, sem que nada, nem ninguém pareça muito incomodado com a ocorrência.

O que é ainda tradição, identidade e memória deu lugar ao que hoje, num acto de modernidade provinciana, se designa por Festival (e outras designações equiparadas).

O ano eleitoral autárquico, apenas, veio conferir uma áurea, ainda, mais difusa à balbúrdia instalada.

Nada disto acontece por livre e espontânea vontade, existe, por regra, um apoio público que viabiliza o investimento privado.

O que parece não existir, para além de uma total ausência de critérios e objectivos programáticos em torno de uma pretensa agenda de animação turística, para a totalidade do território arquipelágico, é a responsabilidade de quem promove estes supostos (in)ventos sob a égide da promoção do destino (Açores).

Actualmente, a profusão de entidades promotoras é absurda, e já perdi a conta ao número de associações, cooperativas, e restantes organizações, que concorrem aos apoios disponíveis.

Se há uma ilação a retirar da crónica destes “anos de chumbo” (Eduardo Paz Ferreira), é a de que os recursos são escassos e devem ser utilizados com enorme parcimónia.

Os últimos meses provaram o seu contrário.

Que sentido é que faz apostar na divulgação de iniciativas concentradas em três meses do ano, num período que já se encontra vendido e que já não tem capacidade de resposta à solicitação presente?

Os problemas estão amplamente diagnosticados mas tarda em chegar uma resposta consentânea para um conjunto de questões prementes.

Embora se considere que a sazonalidade já não é o que era, o facto é que ela não desapareceu e é, porventura, por estes dias e nos que se avizinham, ainda mais vincada perante o aumento exponencial da oferta (de serviços).

Daí que considere fundamental (tal como foi, e bem, anunciado pelo Governo Regional) que se introduzam critérios rigorosos na atribuição de apoios públicos para iniciativas que tenham um retorno, real e efectivo, para os Açores. E que não estejam assentes num cálculo especulativo de visibilidade mediática, em meios que não têm a repercussão adequada às características do destino, nem são compagináveis com o perfil do turista que procura e visita estas ilhas.

O pior que nos poderá acontecer é cairmos na tentação de promover uma amálgama de animação indiferenciada (e desqualificada), sem qualquer valor acrescentado, mascarada pela partilha (promovida) nas redes sociais.

A mantermos o nível da oferta a que assistimos este verão, o risco está bem mais próximo do que possamos imaginar.

Do mesmo modo, continuaremos a ter uma escassez de recursos para o funcionamento de instituições e instalações basilares à prossecução de actividades culturais/ambientais. Assim como, para a materialização de iniciativas fundamentais à qualificação presente e futura das comunidades locais.

Este é o tempo de afirmamos, de uma vez por todas, o que queremos para o desenvolvimento da animação turística e da própria actividade turística nos Açores.

É altura de agir, deixemo-nos de (in)ventos sem sentido, nem expressão.

* Publicado na edição de 16/10/17 do Açoriano Oriental
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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Mudar para melhor

A abertura de uma rota directa entre Nova Iorque e os Açores é uma notícia sem precedentes e a confirmação da notoriedade obtida pelo arquipélago, ao longo da estratégia delineada nos últimos anos, consubstanciada pelo turismo de natureza e pela sustentabilidade ambiental.

Complementarmente, a abertura do espaço aéreo da região terá originado um efeito de contágio associado à sua localização geoestratégica, a meio caminho entre a europa e o continente norte-americano, a uma distância relativamente próxima (curta) deste mercado turístico.

Parte deste sucesso deriva, igualmente, da instabilidade política mundial, dos recentes desastres naturais nas Caraíbas e ao contínuo devir turístico contemporâneo, na procura incessante por lugares remotos, intocados e, paradoxalmente, como refere recentemente a Airbnb, num vídeo promocional aos Açores, por destinos “Not Yet Trending”. Realço o Yet, porque a intenção é torná-lo, a breve trecho, Not.

Estes são sinais evidentes da reformulação do turismo à escala mundial, num processo dinâmico e em curso, no qual passamos de (ilustres) desconhecidos a (notáveis) emergentes.

Apesar de existir uma consciência, entre nós, dos particularismos deste fenómeno, o mesmo acarreta, sem margem para grandes dúvidas, uma responsabilidade acrescida, na medida em que não nos podemos deixar cair num processo de “Disneylização”.

Para tal, temos de implementar (ontem, já era tarde) um sem número de opções para melhor responder a estes fluxos, cada vez menos sazonais e com um carácter mais permanente (e intenso). Contudo, receio que, este fenómeno, já está para além de qualquer controle ou delimitação.

Em parte, porque estamos a sair de uma crise económica, com efeitos mais ou menos visíveis, e que tem no crescimento da actividade turística, um dos aspectos mais evidentes da nova dinâmica presente na economia regional.

Ninguém o ignora, e perante o cepticismo inicial, assistimos a um movimento de sentido único, em que tudo converge - numa espiral acéfala - para o turismo. No passado recente, já testemunhamos os efeitos da concentração do investimento (colectivo) num único sector económico, com os resultados que se conhecem.

Outro aspecto - amplamente discutido mas imensamente ignorado - é a qualidade da oferta dos serviços que prestamos a quem nos visita. A qualidade do destino não está em causa. Contudo, o perfil de cliente a bordo da Delta Airlines não se compadece com uma parte significativa do que temos para oferecer, não só em termos de restauração mas em todos os serviços complementares, incluindo, o alojamento e animação. A exigência e a disponibilidade terá de ser, forçosamente, outra.

A este respeito, socorro-me de um exemplo corriqueiro, em tempo de eleições autárquicas, para demonstrar o muito que há por fazer (e que não foi feito, nem foi acautelado).

Para o candidato que pretende renovar o mandato à frente dos destinos daquele que considera ser: “o motor de desenvolvimento dos Açores, a porta de entrada do turismo, o novo pilar de desenvolvimento do concelho, da ilha de São Miguel e do arquipélago”, não existe espaço na agenda cultural do município para os eventos, e para as instituições, que não fazem parte do perímetro municipal.

Alguém imagina, por exemplo, que um turista ao chegar a Lisboa não tenha acesso à informação cultural relativa ao Centro Cultural de Belém, ao Museu de Arte Antiga ou à Fundação Gulbenkian?

Em Ponta Delgada, nos últimos quatro anos, foi o que aconteceu. Será esta postura compaginável com um discurso aparentemente conciliatório?

A par de outras medidas fundamentais, importa implementar “uma agenda cultural anual que agregue toda a informação da oferta disponível no concelho e que não promova apenas os eventos municipais.

Os desafios deste tempo (e dos que se adivinham) não são solúveis com estados de alma, requerem determinação e um projecto afirmativo para a cidade e para o concelho.

Ponta Delgada, como um todo, merece mudar para melhor.

* Publicado na edição de 25/09/17 do Açoriano Oriental
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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Ontem, já era tarde

Em determinados períodos da sua história, os Açores foram, e têm sido, precursores em múltiplos domínios.

Não é necessário enumerá-lo mas os atributos identitários, pelos quais o arquipélago é, actualmente, (re)conhecido, são fruto da visão de alguns (poucos) homens bons -“que lutaram pela luz e o progresso” (Arturo Pérez-Reverte, 2016).

Ninguém ignora, ou contraria, que as plantações de Chá, a produção de Ananás ou o Parque Terra Nostra, são exemplos maiores daquilo que melhor caracteriza e diferencia esta(s) ilha(s), num tempo em que proclamamos a sustentabilidade como a riqueza turística dos Açores.

Estes recursos (permitam-me que os defina deste modo) são lidos como símbolos identitários (e distintivos) perante a homogeneização do gosto e da democratização do turismo (com ou sem massificação, seja ela qual for).

Questiono-me, frequentemente, do porquê de tais concretizações: como é que foram possíveis e como é que chegaram até aos nossos dias? E se haverá, entre nós, a capacidade de dar corpo a ideias ou a projectos equivalentes?

A sua idealização foi realizada num período em que as dificuldades económicas eram mais que muitas, na ruína de um ciclo económico grandioso, após o qual foi necessário encontrar alternativas produtivas para colmatar o declínio em que a economia da(s) ilha(s) se encontrava.

Nessa altura não existiam fundos comunitários, nem apoios à exportação, pelo que o engenho e a verdadeira capacidade empreendedora (palavra perigosa nos tempos que correm) foram factores determinantes para alavancar algumas destas produções (que são hoje marca da nossa contemporaneidade).

Estes são, mais do que a sua mera produção, exemplos de resiliência e de visão, num espaço geográfico pequeno e longínquo, com recurso a uma população rural, pouco escolarizada mas que teve a sorte de poder contar com o investimento de alguns “homens bons”, na capacitação da sua comunidade e da luta pelo bem comum.

A (quase) inexistência de um projecto partilhado faz com que a escassez de meios (ao nosso dispor) seja, ainda, mais insuficiente e torne evidente a sagacidade empresarial e os egos daqueles que agora se preparam para ir a eleições.

Este estado de coisas tem levado à desertificação do campo em detrimento da cidade, à competição insana entre concelhos, da mesma ilha, e entre as ilhas, num desgaste sem sentido.

Contudo, os bons exemplos perduram ao tempo e à história.

A explicação para a longevidade de tais símbolos emana da necessidade, do querer e, sobretudo, do saber de quem olha o mundo e o (re)conhece. Procurando um ponto de convergência com a sua origem geográfica, através da partilha da sua riqueza (e da sua cultura) com os seus conterrâneos.

Parte do nosso problema colectivo é cultural. Sem conhecimento - e sem educação - num mundo globalizado não alcançaremos grande coisa.

A produção de bens em grande escala é uma ilusão, temos de saber competir pela qualidade e nunca pela quantidade (daquilo que a natureza nos proporciona e do que aqui produzimos).

A geotermia, a água que nos rodeia e a pequenez das ilhas = o laboratório vivo que constituímos são, porventura, as nossas maiores riquezas.

Saibamos aproveitar este bom momento económico para implementar boas práticas e um modelo de efectiva sustentabilidade futura, garantindo uma visão de futuro e rejeitando modelos do passado.

Citando Antero de Quental (nas Causas da Decadência dos Povos Peninsulares), “se não reconhecermos e confessarmos francamente os nossos erros passados, como poderemos aspirar a uma emenda sincera e definitiva?”.

Ontem, já era tarde.

* Publicado na edição de 18/09/17 do AO
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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Confiança, excesso (ou a falta dela)

Os cartazes já por aí andam, de rotunda em rotunda, entre a amizade, a confiança e o apoio geriátrico, todos tentam sinalizar a atenção de quem passa.

Importa salientar que a participação cívica não se esgota no momento em que depositamos o voto no nosso candidato de eleição.


O período de campanha leitoral é um momento fulcral para o debate, para a apresentação dos candidatos (e dos seus projectos), com vista ao esclarecimento dos eleitores.


Desvalorizar estes momentos é afastar, ainda mais, as pessoas dos políticos e, consequentemente, a perpetuação do aparente desinteresse de uns perante os outros.


Os políticos não se podem limitar ao contacto com as populações (apenas) nestes períodos. Assim como, os cidadãos não se podem desvincular de participar nos actos eleitorais, engrossando os números da abstenção, e delegando em terceiros a opção sobre decisões que irão afectar a sua vida quotidiana.


Quantas vezes já não ouvimos alguém reiterar (de forma displicente) que não se interessa pela política, de que os políticos são todos iguais e que não vai votar?


Este tipo de comportamentos deve ser condenado, mas não pode, nem deve ser negligenciado, carecendo de um profundo trabalho de esclarecimento sócio-cultural.


Por estes dias, o escrutínio da actividade pública (ou da gestão da coisa pública) está sujeito a uma malha muito apertada, sendo certo que o rigor e a transparência são factores determinantes na escolha dos eleitos.


Nesta medida, os candidatos devem privilegiar (de forma clara e inequívoca) a aclaração juntos dos eleitores, revelando aquilo que pretendem realizar ou corrigir.


Passar um cheque em branco a um candidato que apenas baliza a sua acção pela sua (in)capacidade de gerir, na vã tentativa de contentar tudo e todos, num exercício de procrastinação, num confrangedor falhanço da projecção da cidade (e do concelho) para os seus desafios de futuro (e que não se fixam apenas no turismo), não é opção.


Ponta Delgada anda à deriva há mais de duas décadas, o tempo assim o comprova.


No final de três mandatos cabeludos, cujo objectivo permitiu canibalizar os fundos europeus concelhios em investimentos de retorno duvidoso, os quais hipotecaram o destino presente e futuro da autarquia, numa gestão que apenas cumpriu os desideratos de um projecto pessoal, o actual inquilino da Praça do Município clama por confiança (!) na renovação da sua candidatura.


Mas que confiança podemos nós ter em alguém que renovou (quase) a 100% o elenco camarário que conduziu os destinos autárquicos de Ponta Delgada nos últimos quatro anos, não será esta a prova (maior) do seu falhanço como gestor autárquico?


E o que dizer da gestão do espaço público concelhio, relativamente: à recolha dos resíduos sólidos urbanos; na limpeza da cidade, em particular, no combate e controle na propagação de roedores; na circulação e estacionamento automóvel; no alargamento dos transportes públicos municipais ao perímetro suburbano; na ausência de planos de pormenor para a cidade e principais núcleos de freguesia do concelho; na fundamental revisão do PDM; e na falta de uma estratégia coerente quanto ao calendário de eventos e à agenda cultural do município.


Será possível realizar uma campanha eleitoral (autárquica) sem que haja a discussão de um programa (ou de, simplesmente, uma ideia)? Aparentemente, há quem acredite nisso.


Por tudo isto, e muito mais, Ponta Delgada merece melhor, merece uma equipa, e não apenas um só candidato. 


* Publicado na edição de 11/09/17 do AO
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terça-feira, 5 de setembro de 2017

(V)ir e voltar

Chegados ao início de Setembro, ao fim das férias e ao regresso às aulas, o momento é de balanço turístico após o mês mais quente do turismo nos Açores.

Durante o mês de Agosto podemos todos experienciar a profunda transformação gerada na(s) ilha(s), sendo simplista quem reduz o crescimento turístico apenas à liberalização do espaço aéreo.

Este facto significa que temos todos, sem excepção, de nos adaptar a esta nova condição, não vale a pena ignorá-lo. Exigindo, a cada um de nós, residentes, (in)evitáveis concessões ou simplesmente a (re)criação de novos hábitos, e rotinas, devido ao maior aglomerado de pessoas nos locais e espaços mais populares, sujeitos, neste período, a outra densidade e pressão.


É óbvio que, para quem nos visita, o destino seja pacato, sobretudo se for alguém oriundo de um grande centro urbano. São realidades distintas, onde qualquer comparação não tem razão de o ser.


Aliás, parece-me sempre obtuso querer comparar hábitos e vivências de realidades tão diferenciadas. O que temos para oferecer não é um modo equiparado desses destinos em formato reduzido mas, sim, algo completamente singular, distante e diferente, com um carácter sustentado, de um tempo mais distendido e em equilíbrio com o meio ambiente que o rodeia.


Não devemos fazer do Turismo a panaceia para todos os males mas não podemos escamotear a sua importância, nem minorar a dinâmica que o mesmo introduziu. Um caso concreto: não fosse o crescimento turístico presente, o centro histórico de Ponta Delgada continuaria decrépito e abandonado. Não tenhamos qualquer dúvida quanto a isto.


Ao contrário do que possam pensar, não faço a diabolização do turismo, considero que o mesmo apresenta novos desafios cujas soluções implicam, forçosamente, respostas mais imaginativas e criativas. No entanto, devemos aproveitar esta movida mais positiva para repensar e agir sobre um conjunto de problemas - habitação nos centros históricos, transportes públicos, animação turística, recolha do lixo, sinalética, acesso automóvel em zonas ambientalmente sensíveis, apenas para nomear alguns - que não têm tido a resposta adequada das entidades competentes.


Noutro âmbito, e a propósito de uma reportagem recente na RTP/Açores sobre um simulacro para avaliar as medidas de socorro nas zonas balneares (!), parece-me estranho que num período em que o número de turistas (famílias, incluídas) é muito superior ao que tínhamos no passado, a resposta dos meios disponíveis seja a mesma e, em alguns casos, menor ou mesmo inexistente.


Este é apenas um exemplo daquilo que, entre nós, não muda apesar de tudo o resto se ter alterado.


Em todo o arquipélago deparamo-nos com avisos de zonas balneares que não estão sob vigilância, o que representa um perigo, acrescido, para os banhistas. 


Acredito que não seja possível monitorizar todas as zonas balneares dos Açores mas já é tempo de olhar para os nadadores salvadores como um recurso permanente, profissional, e associado, por exemplo, à Proteção Civil.


De igual modo, não faz sentido que a limpeza das praias esteja circunscrita apenas à época balnear. 
Se queremos turismo de qualidade parte da equação passará pela manutenção contínua destes locais, por forma ao seu usufruto durante a maior parte do ano.

A tão propalada sustentabilidade futura - da denominada fileira do turismo - passa pelo regresso de muitos daqueles que agora nos visitam.


É preciso (v)ir mas é imperioso voltar.


* Publicado na edição de 04/09/17 do AO
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terça-feira, 8 de agosto de 2017

Mundividência(s)

Todos falámos, ninguém o ignora e os jornais fazem notícia com o assunto que está, inevitavelmente, presente em todas as mesas e convívios deste verão: o aumento exponencial de turistas na(s) ilha(s).

Um dos aspectos mais visíveis desta presença são os carros de aluguer com os seus dísticos no vidro traseiro, uns mais ostensivos do que outros, em que todos lutam pela conquista da cota alheia, como se estivéssemos perante uma guerra silenciosa.

Para fazer face à procura existente, as empresas de rent-a-car têm efectuado avultados investimentos e são as maiores responsáveis pelo crescimento das vendas de automóveis novos nos Açores.

Mas não tem sido apenas o número de veículos que tem aumentado, a cada dia que passa surge uma nova empresa de aluguer de automóveis, sendo que as grandes empresas do sector passaram a olhar os Açores com outra atenção.

O efeito directo desta acção empresarial por via da intensificação da actividade turística tem conduzido à melhoria substancial dos nossos indicadores económicos.

Contudo, depois de dois intensos verões, do aumento da chamada época alta para o período compreendido entre Abril e Outubro (antes estava concentrada entre Julho e Setembro), de um conjunto de outras evidências nos serviços disponibilizados, da restauração à animação turística, e de um número considerável de estudos e planos, continuamos sem agir de forma consistente, concertada e sustentável perante este enorme fluxo turístico.

A profusão de festivais, de concertos e de outras iniciativas, mais ou menos indiferenciadas, é, talvez, o exemplo mais flagrante do desnorte a que temos assistido.

Ano após ano, discute-se a importância da articulação de agendas e da necessidade imperiosa de delimitar, e regrar, o acesso a áreas ambientalmente sensíveis. Tal não tem acontecido e a situação deteriora-se a cada ano que passa.

Um exemplo destes dias, o Açoriano Oriental na sua edição de 25 de julho faz manchete com a seguinte chamada de capa: “Filas com mais de 200 metros para estacionar na Caldeira Velha”.

Esta não é uma situação nova, cuja resolução não passa, ao contrário do que é defendido, pelo aumento do estacionamento automóvel junto destes locais de interesse turístico.

Se, neste período, estes espaços já têm uma carga muito acima daquela que deviam ter, retirando a beleza e a tranquilidade pelas quais são conhecidos e são motivo de visita, aumentar o acesso (indiscriminado) automóvel é tornar ainda mais insuportável, e caótico, a experiência turística do destino que diz ser ambientalmente sustentável.

À semelhança do que já existe no ilhéu de Vila Franca do Campo, o acesso a determinados locais tem de ser controlado e pago. Os carros ficam à porta, em parques de estacionamento gratuito, longe de zonas de reserva ambiental, e devem ser gerados transportes alternativos para quem os queira visitar.

No final, é tudo uma questão de bom senso e de, eventualmente, mundividência.

Voltarei a este assunto no final de mais esta época estival, se entretanto vai andar por aí e se cruzar na estrada com um carro de aluguer, redobre os cuidados na condução, à vossa frente estará, muito provavelmente, um turista.


* Publicado na edição de 31/07/17 do AO
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terça-feira, 25 de julho de 2017

Uma vontade (aparente)

Estreou esta semana em Portugal Dunkirk, de Christopher Nolan (o realizador de Interstellar, Inception ou Batman - The Dark Night), um épico de guerra inspirado na Batalha de Dunquerque, em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial.

Ponta Delgada ficou, uma vez mais, fora do roteiro das estreias nacionais.

Este exemplo (simbólico) é apenas uma prova da ausência de uma estratégia consistente em torno do que se pretende para a cidade em termos culturais, apenas ditada por uma vontade aparente, feita de palavras vãs e de estudos feitos por medida.

Como é que uma cidade define como objectivo final do seu desenvolvimento estratégico, realizar uma candidatura a Capital Europeia da Cultura (em 2027), se não consegue garantir algo, tão banal, como a estreia nacional de um dos maiores acontecimentos cinematográficos do ano? - e não estou a ser, sequer, muito exigente.

Importa recordar que Ponta Delgada esteve sem exibição de cinema comercial durante quase um ano (entre Fevereiro e Agosto de 2013).

Neste período, foram muitas as vozes que se levantaram para que existisse uma sala pública que garantisse essa função.

Tal não foi possível, nem sequer é compaginável com as regras impostas, actualmente, pelo sistema de distribuição, concentrado em pequenas salas, com múltiplas sessões diárias.

Felizmente, durante esse período, o 9500 Cineclube, com sede no Solmar Avenida Center, garantiu a exibição de cinema na cidade, através da sua actividade regular, composta por ciclos temáticos, cinema de autor (e documental) e dedicado à nova produção cinematográfica nacional.

Contudo, as condições de exibição e a ausência de apoios públicos para manter a regularidade, e uma maior consistência da programação, fizeram com que esta resposta não correspondesse às expectativas do público.

No entanto, esta é, e foi, uma acção muito importante, desenvolvida por amor e paixão, e sem qualquer contrapartida financeira, por parte dos elementos da direcção do 9500 Cineclube, aos quais deixo uma palavra de estímulo pelo trabalho que continuam a desenvolver.

O encerramento de cinemas tem sido uma constante, por todo o país, devido à profunda alteração dos hábitos de fruição cultural (e dos downloads ilegais), por intermédio de uma plateia que não tem tempo a perder.

Mesmo e apesar disto, os cinemas têm sido repescados como importantes elementos de revitalização dos centros históricos, não em formato multiplex, mas apontando a públicos mais especializados, exibindo aquilo que não tem lugar num espaço mais massificado.

A recuperação do Cinema Batalha, na cidade do Porto, com um projecto de arquitectura do mestre Alexandre Alves Costa, é um bom exemplo daquilo que devemos seguir, envolvendo, para o efeito, a comunidade local.

Apesar de Ponta Delgada ter recuperado a exibição comercial de cinema, o facto é que a programação existente não contempla uma série de opções, bloqueando o público cinéfilo do acesso a uma maior diversidade.

Caberá ao exibidor privado garantir esse desígnio? Provavelmente não, na medida em que a sustentabilidade da sua actividade dependerá de um outro conjunto de acções. Simultaneamente, esta mesma opção afastará, paradoxalmente, um público potencial.

A Cultura requer conhecimento, investimento e a criação de boas práticas. Sem um sólido desenvolvimento sócio-cultural, não será um plano (nem o Turismo) que o garantirá.


* Publicado na edição de 24/07/17 do AO
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quarta-feira, 19 de julho de 2017

O passo seguinte

Na abertura da edição 2017 do Festival Walk & Talk - que decorre entre 14 e 28 de Julho - o Secretário Regional da Educação e Cultura, Avelino Menezes, e o Secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, anunciaram que no próximo ano, e decorrente da revisão dos apoios às artes da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), os agentes culturais dos Açores (e da Madeira) passarão a ter acesso aos apoios nacionais.

Tal como é referido numa nota à comunicação social, o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades que exerçam actividades de carácter profissional de criação, exclui, desde 1997, os artistas e agentes culturais das Regiões Autónomas (GaCS, 14/7/17).

A alteração introduzida, neste decreto-lei, é uma questão de justiça e repõe a equidade, no panorama nacional, dos que aqui desenvolvem, de forma profissional, a sua actividade na área cultural.

O que é estranho é que estejamos a regozijarmo-nos por algo que é basilar mas que, de modo incrível, levou 20 anos a ser ultrapassado.

Nos Açores, esta situação não se verifica, porquanto o regime jurídico de apoio a actividades culturais nos Açores, cuja primeira legislação remonta a 2006, é aplicável aos agentes, individuais ou colectivos, regionais, nacionais ou estrangeiros, que desenvolvam actividades culturais consideradas de relevante interesse para a Região, não existindo, nesta medida, uma limitação de acesso aos apoios em função do local de residência do candidato (GaCS, 14/7/17).

Esta questão reveste-se de modo simbólico pelo timing do anúncio, inserido naquele é, actualmente, o evento cultural que mais longe leva o nome dos Açores, afirmando-se, hoje, como uma referência, crescente, no panorama da criação artística contemporânea nacional, extravasando, largamente, a geografia das ilhas.

A acessibilidade da Associação Anda & Fala, e de outras suas congéneres, no concurso a outras fontes de financiamento, poderá permitir a melhoria das suas condições de funcionamento e uma maior estabilidade na sua acção, sobretudo, na capacitação, entre nós, de estruturas profissionais ou com carácter profissionalizante.

No entanto, desengane-se quem pensar que este percurso é óbvio ou que venha a ter efeitos imediatos.

Nesta fase, o acesso aos concursos é uma realidade mas não está, de forma alguma, garantido o respectivo financiamento.

É necessário ter consciência que as estruturas regionais estarão a concorrer com estruturas sólidas, com um trabalho consistente e com um histórico invejável, uma situação que agrava, indelevelmente, as condições de acesso a estes concursos.

Não obstante todas as desigualdades inerentes a este processo, a começar pelo tempo em que estivemos arredados do processo concursal, é necessário afirmar o trabalho dos criadores regionais noutros palcos e junto de um público mais alargado.

Este confronto é fundamental para afirmar o arquipélago na agenda nacional, quer como local de criação contemporânea, quer como espaço de fruição e desenvolvimento sócio-cultural em torno da comunidade local.

A Cultura não pode ser, apenas, elemento de animação turística, como muitas vezes é defendido. Deve servir como elemento disruptor e de capacitação (formativa e educativa) da população residente.

No caso dos Açores as dificuldades são agravadas, como sabemos, pela descontinuidade do território, Mas apesar do atraso, evidente, a acessibilidade ao financiamento nacional virá atenuar, esperamos, as nossas insuficiências.

Resta-me endereçar os parabéns aos protagonistas deste longo, e moroso, processo negocial.

Competirá aos agentes, e a todos os intervenientes (regionais) da coisa cultural, o passo seguinte.

* Publicado na edição de 17/07/17 do AO
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terça-feira, 11 de julho de 2017

Exiguidade(s)

O presente ano prova que as autarquias pouco, ou nada, aprenderam com a crise.
Na maior parte do tempo, o calendário e o investimento associado à cultura é apenas uma questão simbólica, feita de boa(s) vontade(s), diplomas de reconhecimento municipal, discursos, medalhas e placas comemorativas. Mas, em concreto, pouco investimento e nenhuma estratégia ou planeamento.
A justificação para esta precariedade, é de que existem, sempre, áreas prioritárias (!). A cultura é, habitualmente, referência obrigatória em discursos e acções evocativas.
Nestes dias de crise, ou de menor intensidade crítica, que na prática significam menor disponibilidade orçamental, a política cultural autárquica extingue-se na atribuição de valores monetários (simbólicos) a entidades culturais e ao discurso de circunstância.
Contudo, em ano eleitoral parece existir, quase sempre, outra disponibilidade no fundo do baú, para acudir as festas concelhias que marcam, indubitavelmente, o cartaz estival do arquipélago.
Outrora, estas festividades assentavam noutros pressupostos. Agora, passaram a designar-se, pomposamente, festivais, sem que ninguém questione o porquê desta mutação.
Nestes actos, a identidade cultural e a perpetuação da tradição passaram a ter na animação turística, e na oportunidade de negócio, a justificação para a sua realização.
Por estes dias, o turismo justifica, sem grande discernimento, quase toda a nossa acção pública e privada.
Esta semana, numa iniciativa da Confederação do Turismo Português, ouvi da boca de um profissional da PWC (PricewaterhouseCoopers), em relação à evolução (recente) do turismo dos Açores, que “depois do sol vem a chuva”. O director deste jornal escreveu, no seu editorial da semana passada, que o Plano Estratégico Turístico de Ponta Delgada, apresentado em final de mandato, “limita-se, em boa medida, a propor o óbvio”. Estas declarações acabam, no final, por ser a prova de como na teoria concebemos uma coisa e, na prática, acabamos a fazer outra.
Isto não é, apenas, apanágio de Ponta Delgada. Aqui terá, porventura, outra escala, relativamente à maior cidade dos Açores, e a este estafado slogan, cheio de pretensão e vazio de conteúdo.
O calendário de eventos do próximo fim-de-semana, na ilha de São Miguel, confirma que não existe qualquer tipo de planificação, no agendamento deste tipo de eventos nos Açores, numa região onde os turistas apontam como insuficiente, ou inexistente, a animação turística que lhes é proposta (convinha reflectir seriamente sobre o que isto significa).
Existem largos períodos do ano onde não acontece rigorosamente nada, para depois se realizar um conjunto infindável de iniciativas, dirigidas maioritariamente aos residentes, mas divulgadas como cartaz turístico (para aqueles que nos visitam).
Convém não ignorar outro factor, os residentes passaram a viajar com maior frequência, na procura, por exemplo, dos Festivais com f maiúsculo. Um movimento que não deve ser olhado de forma despiciente.
Quem nos procura não vem atrás de animação nocturna, ruído e lixo, procura a tranquilidade, segurança e a preservação ambiental que já não encontra noutras paragens. Aquilo que, na essência, afirmamos (de)ter mas que nos custa concretizar na sua real plenitude.
Para vos dar conta desta aparente esquizofrenia, deixo-vos aqui os eventos mais significativos do próximo fim-de-semana (14, 15 e 16 de julho): Música no Colégio (Ponta Delgada), Festival Walk & Talk (com sede em Ponta Delgada mas com reflexo em vários pontos da ilha de São Miguel), Festival Ilhas de Bruma (Ponta Delgada, Praia do Pópulo), Festa do Baleeiro - São Vicente Ferreira, Feira Quinhentista (Ribeira Grande), Festas do Nordeste e ainda, com a participação de muitos micaelenses, o Santa Maria Blues.
Se se tratassem de iniciativas sem recurso a fundos públicos, não tinha nada a opor. Como não são, a reflexão impõe-se. É tempo de repensar e redefinir os apoios públicos associados à chamada animação turística (e não cultural, convém não confundir uma coisa com a outra).
A excelência e a exuberância ambiental do destino Açores não pode ser fruto do acaso, nem pode ser compaginável com a promoção da mediocridade, nem da falta de articulação programática.
A exiguidade dos recursos (disponíveis) assim o exige.

* Publicado na edição de 10/07/17 do AO
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